Madagáscar volta ao mapa do sourcing

Madagáscar é um exemplo perfeito do impacto devastador que a instabilidade política e comercial pode ter num país produtor de vestuário, depois de ter saído do radar do sourcing quando ficou sem os privilégios de exportação para os EUA. Mas o país está de novo no mapa, com planos para criar uma zona económica especial para a ITV.

Poucos países experienciaram o ciclo de ascensão-queda-ascensão das exportações que Madagáscar viveu na última década. No virar do novo milénio, o país parecia estar na rota certa para liderar as exportações de vestuário na África Subsaariana. Com a entrada em vigor do African Growth and Opportunity Act (Agoa), em 2000, as exportações de vestuário de Madagáscar para os EUA subiram de 109,5 milhões de dólares (103,3 milhões de euros) nesse ano para 323,3 milhões de dólares em 2004. Um crescimento impressionante se for tida em conta a agitação política que reinou durante seis meses, em 2002, que levou à saída de compradores como a Li & Fung, Eddie Bauer, Gap, Dockers e Levi’s do país.

O golpe de estado de 2009, contudo, afetou fortemente a indústria, com os EUA a retirarem o estatuto de beneficiário do Agoa no ano seguinte. As exportações de vestuário de Madagáscar para os EUA tombaram de 280 milhões de dólares em 2010 para apenas 40 milhões de dólares em 2011 – tendo caído para 17 milhões de dólares em 2014.

O regresso do país às “boas graças” dos EUA e, consequentemente, ao Agoa teve um efeito imediato nas exportações de vestuário de Madagáscar. O valor das exportações de vestuário para os EUA aumentou 162%, em termos anuais, para 48,98 milhões de dólares em 2015 e até agora nos primeiros nove meses de 2016 atingiu quase o dobro desse valor, com 90,16 milhões de dólares – colocando o país em curso para duplicar os números do ano passado.

Os EUA não são, contudo, o único mercado onde Madagáscar desfruta de acesso privilegiado ao mercado. Em 2015, graças ao acordo Everything But Arms (tudo menos armas) do Sistema Generalizado de Preferências, a UE foi o principal destino do vestuário produzido em Madagáscar, no valor de 350 milhões de dólares. O país conta ainda com diversos acordos bilaterais com países africanos, graças, nomeadamente, à Southern African Development Community. No total, as exportações de vestuário de Madagáscar atingiram 500 milhões de dólares em 2015.

A indústria de vestuário é a maior empregadora industrial de Madagáscar, contando atualmente com 90 fábricas de exportação, com mais de 100 mil trabalhadores, que fornecem retalhistas como a M&S, Zara, American Eagle, Woolworths e marcas como a Adidas, Levi’s, Wrangler e, no segmento do luxo, Hermès, Kenzo e Baby Dior.

Apesar das muitas vantagens do país, incluindo custos laborais muito competitivos – os salários em Madagáscar são de 65 dólares por mês, em comparação com os do Quénia (100 dólares), Etiópia (50 dólares) e Maurícias (165 dólares) –, trabalhadores mais qualificados do que a média, acesso privilegiado aos mercados e transferência significativa de capital, tecnologia e know-how das Maurícias, Madagáscar não é uma opção fácil para os confecionadores. A maior parte dos tecidos têm de ser importados, o fornecimento de eletricidade é problemático e as infraestruturas viárias são fracas. Os exportadores queixam-se ainda de atrasos no porto de Toamasina, de demasiados procedimentos administrativos, corrupção e um sistema judicial debilitado.

Mas os líderes do sector estão convencidos do potencial do país. «Acredito em Madagáscar», afirmou Eugene Havemann, CEO da Madagascar Clothing Manufacturers, ao just-style.com. A empresa está a instalar uma unidade de confeção de vestuário em malha na capital de Madagáscar, Antananarivo, e o CEO sublinha que para alguns artigos sintéticos, o Agoa permite-lhe uma vantagem de 32% nas exportações para os EUA e os resultantes da Southern African Development Community garantem um benefício de 45% nos envios para a África do Sul.

O presidente de Madagáscar, Hery Rajaonarimampianina, quer impulsionar o sector e, como tal, anunciou no evento Origin Africa 2016 – que teve lugar no início do mês e juntou 180 expositores de 25 países em Antananarivo – a criação de uma Cidade Têxtil que deverá contribuir para a criação de 200 mil novos postos de trabalho na indústria nos próximos cinco anos. «Madagáscar está empenhado em promover investimentos no sector têxtil, provendo assim a criação de riqueza e emprego», indicou o presidente.

Segundo Eric Robson, CEO do Conselho de Desenvolvimento Económico de Madagáscar, a ideia de uma Cidade Têxtil de Madagáscar surge do sector privado, com o governo a ceder um milhão de metros quadrados de terrenos onde o parque poderá ser desenvolvido. O objetivo é criar uma área especializada na produção de elevados volumes de produtos têxteis com valor acrescentado, incluindo tecelagem, tinturaria e confeção. O projeto deverá demorar de 18 meses a dois anos a desenvolver-se e irá exigir um investimento de certa de 250 a 300 milhões de dólares.