Marcas acusadas de explorar trabalhadores europeus

Um relatório da Clean Clothes Campaign acusa marcas alemãs, entre as quais a Hugo Boss, Gerry Weber e Esprit de usar fornecedores da Europa de Leste que exploram os seus trabalhadores. Em causa estão salários baixos, ameaças e inexistência de medidas de segurança contra o Covid-19 em países como Sérvia, Ucrânia, Croácia e Bulgária.

De acordo com o relatório “Exploitation Made in Europe”, produzido pela Clean Clothes Campaign e a Bread for the World, cerca de 120 mil trabalhadores na Europa continuam a trabalhar em ambientes de alto risco, apesar do encerramento de diversas empresas um pouco por todo o mundo.

Em particular, refere o documento, as fábricas que produzem para marcas alemãs como a Hugo Boss, Gerry Weber e Esprit são acusadas de forçar os trabalhadores a ir para o local de trabalho sem condições de segurança adequadas, apesar do elevado risco de infeção de coronavírus.

A Alemanha é um dos maiores importadores e exportadores mundiais de vestuário e as marcas alemãs são as principais clientes da indústria de confeção da Ucrânia e da Bulgária e as segundas maiores compradoras deste tipo de artigo à Croácia e Sérvia.

«A Hugo Boss refere-se sempre ao seu Corporate Health Award, mas as casas de banho no seu fornecedor croata não têm papel higiénico e sabão suficientes», garante Bettina Musiolek, da Clean Clothes Campaign. «A crise afeta gravemente os retalhistas de moda mas os últimos na cadeia, os trabalhadores, têm de suportar o fardo mais pesado. Não ouvi ainda nada da Hugo Boss, da Esprit ou da Gerry Weber sobre como pretendem aliviar este fardo. Muitos pensam que este problema está confinado à Ásia, mas estas condições de mundo em desenvolvimento estão também espalhadas pela Europa», acrescenta.

Salários insuficientes

Segundo a Clean Clothes Campaign, os salários dos trabalhadores da indústria de vestuário continuam extremamente baixos na Europa de Leste e do Sudeste. Um alfaiate ucraniano ganha cerca de 126 euros por mês.

Hugo Boss

«Para fazer face às despesas, estes trabalhadores teriam de ganhar três a cinco vezes mais do que ganham agora», afirma Bettina Musiolek. «Isso não está a acontecer porque marcas como a Hugo Boss, Esprit ou Gerry Weber compram as roupas aos seus fornecedores a preços muito baixos – entre menos de 1% a cerca do máximo de 5% do preço no retalho», explica.

A Clean Clothes Campaign sustenta que as empresas na Alemanha estão a cancelar encomendas e as fábricas estão a ser forçadas a fechar – não para proteção dos trabalhadores mas porque não há trabalho. Os funcionários contactados pela Clean Clothes Campaign revelam que estão a ser enviados para casa sem qualquer remuneração.

«Os abusos massivos dos direitos humanos mostram que as iniciativas voluntárias de marcas e retalhistas estão a falhar, sem qualquer mudança real nas últimas duas décadas, apesar dos apelos para que sejam tomadas medidas», sublinha a responsável da Clean Clothes Campaign. «Os direitos humanos nacionais e internacionais e as leis laborais continuam a ser desprezados, mesmo por Estados-membro da UE. Os Governos e a União Europeia têm de adotar legislação adequada para as marcas e retalhistas implementarem os direitos humanos nas suas cadeias de aprovisionamento mundiais. Até haver meios estratégicos para combater esta questão, vai haver dezenas de milhar [de pessoas] a sofrer nas cadeias de aprovisionamento das marcas», assegura.

Intimidação dos trabalhadores

Um alfaiate croata, que confeciona para a Hugo Boss, adianta que os trabalhadores que faltam por doença enfrentam «graves represálias». «Se estivermos doente, é melhor suicidarmo-nos. Não podemos dar-nos ao luxo de meter baixa por doença», admitiu.

Gerry Weber

O relatório aponta ainda que trabalhadores de todas as fábricas investigadas indicaram sofrer ameaças, insultos, humilhação e intimidação, nomeadamente «a fábrica vai fechar» ou «a porta é ali» e outras ameaças de perda de emprego. Unanimemente, os trabalhadores reportaram exaustão constante e fadiga crónica e medidas insuficientes contra a disseminação de Covid-19.

A Clean Clothes Campaign está a apelar a marcas como a Esprit, a Gerry Weber e a Hugo Boss a envolverem-se com os fornecedores. «Isso significa concretamente que as encomendas acabadas ou em produção não podem ser canceladas e têm de ser pagas por completo e no prazo», esclarece Musiolek. «As marcas têm de tomar uma posição e apoiar os fornecedores para terem a certeza que os trabalhadores têm locais de trabalho e transportes seguros, incluindo distâncias de segurança entre funcionários e a atribuição de equipamento de proteção que os trabalhadores indicam não ser o caso. É uma questão urgente», assume.

Esprit está a investigar

Em resposta ao just-style.com, um porta-voz da Esprit afiança que a marca está «muito preocupada» com as condições de trabalho descritas no relatório.

Esprit

«Na Esprit, sustentabilidade e responsabilidade social fazem parte do nosso ADN e estão no centro da nossa estratégia. A discriminação de género, tratamento repressivo dos trabalhadores, trabalho forçado e violação das leis laborais são expressamente proibidos sob o Código de Conduta dos Fornecedores da Esprit. Ao termos conhecimento do relatório, contactámos imediatamente o nosso fornecedor na Ucrânia e partilhamos com ele as alegações. Eles refutam completamente as acusações. Além disso, as nossas equipas externas de auditores conduziram recentemente várias auditorias e todas as fábricas tiveram resultados muito positivos. Estamos a continuar a investigar essas graves acusações, embora as viagens estejam atualmente impossibilitadas devido ao Covid-19. Estamos a reforçar a todos os nossos fornecedores na região a sua obrigação, sob o Código de Conduta dos Fornecedores da Esprit, de proteger os direitos dos seus trabalhadores», salienta.

Quanto às alegações referentes aos baixos salários, «acreditamos fortemente que os trabalhadores que fazem os nossos produtos devem ser capazes de viver com o dinheiro que ganham. Os salários baixos são há muitos anos um problema na indústria de vestuário. A única forma de responder a este problema é os Governos, marcas e sociedade civil trabalharem juntos. É por isso que a Esprit se juntou com outras marcas na subscrição de um memorando de entendimento com a IndustriAll Global Union na iniciativa conhecida como ACT – Action, Collaboration and Transformation», reconhece. «Pagar aos trabalhadores abaixo do salário mínimo legal é uma violação do Código de Conduta dos Fornecedores da Esprit. Em muitos casos, os nossos fornecedores pagam acima do salário mínimo legal. Nós apoiaríamos ações legais para aumentar o salário mínimo nestes países», conclui o porta-voz da Esprit.

A Hugo Boss e a Gerry Weber ainda não comentaram as alegações.