Liberalizar com Regras – Parte I

As quotas de importação fizeram parte da história do têxtil e do vestuário nos últimos 40 anos, a sua abolição é o assunto mais premente da actualidade, e muito se tem debatido sobre os efeitos da liberalização que vai ocorrer no inicio de 2005. Depois do Jornal Têxtil ter apresentado uma resenha histórica do ATV e das intenções de liberalização desde os anos 60 (A grande Marcha-JT 69), importa agora divulgar as mais importantes consequências da liberalização que se avizinha e realizar um resumo do enquadramento das trocas comerciais da UE com os seus parceiros mundiais, e dos passos que tem dado no sentido da liberação. A maioria dos estudos de impacto da liberalização apregoam como principais conclusões que a China e a Índia dominarão grande parte do comércio mundial de têxtil e de vestuário, prevendo que só a China conquiste 50 por cento destes mercados. O estudo da OMC confirma estes dados, mas alerta para importantes dados a acrescentar ao debate. Assim, em primeiro lugar, dada a crescente verticalização do negócio de vestuário, os vários materiais constituintes de uma só peça atravessam inúmeras vezes as fronteiras e, em certos casos, com sucessivos pagamentos de tarifas, o que torna a proximidade do mercado de destino um factor primordial, agravado pela rapidez de resposta que a componente moda dos produtos implica actualmente. Assim, países próximos de grandes mercados como o dos EUA e da UE, serão menos afectados pela força produtiva da Índia e da China do que se apresenta nos estudos anteriores. É até bem possível que o México, as Caraíbas, a Europa de Leste e o Norte de África quase que mantenham as suas quotas destes mercados, sobretudo se ainda considerarmos o acesso privilegiado dos acordos bilaterais que têm conseguido. Os países que perderão mais quota de mercado serão efectivamente os que se localizam longe dos grandes mercados, e que não tiveram quotas de importação até agora, assim como perderão produtores locais nestes grandes mercados, pois gozaram da protecção das quotas durante estes últimos 40 anos. A liberalização tem ainda outras consequências a considerar: em primeiro lugar, os ganhos políticos da credibilidade do sistema de trocas comerciais mundial, sobretudo quando comparado com a complexidade que hoje o caracteriza. Em segundo lugar, há ganhos de eficiência quando se eliminam quotas que distorcem a locação da produção de têxtil e vestuário. Acrescentemos então o desaparecimento das receitas oriundas da venda de quotas, que posteriormente se repercutiriam nos preços dos produtos, por parte dos exportadores, e o desaparecimento dos custos de controlo e monitorização deste sistema. Finalmente, temos os evidentes ganhos para os consumidores pela redução dos preços. Concluindo, é certo que a Índia e a China conquistarão quotas de mercado à UE, aos EUA e ao Canada, mas com um impacto menor do que o divulgado até aqui. O estudo acrescenta ainda o facto da China já não ser assim tão competitiva relativamente a custos de produção, quando comparado com alguns dos seus vizinhos asiáticos, e do muito que lhe falta conquistar em termos de competitividade no design e na componente moda dos seus produtos.

 

Entretanto, enquanto que alguns membros da OMC reivindicam um maior controlo do não-cumprimento das regras comerciais, sobretudo por parte da China, a UE tem cumprido desde 1995 de forma efectiva todas as suas obrigações ao abrigo do ATC, no âmbito do qual é requerida a abertura gradual do comércio de têxteis e de vestuário até 2005. Em cumprimento deste objectivo, entre 1995 e 1997 a UE eliminou as suas quotas para diversas categorias de produtos têxteis, abrangendo 16,2% do total das importações realizadas em 1990. Numa segunda fase, entre 1998 e 2002, foram eliminadas quotas em mais 17,1% das importações. Na terceira fase, desde 2002, a UE adoptou uma lista de quotas a liberalizar que cobria 18% das importações europeias de têxteis e de vestuário.

De acordo com as actuais regulamentações estabelecidas pela OMC, as quotas de importação vão ser eliminadas em 2005, mas este facto não implica qualquer obrigatoriedade na eliminação de outras barreiras comerciais, nomeadamente o caso da redução nas tarifas alfandegárias.

 

No caso dos têxteis e vestuário, a tarifa média aplicada pela UE é de 9%, sendo este valor consideravelmente abaixo do praticado pelos nossos parceiros comerciais. Existem diversos países, em particular os países em vias de desenvolvimento, onde se incluem alguns dos principais exportadores ao nível mundial, que protegem os seus sectores têxtil e do vestuário recorrendo à aplicação de tarifas que ultrapassam os 30%, para além da aplicação eventual de taxas adicionais e de barreiras não tarifárias. As taxas médias aplicadas sobre os artigos têxteis e vestuário estão em geral acima das verificadas na UE. Actualmente, a UE, os EUA e o Japão são responsáveis por cerca de 80% das importações mundiais de vestuário, o que evidencia a reduzida importância das exportações do Hemisfério Norte para o Hemisfério Sul, mas também reflecte o reduzido comércio entre os mercados do Hemisfério Sul. Com base nesta perspectiva, existe espaço para a expansão da indústria da UE para outros mercados, alguns dos quais se encontram numa fase de rápido crescimento. Enquanto diversos países em vias de desenvolvimento possuem vantagens competitivas na produção em massa de artigos baratos, a indústria da UE possui a sua força competitiva na produção de artigos de qualidade média a alta, artigos de moda e têxteis técnicos, vantagem esta que a ITV da UE deverá conseguir aproveitar de forma vantajosa.