ITV tece o futuro pós-Covid

A capacidade de adaptação da ITV portuguesa ficou evidente durante estes primeiros meses de crise de Covid-19. Sustentabilidade, incorporação de inovação e de valor acrescentado são agora os vetores de diferenciação em que empresas, como a Tintex, a Clothe Up e a Endutex, deverão apostar, em colaboração com o CITEVE e o CeNTI.

O webinar Tecer o Futuro, promovido hoje pelo Cluster Têxtil – Tecnologia e Moda, revelou parte dos bastidores da adaptação destas empresas e centros tecnológicos à pandemia, usando recursos já existentes e preparando-se gradualmente para a procura no mercado.

«Ninguém estava preparado», reconheceu António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, que contou, contudo, que desde janeiro que o centro tecnológico previu a necessidade de produzir em Portugal equipamentos de proteção individual, incluindo máscaras, e começou a trabalhar com diferentes empresas para tentar responder a essa necessidade. «Desenvolvemos métodos, adaptámos equipamentos, construímos equipamentos e, em fevereiro e março, trabalhámos com as empresas nisso», revelou. O passo seguinte foi a criação de dossiers técnicos para transferir conhecimento para as empresas, até porque «qualquer confeção competente percebe como se faz uma bata cirúrgica», exemplificou.

A procura dos serviços do centro tecnológico começou por ser de empresas que pretendiam ajudar na luta contra o Covid-19, com a oferta de equipamentos, mas com a paragem das encomendas de moda no final de março, a maior parte dos contactos pretendia já avançar com o negócio nesta área, incluindo com a exportação para mercados como Espanha e França. «As máscaras foram o maior boom dentro do sector de confeção em Portugal nos últimos dois meses», afirmou António Braz Costa.

Tintex mais próxima do consumidor

Esta oportunidade nas máscaras foi também detetada pela Tintex. A especialista em tingimento e acabamentos de malhas circulares analisou os materiais que possuía dentro de portas e, depois de testes no CITEVE, percebeu que «tínhamos pernas para andar», com dois dos artigos a cumprirem os requisitos para serem usados na produção de máscaras. «Tivemos que mudar a flexibilidade e a rapidez», reconheceu o administrador Ricardo Silva. A abertura da empresa, com o fornecimento de amostras a todos os quantos pediam, levou a que diversos potenciais clientes, «incluindo 300 empresas com as quais nunca tínhamos trabalhado» batessem à porta da Tintex.

O passo seguinte acabou por ser a produção de máscaras, em parceria com outras empresas, que numa segunda fase passará pela diferenciação pelo design. A Tintex está mesmo a comercializar diretamente estes produtos, numa loja física própria «que está a correr muito bem», adiantou Ricardo Silva. «Penso que a indústria portuguesa tem que se ligar muito mais ao consumidor, no geral, com mecanismos online ou lojas de retalho mais físicas, pontuais, que é algo que se tem visto muito lá fora. Isto foi uma brincadeira, mas vamos explorar algo deste género», garantiu. Ao mesmo tempo, a empresa pretende avançar no segmento de saúde, com «tecnologias diferenciadoras», algumas já existentes na Europa. «Vamos avançar com algo bem ambicioso», anunciou o administrador.

Clothe-Up prepara investimentos

Também a Clothe-Up pretende manter esta área, focada no vestuário hospitalar, que era já alvo de interesse mas sem ter sido antes concretizado. Nos últimos meses, a empresa, que envolve cerca de 2.500 costureiras, «que trabalham connosco no dia a dia», prestou mesmo um serviço de customização para alguns hospitais, tal como faz com os clientes com quem trabalha habitualmente.

A queda do mercado da moda, num ano para o qual previa resultados excelentes, fez com que a primeira preocupação fosse «assegurar a cadeia de aprovisionamento», confessou Pedro Fernandes, business developer da empresa de Guimarães, que neste período passou a focar-se unicamente no mercado português.

Agora, «temos um plano de investimento fortíssimo em curso», desvendou Pedro Fernandes, que antevê, no entanto, alguns desafios para manter esta área. Além de ser expectável uma redução da procura, a concorrência deverá também ser acérrima, numa luta onde o preço será um fator importante. «Temos de ser resilientes, desenvolver novos produtos e processos produtivos e procurar também novos clientes», apontou, salientando que no pós-crise «será começar do zero nesta área de negócio».

Diversificação foi o trunfo da Endutex

Já a Endutex manteve-se a trabalhar com a adaptação de produtos que já fazia, como protetores de colchão, para criar uma linha dedicada a vestuário de proteção, inicialmente descartável e, mais tarde, reutilizável, como de resto tinha já explicado na entrevista publicada na edição de abril do Jornal Têxtil.

«Não me surpreende a dinâmica e a criatividade da indústria têxtil portuguesa. A grande novidade foi da parte do mercado», sublinhou o CEO Vítor Abreu, destacando, por exemplo, a abertura à reutilização. «A linha de produtos que desenvolvemos penso que se vai manter, logicamente não com a dimensão atual», indicou, «mas esta abertura de mentalidades para aceitar o reutilizável como uma das possíveis utilizações dentro do ambiente hospitalar, será para manter e também para manter a cadeia de relacionamento com os clientes – diria que 90% dos clientes Covid da Endutex eram clientes novos».

Por isso, «queremos capitalizar esta experiência, continuar com a linha de produtos e também manter o relacionamento com uma grande fatia dos clientes que conhecemos e começámos a trabalhar neste período», resumiu.

Inovação e sustentabilidade

Para João Gomes, diretor de operações do CeNTI – que durante os últimos meses tem trabalhado com diferentes sectores no desenvolvimento de produtos para a proteção contra o Covid-19, como as viseiras em parceria com a Moldit ou, ainda em curso, com uma empresa de Famalicão para implementar soluções de monitorização nas máscaras –, «é verdade que as crises surgem como oportunidades mas esta surge também com uma chamada de atenção. O nosso país e o sector têm apenas um caminho, que é a inovação», admitiu, afiançando que a sustentabilidade deverá ser tida igualmente em conta nesta nova área de negócio. «Vamos ter de ser mais sustentáveis, mais atenciosos em relação à utilização dos recursos» para sermos capazes de nos «posicionarmos com maior valor acrescentado para exportarmos para outras regiões do planeta». O rumo, por isso, «é digitalizar, encontrar novos materiais, utilizar esses novos materiais e transformar aquilo que são as nossas fraquezas numa força», defendeu.

Uma ideia também veiculada por António Braz Costa, que asseverou que durante a pandemia o CITEVE foi contactado por 1.500 empresas, 800 das quais nunca tinham estado no centro tecnológico ou feito desenvolvimento de produtos ou testes. «Portugal tem esta base, tem muita cultura têxtil, mas isso não quer dizer que não temos um caminho imenso a percorrer», concluiu.

O próximo webinar do Cluster Têxtil, anunciou a moderadora Teresa Presas, colaboradora da Magellan, uma entidade especialista em assuntos europeus, será dedicado à digitalização e terá lugar dentro de algumas semanas.