Atualmente, a JF Almeida tem em curso um investimento de 6 milhões de euros para conseguir reutilizar a água usada na tinturaria. «Neste momento já conseguimos reutilizar 15% a 20% da nossa água no processo produtivo», revelou o administrador João Almeida, durante o webinar “Empresas + Circulares: O exemplo dos têxteis e vestuário”, promovido pela CIP e pela ATP no passado dia 27 de maio.
A empresa, que, segundo o administrador, tem a maior tinturaria entre as empresas de têxteis-lar europeias, recolhe e envia «as melhores águas» para um «tanque especializado», onde através de um tratamento químico consegue reaproveitar parte da água para voltar a integrá-la na fábrica. «Este investimento de seis milhões de euros é um investimento em maquinaria MBR – são membranas com ozono que fazem a separação de todas as águas residuais para conseguir reaproveitar essas águas. Estamos a falar de 50% a 60% das águas que conseguimos utilizar», apontou João Almeida, acrescentando que «numa empresa como a nossa, que consome 200 metros cúbicos de água por hora, vamos conseguir reaproveitar 100 a 110 metros cúbicos de água», o que permitirá poupar, anualmente, 25 a 30 milhões de litros de água.
A preocupação com o ambiente começa, contudo, muito antes, logo na seleção das matérias-primas. «Cada vez mais estamos a fugir ao algodão básico e a tentar introduzir fibras que não eram muito utilizadas na parte do têxtil-lar, como o cânhamo, o algodão orgânico e o liocel», exemplificou o administrador.
Os reciclados são igualmente uma aposta, com a JF Almeida a ter a certificação GRS e uma parceria com a Sasia. «10% do nosso volume de faturação já é artigo reciclado», salientou João Almeida. Um processo que não foi simples, reconheceu o administrador, mas que permitiu à empresa trabalhar num fio reciclado dentro de portas – o 360 JFA. «Há cerca de seis anos, numa feira de fios em Paris, vi muitos clientes preocupados com os plásticos reciclados, o plástico que estava no mar – era muito importante usar o plástico para tentar tirá-lo do mar. Pensei: porquê só o plástico e porque não conseguirmos aproveitar os nossos desperdícios?», contou. Depois de analisar os desperdícios resultantes das diferentes áreas, da fiação a acabamentos, passando pela tecelagem e confeção, a JF Almeida procurou soluções em Espanha. «Fomos perceber como é que aquilo se fazia e envolvemo-nos com eles num primeiro ano e conseguimos fiar o nosso primeiro fio [reciclado]», explicou. Entretanto, «conhecemos a Sasia e há cerca de cinco anos todo o material têxtil pós-consumo e desperdício é triturado e fiado na empresa», acrescentou João Almeida.
Inicialmente, este fio era fabricado com algodão reciclado e poliéster, mas, a pedido dos clientes, já evoluiu para outras misturas, nomeadamente 50% algodão reciclado/50% algodão orgânico, assim como com a utilização de acrílico reciclado. «No Euro 2020 vai haver já alguns cachecóis feitos com fio reciclado da JFA», anunciou o administrador.
Com estas iniciativas, a empresa, que reduziu o desperdício para 3%, já evitou a utilização de 388 toneladas de algodão virgem, equivalente a 3,88 biliões de litros de água e a 388 toneladas de pesticidas.
Um caminho para ser “mais verde” que a JF Almeida está a percorrer juntamente com os seus trabalhadores. «Para sermos circulares também temos que ser sustentáveis e nas empresas temos que formar, além da gestão de topo, o nosso pessoal do chão de fábrica, que tem que estar bem formado para ter métodos sustentáveis porque sozinhos não conseguimos chegar lá», considera João Almeida. Por isso mesmo, «os 650 funcionários estão neste momento a ser formados com um curso de gestão de resíduos e a seguir vão ter um curso de economia circular, para perceberem a importância disto não só para a JFA mas para o mundo», resumiu o administrador.
Valérius e Sasia na mesma rota
Também a Valérius e a Sasia foram destacadas neste webinar pelas suas boas práticas. A primeira tem vindo, desde 2016, a procurar soluções, além dos aterros, para os stocks não usados dos clientes. «Fomos perceber o que é que existia, fomos a Espanha, fomos a Itália, porque existem lá algumas unidades de reciclagem, e fomos perceber exatamente aquilo que eles faziam», elucidou Patrícia Ferreira, CEO da Valérius Hub. Para além da reciclagem, a empresa procurou fazer misturas dos reciclados com matérias-primas mais sustentáveis, como algodão orgânico e Tencel. «Se queremos trazer uma coisa que efetivamente seja um add value, que não seja mais do mesmo, podemos criar uma unidade de reciclagem que contemple todos os processos de reciclagem e que a fibra de ligação seja o algodão orgânico ou o Tencel – e foi isso que fizemos», adiantou Patrícia Ferreira.
O projeto ficou concluído em 2020, com equipamentos adaptados e desenvolvidos em parceria com os construtores, e atualmente é capaz de fazer a reciclagem de desperdícios de corte, stocks de clientes não vendidos e vestuário pós-consumo. «À medida que vamos avançando, maior será a complexidade deste sistema», assumiu a CEO da Valérius Hub, já que no pós-consumo, por exemplo, não existe muitas vezes etiquetas com a composição das peças, além dos acessórios que têm de ser retirados das mesmas. «Temos trabalhado com uma empresa holandesa para construir uma máquina que, através de um raio infravermelho, nos permita saber qual é a composição da peça que temos. Quando começamos este processo tínhamos em média 30% de erro, neste momento, estamos com 10% de erro», indicou Patrícia Ferreira.
Outra iniciativa da empresa passa pela utilização de uma linha de costura que se degrada a 200 ºC. «Conseguimos passar o secador, a linha desfaz-se e os componentes das peças desfazem-se, saem todos os acessórios sem que tenhamos que estar a arrancá-los», esclareceu. «Há ainda todo um processo de aprendizagem em relação ao processo de reciclagem. É um desafio diário e temos equipas só a trabalhar em como vamos facilitar o processo no futuro», garantiu.
Além disso, «a Valérius pretende ser carbono zero em 2030, por isso, neste momento, em termos gerais estamos a fazer as medições de tudo o que temos dentro de todas as nossas fábricas. Já temos a utilização de painéis solares e tudo o resto, mas a nossa ideia é ter as medições de todos os processos para que depois possamos fazer alguns projetos que nos permitam efetivamente fazer compensações em termos de carbono», anunciou Patrícia Ferreira.
Já a Sasia é perita em reciclagem desde 1952, transformando os resíduos da indústria têxtil em soluções para diversas indústrias. «A Sasia, sendo pioneira na reciclagem têxtil em Portugal, assegura uma produção sustentável a todos os produtos há mais de 70 anos», sublinhou Miguel Silva, CEO da empresa, acrescentando que «já vendemos para clientes na terceira geração».
A Sasia utliza um processo mecânico que, por isso, não usa água nem químicos, que possibilita que os resíduos têxteis «ganhem uma nova vida, não só no sector que os gerou, mas transforma-os em matéria-prima sustentável com valor acrescentado para as mais diversas indústrias», afirmou.
Para responder às necessidades e à evolução do mercado, a Sasia tem em curso um investimento no valor de 10 milhões de euros, iniciado no ano passado «com uma máquina de reciclagem da última geração, que não há nenhuma na Europa, e está prevista a conclusão deste investimento num prazo de cinco a seis anos», concluiu.