Na rota do trabalho infantil

O recurso à mão-de-obra infantil continua a ensombrar a indústria têxtil e vestuário mundial, com centenas de milhões de crianças, das mais diferentes origens, envolvidas nesta atividade, como destaca o novo relatório do Departamento de Trabalho do governo dos EUA.

A última edição do relatório “Descobertas sobre as piores formas de trabalho infantil”, produzido pelo Departamento de Trabalho do governo dos EUA, destaca a necessidade de um compromisso mundial de combate ao trabalho infantil e efetiva aplicação prática da legislação existente. Este documento revela 18 países onde o trabalho infantil é utilizado na produção de algodão e nove países onde a mão-de-obra infantil é canalizada para o fabrico de vestuário.

O trabalho infantil pode ser reduzido ou eliminado, sugere o relatório, mediante a tomada de medidas que atuem nas causas da pobreza e da vulnerabilidade dos agregados familiares, através da educação, proteção social e estratégias laborais efetivas.

A 14ª edição do relatório foi elaborada no âmbito da Lei do Comércio e Desenvolvimento 2000, que inclui critérios de elegibilidade suplementares, relativos a diversos programas tarifários preferenciais, direcionados para os países que se tenham comprometido a eliminar as piores formas de trabalho infantil.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 168 milhões de crianças em todo o mundo estejam ainda envolvidas em situações de exploração laboral, entre as quais metade enfrenta situações de risco e seis milhões estão envolvidas em trabalhos forçados. No continente asiático, diversas crianças trabalham no cultivo de algodão e, na região sul do continente, muitas delas são forçadas a trabalhar na indústria têxtil e vestuário (ITV).

Neste sector, o trabalho infantil foi essencialmente utilizado na produção de algodão, com uma longa lista de países nos quais a mão-de-obra infantil é canalizada para a plantação e colheira da fibra. Entre os países assinalados, destacam-se a Argentina, Azerbaijão, Brasil, Burkina Faso, China, Egito, Índia, Cazaquistão, República do Quirguizistão, Mali, Paquistão, Paraguai, Turquia, Tadjiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão e Zâmbia. O Camboja, China, Índia e Nepal foram, também, apontados pelo recurso à mão-de-obra infantil na ITV.

O relatório destaca, ainda, o envolvimento de crianças no fabrico de vestuário e calçado, advertindo para a constante exposição a ruídos, temperaturas extremas, ferramentas potencialmente cortantes, maquinaria perigosa e poeira. Nesta categoria, o relatório refere a Argentina, Bangladesh, Brasil, China, Índia, Jordânia, Malásia, Vietname e Tailândia.

Bangladesh

Cerca de 18,5% das crianças empregadas, com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos, trabalham na indústria, que inclui calçado, vestuário, têxteis e couro.

Em 2014, o governo do Bangladesh efetuou avanços «moderados» nos seus esforços de combate às piores formas de trabalho infantil, constituindo o Conselho Nacional de Prevenção do Trabalho Infantil, no âmbito do qual elegeu 152 novos inspetores laborais. No entanto, o conselho não reuniu no ano passado e o enquadramento legal do país não protege as crianças empregadas em sectores económicos informais, como pequenas produções agrícolas, nos quais o trabalho infantil é dominante.

No ano passado, o Departamento de Inspeções em Fábricas e Estabelecimentos submeteu seis processos relativos a violações do trabalho infantil no Tribunal do Trabalho do Bangladesh. No entanto, o relatório adianta que a informação sobre o números de inspeções conduzidas e violações detetadas não está disponível e que o sistema de averiguação raramente se aplica a fábricas e unidades não registadas, nos quais a prevalência de utilização de mão-de-obra infantil é superior.

O relatório adverte para a necessidade de contratar e formar inspetores laborais em número suficiente, adequando-o à dimensão da força laboral do Bangladesh. Paralelamente, apela à publicação de informação relevante, instigando a uma maior transparência da atividade de fiscalização, e destaca a necessidade de conduzir inspeções em fábricas e pequenos negócios não registados. As estratégias de combate e prevenção do trabalho infantil devem, também, ser integradas na Política Nacional de Educação.

Camboja

No Camboja, cerca de 15,7% das crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos trabalham na ITV, incluindo em atividades como branqueamento, tingimento e acabamentos com recurso a químicos.

Em 2014, os avanços operados pelo país foram avaliados como «moderados». O Ministério do Trabalho e Formação Vocacional (MOLVT, na sigla inglesa) criou 24 equipas de inspeção interdepartamentais, nas quais se incluem inspetores de trabalho infantil, e aumentou significativamente o número de inspeções e inspetores que podem conduzir esses processos. Contudo, a escassez de recursos impede a correta monitorização da questão.

No ano passado, o MOLVT conduziu 723 inspeções, das quais 613 tiveram lugar em fábricas de têxteis e vestuário. Os inspetores detetaram um total de 46 casos de violação do trabalho infantil em fábricas têxteis e de vestuário, incluindo 34 casos detetados conjuntamente por equipas de investigação do programa Better Factories Cambodja. Os inspetores emitiram avisos a 10 fábricas de têxteis e vestuário.

Em 2014, o Departamento do Trabalho Infantil aumentou o número de inspetores habilitados para realizar inspeções de trabalho infantil para 58, face a 35 no ano anterior. No entanto, embora o MOLVT integre 342 inspetores a nível nacional, apenas aqueles que receberam formação em inspeção do trabalho infantil estão habilitados a detetar essas violações.

O relatório destaca a necessidade de instituir uma idade de escolaridade obrigatória que seja igual à idade mínima de acesso ao mercado de trabalho, a par de um sistema de educação gratuito e de qualidade. Devem, também, ser conduzidas inspeções regulares a potenciais situações de violação do trabalho infantil, para as quais terão de ser direcionados recursos suficientes, garantindo a sua disseminação a todo o país. Simultaneamente, o relatório destaca a importância de aprovar um novo Plano Nacional de Ação contra as Piores Formas de Trabalho Infantil.

Índia

Na Índia, a percentagem de crianças empregadas na ITV é de 33,1%, incluindo atividades relacionadas produção de seda, fiação de algodão, confeção de vestuário, produção de bordados e costura de missangas e botões. Cerca de 56,4% trabalham no sector agrícola, que inclui a produção de sementes de algodão e colheita de algodão.

Em 2014, a Índia desenvolveu esforços «moderados» no combate à eliminação do trabalho infantil, refere o relatório. O governo implementou um Projeto Nacional de Trabalho Infantil, para apoiar as crianças através da disponibilização de empréstimos e meios de subsistência alternativos, e vários programas de proteção social que abordam as causas subjacentes ao trabalho infantil. Porém, este ainda é relevante e a proteção legal básica providenciada às crianças permanece insuficiente.

O gabinete do Primeiro Ministro aprovou, em 2012, legislação que visa a proibição do trabalho de crianças com idade inferior a 14 anos e o trabalho de risco para aquelas com menos de 18 anos, mas esta ainda não foi aprovada pelo parlamento nacional.

O relatório instiga o país a ratificar a “ILO C182 – Convenção de Combate às Piores Formas de Trabalho Infantil”, de 1999. Paralelamente, é essencial que este aprove uma idade mínima de acesso ao mercado de trabalho, a nível nacional e estatal, agravando as penalidades para aqueles que empregam crianças. A cooperação com os governos estatais é necessária ao desenvolvimento de Planos de Ação Estatal, que fomentem o combate ao trabalho infantil. O acesso à educação deve, também, ser facilitado.

 Uzbequistão

Em 2014, o Uzbequistão desenvolveu esforços para eliminar as piores formas de trabalho infantil, mas foi também cúmplice na utilização de mão-de-obra infantil forçada no sector do algodão, recebendo uma avaliação negativa devido à conivência demonstrada com as entidades do sector.

No contexto do compromisso assumido pelo país para a eliminação destas práticas, o Conselho de Ministros declarou a intenção de assegurar que ninguém com idade inferior a 18 anos participaria na colheita de algodão. Esta iniciativa foi amplamente divulgada através de campanhas de sensibilização, fazendo-se acompanhar de programas de acompanhamento pós-escolares, que surgem como alternativa ao trabalho infantil. O governo liderou um esforço de monitorização das colheitas de 2014, aplicando a metodologia da OIT em todas as regiões do país produtoras de algodão. No âmbito desse programa detetou 41 crianças envolvidas em situações de trabalho infantil, aplicando sanções a 19 funcionários escolares e administradores de plantações por utilização de mão de obra infantil.

De acordo com o relatório, existe uma carência de dados atuais sobre o trabalho infantil no Uzbequistão. No entanto, dados produzidos por diversas fontes independentes revelam que, durante a colheita de 2014, algumas autoridades locais mobilizaram crianças para a colheita de algodão, violando a proibição oficial do governo. Além do mais, existem indícios de que mão-de-obra infantil é utilizada no cultivo de algodão.

Qualquer redução assinalada na mobilização de crianças terá sido compensada pelo aumento do trabalho forçado entre adultos, incluindo professores destacados obrigatoriamente para trabalharem nos campos de algodão, agravando ainda mais a questão sobre o acesso das crianças à educação.

O governo uzbeque deve assegurar inspeções laborais e criminais regulares em zonas reconhecidas pela habitual prática de trabalho infantil de risco, especialmente no sector do algodão, sugere o relatório. Deverá, também, permitir o acesso de observadores independentes aos locais de colheita de algodão, disponibilizando, simultaneamente, informação sobre investigações já conduzidas. O Plano do Sector da Educação deve considerar o problema do trabalho infantil e criar estratégias de prevenção. O relatório destaca ainda a necessidade de rever as políticas relativas às quotas de algodão, como forma de prevenir a utilização de mão-de-obra infantil e as linhas diretas de denúncia desta questão devem estar inteiramente operacionais.