De regresso às feiras e ao contacto presencial com os seus clientes – incluindo a Guimarães Home Fashion Week e a Heimtextil –, a Mundotêxtil arrancou com boas vendas em 2022, mas, e apesar do aumento dos preços que tem feito, os custos mais altos com as matérias-primas e os combustíveis estão a erodir as margens, uma situação que faz com que os restantes meses deste ano sejam vistos com alguma apreensão, como revelou a administradora Ana Vaz Pinheiro na entrevista ao Jornal Têxtil concedida na Guimarães Home Fashion Week.
Que importância tem este regresso da Mundotêxtil à Guimarães Home Fashion Week?
O ano passado não viemos, mas decidimos vir este ano efetivamente porque achámos que era uma boa oportunidade para estarmos com uma série de mercados com quem já não estávamos ou que não mantínhamos um contacto pessoal há muito tempo. Embora as nossas equipas comerciais tenham feito um trabalho inexcedível em termos de contactos online, a verdade é que suprir estas necessidades sociais que todos temos enquanto pessoas é importante e isso só conseguimos com feiras. Acho que é muito importante até para conversarmos com pares, com empresas do mesmo sector, percebermos as angústias, as inovações, o que se está a fazer de novo, por isso acho que é superimportante participar em eventos como este.
Como sentiu a afluência a este evento?
Tivemos muitos contactos. Não sei se é por não ter uma feira há dois anos, mas senti um frenesim incrível. Tivemos imensa gente e nota-se, da parte dos compradores, de todos os países – porque aqui estão representados imensos países – uma vontade de ver, de tocar no produto, de ter informação. Estou agradavelmente surpreendida com a afluência da feira e com o tipo de clientes que estão na feira.
Que tipo de clientes recebeu?
Tivemos grandes clientes, clientes que já eram nossos e que já sabíamos que cá vinham, mas tivemos outras pequenas marcas, negócios online que durante a pandemia foram alavancados, como é óbvio, devido aos confinamentos e que estão agora a querer comprar muito. Muita gente que tinha negócios na Turquia e que agora está a mudar, que quer mudar para Portugal, ou seja, que está numa transição.
Quais foram as nacionalidades mais representadas?
Coreia do Sul, países nórdicos também, Noruega e Dinamarca. Também tivemos espanhóis, o que é normal devido à proximidade.
Em termos de feiras, que estratégia está a ser adotada neste pós-pandemia?
O nosso plano de feiras mantém-se, ou seja, vamos participar na Heimtextil de junho e iremos participar na de janeiro do próximo ano, se acontecer. De resto, o que temos são missões da empresa a países concretos para visitar clientes. Ou seja, vamos apostar e alocar os nossos recursos a isso, a missões internas aonde vamos com as pessoas responsáveis e com os comerciais visitar os clientes todos de um país.
Já há alguma seleção de mercados?
O primeiro será o Canadá, onde vamos fazer uma viagem de cortesia, também porque já não vamos há dois anos à Market Week, que era normalmente o sítio onde estávamos com os clientes. Depois vamos aos EUA em maio.
Que expectativas tem para a Heimtextil que se avizinha?
Decidimos participar na Heimtextil porque fizemos uma sondagem aos nossos clientes para perceber qual era a recetividade deles em termos da data – porque a data não é consensual, ou seja, é tarde demais para decidir outono-inverno deste ano e cedo demais para decidir a primavera-verão do ano que vem. Tivemos uma amostragem suficiente para perceber que havia clientes em número suficiente que justificasse uma visita, não nos mesmos moldes – vamos com um stand mais pequeno, com uma equipa mais pequena –, mas vamos estar representados porque achamos que é mesmo importante.
Em termos de coleção, o que pode adiantar?
Nós desenvolvemos a coleção para a Heimtextil de janeiro na mesma, como desenvolvemos sempre, a fazer de conta que existia porque temos as nossas reuniões online com os clientes. Destacámos três temas, mas muito à volta da sustentabilidade, sempre. Ou seja, novas misturas, novos fios, principalmente na parte das toalhas mais básicas, que não são propriamente básicas, mas tudo muito mais voltado para a parte sustentável. Depois, tal como vemos no vestuário, na casa é igual. As pessoas estão a começar a sair e, por isso, como não passam tanto tempo em casa, já não compram tanto os beges, os cinzentos e os brancos; começam a arrojar um bocadinho mais na cor e, por isso, também temos cores mais garridas. Temos como novidade muito grande, e achamos que é uma grande tendência em termos de rastreabilidade, o FibreTrace, que no fundo é um fio feito com os nossos restos de produção e com um fio carbono positivo, que é rastreável do início ao fim – é o mesmo fio, com o mesmo processo e o mesmo fornecedor que tem o grupo Impetus. Depois temos ainda os acabamentos sustentáveis com multivitamínicos, por exemplo, todas aquelas investigações e desenvolvimentos que fazemos durante o ano e que culminam na apresentação na Heimtextil.
Atualmente, quanto representam os produtos sustentáveis, orgânicos e reciclados nas vendas da Mundotêxtil?
No ano passado representaram mais de 25%.
E é um valor que tem vindo a subir?
Sinto isso, completamente. Mas ao contrário daquilo que era expectável, nota-se uma maior recetividade em mercados maduros como Itália, por exemplo, que era um mercado muito preço e muito básico e que começa a evoluir para uma grande necessidade de sustentabilidade, tudo em termos de poliéster reciclado, algodão reciclado, misturas com esse tipo de materiais. Os outros países da Europa vão a reboque. Claro que a Europa do Norte já é uma zona que, por si só, há muitos anos que coloca a sustentabilidade como uma bandeira. O Reino Unido começa também agora a puxar um bocadinho, mas não tanto para o orgânico, ou seja, vejo os clientes a fugirem muito do orgânico, também devido ao preço e às celeumas todas que houve à volta dos orgânicos, mas a puxar para fibras sustentáveis cuja verificação e comprovação seja mais fácil e mais evidente.
Como correu o ano passado comparativamente a 2019?
Correu muito bem, e mesmo em relação a 2020, crescemos muito. A nossa faturação foi de 55 milhões de euros, já não nos lembrávamos de uma faturação assim. Foi um ano muito bom, efetivamente, muito alavancado, como é óbvio, pelo facto das pessoas passarem muito tempo em casa e o têxtil-lar, principalmente o nosso segmento de têxtil-lar, os atoalhados de felpo, serem um produto não tão caro como os lençóis e, por isso, de mais fácil rotatividade. Mas também foi um ano de muito trabalho. Na realidade, nos dois últimos anos, a fábrica toda trabalhou muito, em termos produtivos e em termos de automatização de processos, para que conseguíssemos obter estes resultados. Não tenho dúvidas nenhumas: não foi só trabalho comercial, nem foi só sorte, toda a gente trabalhou muito. As 610 pessoas da Mundotêxtil trabalharam muito para isto acontecer.
Que balanço faz deste primeiro trimestre de 2022?
O primeiro trimestre foi bom em termos de faturação, como é óbvio em termos de resultados não foi tão bom devido ao aumento exponencial do preço da eletricidade e do gás. Embora tenhamos conseguido repercutir o preço do fio no cliente, a verdade é que os outros custos dispararam de tal forma que é impossível repercutirmos no imediato os preços no nosso cliente.
Mas foram obrigados a aumentar os preços dos produtos?
Claro. Em média, mais de 15%.
De que forma reagiu o mercado?
Como é óbvio, as conversas de preço nunca são muito fáceis de se ter com clientes e temos clientes que não aceitaram os preços e pura e simplesmente não pudemos fazer as encomendas, porque não é viável. Agora temos que perceber, aliás o nosso cliente percebe e o cliente final também percebe porque a inflação está aí, que isto é geral, não é um mal que venha só de uma empresa, nem de um sector, é um mal geral. O tipo de incerteza que existe à volta das matérias-primas, da cadeia de abastecimento, das energias, dos recursos todos, é muito difícil de repercutir numa conversa com um cliente, porque, quer dizer, estamos hoje a cotar um preço que para produzir amanhã já não dá e não é fácil trabalhar sob estas condições. Agora temos que fazer o nosso trabalho de casa e temos que tentar ser mais produtivos, ser mais eficientes, com menos desperdícios, comprar mais e melhor, ter uma cadeia de abastecimento muito mais concentrada e fidedigna. Temos que nos unir uns aos outros, enquanto empresas e indústria, para isto, porque nós vamos sair daqui, agora pode demorar mais ou menos um bocadinho, também depende da maneira como o Governo e como a política da União Europeia ajudar, depende de muita coisa.
Enquanto empresária, que medidas gostaria de ver implementadas para colmatar essas dificuldades?
Vejo com muita expectativa a apresentação que foi feita por Portugal e Espanha à União Europeia no sentido de mitigar o preço do gás. Acho que a ajuda tem que ser essa. Ou seja, temos que conseguir controlar, de alguma forma, o preço do gás e da eletricidade no mercado ibérico, para as empresas e para as famílias também – falo enquanto administradora de uma empresa com 600 famílias e a verdade é que o preço que nós pagamos, as famílias também estão a pagar. Acho que essa é a necessidade de injetar não dinheiro diretamente nas empresas, mas mexer na tarifa, no preço, mexer na Europa, regular o mercado, é o que tem que se fazer, não há outra hipótese, porque linhas de crédito, endividar mais as empresas para pagar contas de eletricidade e de gás, na minha opinião, não é o caminho. A Mundotêxtil nem sequer pensou alguma vez recorrer a esse tipo de mecanismos para suprir os problemas que temos de aumento da fatura energética.
Se este conflito bélico se prolonga, como podem as empresas resistir?
Com trabalho. Não creio que o layoff seja a solução. Sei que não é uma posição fácil, sei que há muitas empresas que gostariam de ter a possibilidade de fazer layoff, mas sou um bocado reticente em relação a isso, porque, quer dizer, isto é um pau de dois bicos. Se não houvesse encomendas, até entendia, como aconteceu na pandemia, justificava efetivamente fazer um layoff simplificado. Agora tenho muito receio que isto quebre o ritmo de prazo de entrega, o ritmo de trabalho para com o cliente e que ele procure outras fontes que não Portugal e que não a Europa. Mas percebo que haja empresas em que se justifique fazer o layoff simplificado – entendo perfeitamente que para uma empresa cujo custo de energia era 10% ou 15% e agora seja 40 ou 50%, seja completamente incomportável. No caso da Mundotêxtil, para já, não seria uma das soluções – não quer dizer que no futuro não seja.
Como olha para o resto de 2022 nestas circunstâncias?
Com preocupação, como é óbvio. Sei que as empresas que estão financeiramente mais estáveis vão ter menos dificuldades em ultrapassar estes momentos, mas, mesmo assim, vai ser muito complicado conseguir manter os postos de trabalho e cumprir os compromissos com a banca, com os clientes, com os fornecedores e pagar faturas energéticas com uma variação de preço de 300% e 400%. É muito complicado até para empresas que não estão tão expostas a nível financeiro, quanto mais para empresas que vieram de uma pandemia e que não estão tão saudáveis em termos financeiros. Para muitas empresas vai ser muito complicado e para a Mundotêxtil, como é óbvio, também está a ser complicado, está a ser muito difícil, mas temos que continuar a gerir as coisas da melhor maneira e a trabalhar.