De um certo modo, a escassez de mão de obra qualificada pode ser considerada uma problemática positiva, já que prova que o sector está a crescer. Desde 2012, o volume de negócios do sector têxtil e de vestuário dentro da União Europeia (UE) cresceu 10%, para 178 mil milhões de euros, as exportações extracomunitárias subiram 23%, atingindo, pela primeira vez, os 50 mil milhões de euros, e a produtividade subiu 22%, segundo o recém-eleito presidente da Euratex, Alberto Paccanelli, citado pelo just-style.com.
O incremento significa não apenas que o sector está a evoluir, mas também que, quando 36% dos 1,7 milhões de trabalhadores da indústria têm mais de 50 anos, há uma forte necessidade de substituição da mão de obra. «Por outras palavras, muitas das nossas empresas poderão colocar um grande aviso nas suas portas», prevê Alberto Paccanelli. A indústria «terá que contratar mais de 600 mil trabalhadores até 2030, de modo a proceder à substituição da mão de obra, bem como de forma a responder à falta de trabalhadores qualificados» e, provavelmente, serão necessários mais, avisa Alberto Paccanelli.
Os mais novos, influenciados pela história recente de encerramentos em massa na indústria desde 1970, não consideram a indústria têxtil atrativa. «Como é que podemos fazer desta indústria sexy outra vez?», questionou, no evento, Emma Giner, especialista em recursos humanos.
Emma Giner, que tem uma empresa própria com sede em Madrid, defende um novo modelo de negócio, a reversão dos programas de mentoria (nos quais os juniores ajudam os seniores), uma abordagem menos académica e uma «narrativa autêntica» que impulsione a imagem das marcas.

As competências digitais são essenciais para estes postos de trabalho de elevado valor acrescentado. «As empresas que estão a contratar atualmente não procuram apenas jovens com as capacidades que as pessoas que se estão a reformar têm, mas também novos talentos com grande criatividade e elevadas competências técnicas e digitais para postos de trabalho em áreas como design, desenvolvimento de produto, produção de têxteis técnicos e aptidões para a sustentabilidade e economia circular», frisa o presidente da Euratex.
Soluções específicas para o sector
Em 2018, a Euratex lançou, em consórcio, o projeto Blueprint de definição de competências para a indústria têxtil, vestuário, artigos em couro e calçado, para criar «soluções específicas para o sector». Manuela Geleng, diretora geral de competências na Direção-Geral da Comissão Europeia para o Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, concorda que o foco nas competências é essencial para atrair os mais novos. Enfatizando a necessidade de se estar a par das novas tecnologias e prevendo que «85% dos postos de trabalho que irão existir em 2030 ainda não foram inventados», Manuela Geleng revela que 54% da atual força laboral necessitará, até 2022, de obter novas competências – em todos os sectores, incluindo o têxtil. Para ajudar, o quadro orçamental da UE para os próximos sete anos irá focar-se nas competências. «O financiamento do Blueprint irá continuar, contudo, precisamos de pensar numa alteração do financiamento, que está focado na formação inicial, para passarmos a apostar na formação contínua», indica. Em média, os países da UE gastam 4,6% do PIB na formação inicial, mas apenas 0,1% em formação ao longo da vida, o que não se adequa às atuais necessidades das empresas e às contínuas mudanças no mercado laboral, aponta Manuela Geleng.
Lutz Walter, diretor de inovação e competências da Euratex, explicou ao just-style.com que a indústria têxtil europeia tem que estar preparada para que a próxima geração possa desenvolver empresas bem-sucedidas. Para Lutz Walter, a melhor forma de atrair novos talentos para o sector é através de «programas de ensino e escolas profissionais modernas e atrativas, que usam métodos de ensino e ferramentas orientados para a indústria; um recrutamento modernizado e práticas de desenvolvimento de carreira dentro das empresas, incluindo estágios; e, ainda, promoção de campanhas a nível regional e local, lideradas pela associações industriais e clusters apoiados por programas públicos e instituições de ensino».
Exemplos de sucesso
No evento, foram destacados alguns exemplos bem-sucedidos, incluindo um português. Sílvia Silveira, coordenadora do sector de planeamento, avaliação e certificação no Modatex, revelou que 67% dos estudantes que terminam a sua qualificação na área têxtil e de vestuário no centro de formação vão diretamente para o mercado de trabalho.
Por sua vez, Paolo Bastianello, presidente do comité de educação da Sistema Moda Italia, acredita que é urgente que o sector tenha um plano de comunicação para melhorar a sua imagem. Representando as principais empresas do sector de Itália, o comité tem como objetivo formar e educar os mais jovens para profissões no mundo da moda, impulsionado por «um memorando de entendimento para preparar as pessoas para o posto de trabalho».

Ralph Kamphöner, diretor do departamento de comércio internacional da textile+mode – a Confederação da Indústria Têxtil e de Moda alemã – falou sobre o seu projeto Go Textile! que pretende convencer os mais jovens «que não têm a menor ideia de que a sua carreira pode passar pelo vestuário» a entrarem no sector. A campanha internacional envolve mais de 150 empresas e centros de formação e conta com iniciativas no mundo digital e também presenças em feiras de emprego, de modo a informar os alunos que estão prestes a sair das escolas e universidades acerca das oportunidades de emprego existentes nas empresas e os cursos universitários disponíveis.
Em Como, Itália, o projeto comON «foca-se na partilha e estímulo de novas formas de design», conta Marco Taiana, gestor de marketing da Tessitura Taiana Virgilio SpA.
Num trabalho conjunto entre empresas, universidades e centros de formação, todos os anos 20 designers europeus deslocam-se a Como para realizar um estágio em empresas da região, promovendo o diálogo entre os mais jovens e a indústria. Em 2018, 61 mil pessoas participaram em eventos como conversas informais, encontros e exposições, numa espécie de semana de criatividade com eventos de design. Estas iniciativas envolvem escolas, universidades, designers e jovens artistas. «O projeto comON mostra que temos certas competências numa área da Europa que podemos usar noutros sítios», explica Lutz Walter
Necessidades técnicas
Olhando para como a inovação pode ajudar as marcas de vestuário, Lutz Walter esclarece que «a posição designer de moda é menos difícil de preencher, porque há uma grande abundância de formados nesta área, mas a ligação do design a aspetos mais técnicos, como as matérias-primas, a modelação e a produção, é essencial. A falta de especialistas nestas áreas é um sério impedimento ao crescimento da competitividade na indústria».
Lutz Walter acrescenta que a utilização de ferramentais digitais e as colaborações virtuais «são formas maravilhosas de unir os especialistas em design e em matérias-primas de todo o mundo aos processos de desenvolvimento de produto da cadeia de aprovisionamento europeia. Infelizmente, isto ainda não é explorado na Europa, porque as competências digitais e o uso de ferramentas tecnológicas colaborativas com base na internet não existem nas empresas», refere. Não obstante, fez um apelo aos presentes no evento: «temos histórias maravilhosas e não podemos ter medo de as contar, bem alto, e de uma forma moderna e sexy. Algumas empresas não precisam de se publicitar, as pessoas fazem fila às suas portas para trabalharem lá», comparou.