Durante a conferência “Têxtil do Futuro – Desafios para o crescimento sustentável”, que se realizou na última quinta-feira, Raul Magalhães, presidente da APLOG – Associação Portuguesa de Logística salientou que temos «quase que uma tempestade perfeita» no que diz respeito ao momento atual, «agravado, nos últimos meses, com a explosão dos aumentos de preços de tudo aquilo que é essencial para qualquer sector – energia, transportes, matérias-primas e a pressão, também, no trabalho, mais nuns sectores do que noutros». A tudo isto juntou-se a inflação, «numa primeira fase entendida como um fenómeno conjuntural, para ser ultrapassado em meses», mas atualmente, numa visão mais cautelosa, «esperemos que dois, três semestres sejam suficientes para retomarmos a normalidade dentro do possível».
Contudo, sublinhou Raul Magalhães, «os aumentos das matérias-primas, da energia e dos transportes vieram para ficar e é um dado que o sector, este e qualquer outro, vai ter que enfrentar».
Estas questões estiveram bem presentes na hora dos protagonistas do sector apontarem os grandes desafios que os inquietam. Para Vítor Fernandes, diretor financeiro da TMG, «os custos energéticos são um tema absolutamente crítico porque neste momento é uma questão de sobrevivência».
Outra das preocupações passa pelos recursos humanos. «Assumindo que vamos conseguir ultrapassar isto, o outro tema é o das pessoas e o dos recursos humanos, porque, de facto, há uma escassez crescente, quer em número, quer em termos de qualificação e de competências», destacou o diretor financeiro da TMG, adiantando que a escassez se prende não só com o chão de fábrica, mas também com técnicos superiores. «Hoje em dia, o sector está a ter dificuldade em reagir à concorrência de outras áreas», garantiu.
O mesmo tema foi abordado por Miguel Pedrosa Rodrigues, para quem a sobrevivência da indústria têxtil e vestuário faz-se «com inovação permanente, com uma gestão cada vez mais sofisticada e eficaz, capaz de se adaptar» e, acima de tudo, com as pessoas. «É nas pessoas que está o desafio e está também a oportunidade», assegurou o administrador da Pedrosa & Rodrigues. «Temos problemas atuais de mão de obra que vão ser crónicos e temos também questões relacionadas com capacitação, com competências dessa mesma mão de obra», acrescentou.

A situação atual, admitiu Paulo Vaz, é um «cocktail de desafios». Segundo o administrador da AEP, «nunca tivemos tanto com que nos preocupar», mas lembrou que «ao longo destes 30 anos, o sector esteve sempre sob pressão, em desafios diferentes, renovados – julgo que não há sector mais resiliente do que este». A questão, explicou, «é sempre a sobrevivência, entre aquilo que é urgente – que é sobreviver – e aquilo que é importante – que é preparamo-nos para enfrentar esses mesmos desafios».
É neste binómio que vive a Tintex, reconheceu o CEO Ricardo Silva, «a necessidade de crescer ao mesmo tempo que temos de estabilizar o negócio do dia a dia. Ou seja, ser disruptivo ao mesmo tempo que conseguimos conduzir o negócio para a frente».
Verticalização, sustentabilidade e tecnologia
Ao longo do dia, a conferência, que juntou diferentes áreas do sector, da produção ao retalho, passando pelos centros de competências, abordou estes desafios, com painéis onde foram apontadas algumas soluções, como a verticalização e a colaboração entre empresas – que permitiu, por exemplo, ajudar a ultrapassar a crise causada pela pandemia e produzir, rapidamente, equipamentos de proteção individual em 2020 – passando pela sustentabilidade, tanto ambiental como económica.
«Tivemos aqui diferentes sustentabilidades», declarou, no final do dia, Luís Marques, da Universidade Católica, que encerrou o evento. «Tivemos sustentabilidade como algo que hoje está presente na sociedade e, portanto, vem do cliente para a indústria – e nesse patamar das respostas que estamos a dar em termos de sustentabilidade, nomeadamente os novos materiais –, mas depois também tivemos sustentabilidade naquilo que é o necessário equilíbrio económico desta sustentabilidade, dos investimentos e qual dos elos da cadeia é que está disponível para realizar esses investimentos. E tivemos sustentabilidade tímida, recordo, em particular, sobretudo na área do retalho, dizendo que há algumas ações, mas ainda muito tímidas, e depois acabamos com a sustentabilidade na sua máxima força, a sustentabilidade por imperativo legal», resumiu.

Sobre este tema, na sua intervenção, Raul Fangueiro, presidente da Associação Fibrenamics, apontou como desafios para o crescimento sustentável da indústria têxtil a integração de competências (ciência, tecnologia, mercado, utilizador), novas áreas de aplicação dos têxteis, onde se inclui a indústria aerospacial e a medicina, por exemplo, o recurso a materiais sustentáveis, a valorização dos resíduos e a aplicação de novas tecnologias, da manufatura aditiva à nanotecnologia. Contudo, asseverou, «o mais importante [dos pontos enumerados na apresentação] talvez sejam as reticências, porque haveria muitas outras coisas para dizer».
Quanto ao futuro, «as tecnologias oferecem a oportunidade de transformar a indústria têxtil, tornando-a mais competitiva, assegurando a sua competitividade futura, mas também tornando-a mais ética e ambientalmente mais consciente», esclareceu Américo Azevedo, da FEUP/INESC-TEC, que assumiu a moderação do último painel.
António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE e CEO do CeNTI, realçou que o sector têxtil é um dos mais globalizados, competindo com países muito diferentes, do Bangladesh à Alemanha, e, ao mesmo tempo, com uma cadeia de valor espalhada pelo mundo. Além disso, lida com milhares de referências por ano e tem uma «boa percentagem de empresas com um lead time de duas semanas», o que o torna único. «Isto significa que, ser competitivo neste mundo, com todo este enquadramento, o nível de utilização do estado da arte tem de ser muito elevado», referiu. «Temos muito que aprender [ao nível das tecnologias de informação], mas está muito feito. A revolução foi feita no início dos anos 2000», afirmou. A robótica, avançou, «será um tema para o futuro», mas deverá ser «um grande desafio» a sua aplicação em algumas operações.

Já Mário Jorge Machado, administrador da Adalberto e presidente da ATP, focou a estratégia para os têxteis da UE, apresentada recentemente, que vai ter implicações na produção, no retalho, na logística e no fim de vida dos produtos têxteis. «Vamos ter nos próximos anos uma revolução em várias dimensões da área têxtil e vestuário», alertou.