Mão de obra domina discussão sobre a ITV

A UGT reuniu patrões e entidades públicas em Barcelos para debater os constrangimentos e as potencialidades da indústria têxtil e vestuário. O emprego e a formação foram os principais temas abordados, numa altura em que o sector enfrenta, ao mesmo tempo, a escassez de mão de obra e os desafios da digitalização.

Apesar dos preparativos para a mostra Barcelos Cidade Medieval – que decorre até domingo – estarem a ser ultimados no Largo do Município, o passado ficou mesmo cá fora e dentro dos Paços do Concelho foi sobretudo de futuro que se falou na conferência “Sector Têxtil – Constrangimentos vs. Potencialidades”, promovida ontem, 14 de junho, pelo núcleo de Braga da UGT- União Geral de Trabalhadores.

César Campos

César Campos, presidente da UGT Braga, deu, na abertura, o mote que acabou por dar o tom a toda a conferência. «Entendemos que não pode haver bons trabalhadores se não houver boas empresas. E da mesma forma, não há boas empresas sem bons trabalhadores», assegurou.

O tema da escassez de mão de obra no sector permeou, por isso, todas as intervenções. «A falta de mão de obra que se faz sentir em alguns sectores – metalomecânica, têxtil, etc. – tem várias razões. O problema é multifatorial e não pode ser resolvido com uma única medida», garantiu António Leite, delegado regional do Norte do IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional, destacando, como principais fatores, o recuo demográfico mas também fatores psicossociológicos, com a imagem do sector a não ser favorável à atração de jovens, apesar de, em comparação com outras indústrias, o têxtil ter boas condições de trabalho e ser menos propenso a acidentes. «Não é um sector com elevada sinistralidade», afirmou Emanuel Gomes, diretor da unidade local de Braga da ACT-Autoridade para as Condições de Trabalho, que acrescentou que o sector representa apenas «cerca de 3%» dos acidentes de trabalho na indústria a nível nacional.

Atrair e formar

Ana Teresa Lehmann

A falta de atratividade é uma questão reconhecida pelo poder político, com Ana Teresa Lehmann, Secretária de Estado da Indústria, a dar conta do lançamento, ainda este ano, de uma campanha de aproximação dos jovens à indústria, uma medida que tinha já avançado em entrevista ao Portugal Têxtil (ver «O futuro do trabalho será criativo, digital e colaborativo»). «Muitas vezes os jovens não conhecem muito bem o que é hoje em dia a indústria moderna que existe no nosso país. Temos de desenvolver esforços para dar a conhecer aos jovens, às suas famílias e à população em geral a indústria», defendeu na sua intervenção, deixando o desafio a que os diferentes atores desenvolvam as suas campanhas individuais. «Há constrangimentos, mas está ao nosso alcance ultrapassá-los, porque as potencialidades são enormes», admitiu.

Uma das medidas para ultrapassar o constrangimento da mão de obra, e que foi referida por praticamente todos os intervenientes, passa pela formação profissional e pela requalificação, até porque, como explicou José Manuel Ferreira, administrador da Valerius, «o sector não pode ser rígido» e «isso obriga a muita formação».

João Costa e José Manuel Ferreira

Dando conta dos números recorde do ano passado nas exportações, João Costa, vice-presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal reconheceu que «nunca a formação das pessoas se colocou com tanta evidência», afiançando que «os trabalhadores com qualificações têm hoje mais possibilidade de escolher a sua remuneração e a empresa onde querem trabalhar», o que considera «positivo, apesar de colocar problemas às empresas». No entanto, a realidade atual é que «há insuficiência, não só no têxtil mas noutros sectores, de pessoas para trabalhar com qualificações adequadas. Quer dizer que a batalha das qualificações é uma batalha importante a que o país tem que responder», afirmou.

Nesta área, o Modatex tem tido um papel importante, salientou António Leite, referindo que o centro de formação, de 2017 até à data, «deu formação a quase 18.500 pessoas».

O trabalhador têxtil do futuro

Carlos Silva

Com a digitalização a fazer parte da realidade das empresas – uma área em que o governo está empenhado, tendo sido alocados mais de 720 milhões de euros para promover o investimento na Indústria 4.0, como mencionou Ana Teresa Lehmann –, a requalificação dos trabalhadores é uma prioridade e há novos requisitos para o trabalhador da indústria têxtil e vestuário do futuro. «Temos a necessidade de ter pessoas híbridas, as pessoas têm de ter capacidade para variar três ou quatro vezes o que fazem durante o dia», revelou José Manuel Ferreira. «Hoje uma costureira não é uma máquina, é parte do processo. Tem de entender o cliente. A costureira do futuro não é maquinista», destacou o administrador da Valerius, que focou igualmente a necessidade dos próprios empresários terem uma atitude diferente da do passado. «Os empresários também têm de ter muita formação. Ou te mudas ou te mudam, mas nunca ficas no mesmo lugar. Os empresários muitas vezes tornam-se esqueletos no armário das empresas. Mas acho que hoje os empresários já perceberam que os principais ativos são os trabalhadores», acredita.

Quanto à atração de mão de obra, o empresário não tem dúvidas. «O salário [mais alto] é o primeiro passo. O segundo é ter um projeto, não apenas um trabalho», o que justifica que a Valerius esteja a criar uma academia para formar pessoas e captar talentos na empresa.

Miguel Costa Gomes

Uma outra proposta, vinda da plateia mas também do Presidente da Câmara Municipal de Barcelos, Miguel Costa Gomes, e do secretário-geral da UGT, Carlos Silva, passa pela coordenação da oferta de ensino com as reais necessidades das empresas. «A grande desadequação do nosso país é entre aquilo que o Ministério da Educação apresenta como cursos para o futuro aos nossos filhos e o mercado de trabalho. Porque é que não se pergunta às empresas, como aqui foi referido e muito bem, o que é que precisamos em termos de profissionais para trabalhar nas nossas empresas?», questionou Carlos Silva. «E fazer do ensino profissional uma grande janela de oportunidades e não um anátema. Isso é uma questão social: é uma questão do IEFP, mas também é uma questão dos patrões, dos trabalhadores – da UGT, dos outros não sei – e também da política», concluiu.