João Neves ouve preocupações da ITV

Os elevados custos da energia, as dificuldades de financiamento, a política fiscal sobre as horas extraordinárias e os apoios no âmbito do Portugal 2030 foram alguns dos temas com que os empresários nacionais presentes na Première Vision confrontaram João Neves, Secretário de Estado da Economia, na sua visita à feira parisiense.

Susana Serrano, César Araújo, Mário Jorge Machado e João Neves

Na ronda pelas mais de 60 empresas portugueses que expuseram na feira de tecidos, acessórios e confeção entre 5 e 7 de julho, o Secretário de Estado da Economia, João Neves, ouviu algumas boas notícias, como a cada vez maior valorização do “made in Portugal” por parte dos clientes internacionais, mas sobretudo muitas preocupações sobre o futuro da indústria face à atual conjuntura e, na perspetiva dos empresários, falta de apoio por parte do Estado para enfrentar estes desafios.

«Toda a ajuda é bem-vinda. Olhem para a indústria, porque se não derem ao gato, vão dar ao rato depois. Não há outra saída», sublinhou João Anjos, administrador da especialista em confeção de vestuário Anjos & Lourenço, que lembrou o aumento dos custos com a energia, a instabilidade do mercado e, consequentemente, a perda de competitividade face a outros países. «Estamos mais caros do que a Turquia, que desvalorizou a moeda e tem ajudas do governo», apontou João Anjos.

João Anjos

«Os apoios à indústria, no Portugal 2020, representaram cerca de 25% do total. E são os que têm melhor taxa de execução. Nós olhamos para a indústria», garantiu João Neves, que foi ainda interpelado por João Anjos em relação aos apoios no âmbito do Portugal 2030.

O Portugal 2030 é, de resto, e a crer pelas interações durante a Première Vision, uma grande preocupação para as empresas, e para as associações, do sector, nomeadamente no que diz respeito no apoio à internacionalização. «O apoio à participação nas feiras é muito importante», lembrou Susana Serrano, CEO da Acatel, a João Neves.

Em entrevista ao Portugal Têxtil, confrontado com a falta de avisos para este novo quadro comunitário, o governante recusou a ideia de atrasos, porque, afirmou, «não podemos falar de atraso quando o Portugal 2030 não está ainda aprovado pela União Europeia». Já em relação aos apoios para a presença nos certames do segundo semestre, incluindo na própria Première Vision, «depende dos projetos que as estruturas associativas tinham apresentado. Alguns, de facto, acabaram no final do primeiro semestre, outros ainda se vão prolongar. É uma preocupação. Do meu lado, vamos muito em breve tomar as iniciativas que permitam antecipar as candidaturas do Portugal 2030 para que as empresas possam ter os apoios que merecem no esforço de internacionalização que têm feito».

João Neves adiantou ainda que «estamos na fase final de negociação com a Comissão Europeia. Assim que estabilizarmos, do ponto de vista técnico, aquilo que são os programas que condicionam o lançamento das novas iniciativas, mesmo antes de serem formalmente aprovadas, vamos lançar novos avisos».

Gonçalo Santos, César Araújo, João Neves e Mário Jorge Machado

O Secretário de Estado da Economia acrescentou, nas declarações ao Portugal Têxtil, que «compreendemos o sentimento das empresas, mas temos que estabilizar o processo de negociação para não termos surpresas, ou seja, para lançarmos avisos que correspondam exatamente às condições que negociamos. Pior seria se lançássemos avisos que depois não teríamos capacidade de cumprir».

Para as associações, a situação traz dificuldades acrescidas a todos. Do lado da ANIVEC, César Araújo referiu ao Portugal Têxtil que «o CENIT – Centro de Inteligência Têxtil tem atualmente um projeto conjunto a decorrer, com disponibilidades orçamentais para apoiar a presença das PME nacionais do sector do vestuário e da confeção em feiras internacionais, bem como para investimentos nas áreas digitais que pretendam realizar na abordagem aos desafiantes mercados internacionais». Contudo, o presidente da ANIVEC manifesta preocupação pela situação atual e exprime «a sua completa solidariedade para com as empresas e para com as outras associações, que se veem, assim, a enfrentar dificuldades ao nível dos apoios financeiros à internacionalização».

Da energia aos impostos

A questão dos custos energéticos esteve igualmente em destaque frequentemente. «Sei que não tem gás, mas tem que arranjar uma maneira de nos ajudar, porque isto está incomportável», frisou Susana Serrano, que exemplificou, com base na experiência da Acatel, que a fatura energética mensal passou de 90.000 a 100.000 euros para mais de 500 mil euros. «No nosso produto, [a energia] passou de representar 2% para passar a representar 48%», referiu. O programa “Apoiar Indústrias Intensivas em Gás” «é pouco», segundo a CEO da Acatel, que acrescentou que «há empresas que estão a fechar dois ou três dias por semana e estão a perder clientes, muitos. Não é o nosso caso, mas assumimos perder dinheiro durante um ano, até tomar novas medidas, conforme estamos a fazer, porque somos financeiramente estáveis. Porque uma empresa que não seja financeira estável, fecha portas».

César Araújo, João Neves e Albano José Morgado

Também na Albano Morgado a energia é uma preocupação, com o administrador a revelar que no final do contrato de eletricidade que estava em vigor, a fornecedora apresentou uma proposta de renovação «em que o aumento era de 450%». Mas Albano José Morgado mostrou-se preocupado sobretudo com as dificuldades de financiamento junto da banca depois do fim das garantias bancárias por parte do Estado. «Ainda não houve nenhum sinal do Governo para dar confiança e acalmar um pouco o mercado», indicou ao Secretário de Estado da Economia, que anunciou que «vamos voltar a ter instrumentos voltados para que quem quer fazer investimentos poder aceder a financiamento em condições que permitam investir de forma segura».

Segundo Mário Jorge Machado, presidente da ATP, «a banca, ao perceber que as empresas estão a alocar parte do seu fluxo de tesouraria para pagar as contas de eletricidade e de gás, a primeira coisa que faz é começar a descolar, em vez de perceber que é uma fase conjuntural, daí a importância de haver programas de apoio ao custo da energia».

Já junto da Paulo de Oliveira, João Neves voltou a ouvir uma queixa recorrente dos empresários da indústria têxtil e vestuário: os impostos sobre as horas extraordinárias. «Temos problemas em conseguir motivar as pessoas a fazer um pouco mais de horas. Por exemplo, queremos trabalhar um bocado ao sábado e ao domingo e não conseguimos – e isso tem a ver com a taxação das horas extraordinárias», focou o CEO da empresa, Paulo Augusto Oliveira.

Paulo Augusto Oliveira

Uma questão que o Secretário de Estado acredita poder ter solução neste momento. «Quando estávamos com taxas de desemprego altas, [o imposto sobre as horas extraordinárias] era um incentivo à contratação. Agora estamos numa situação bastante diferente, convinha fazer propostas [de alteração]. É agora o momento», afirmou João Neves.