ITV em recuperação

Cerca de sete meses depois do início da pandemia, a indústria têxtil e vestuário portuguesa começa a dar alguns sinais de retoma, nomeadamente nas exportações. A mais recente edição do Modtissimo foi prova desta recuperação.

Mário Jorge Machado, João Correia Neves, Manuel Serrão e António Braz Costa

No início de 2020, as expectativas eram positivas para grande parte das empresas da indústria têxtil e vestuário. A pandemia e o confinamento que se seguiu veio gorar todos os planos. Os últimos meses, contudo, aliviaram o horizonte, apesar da incerteza ser ainda muita.

Estes sinais de retoma têm uma das faces mais visíveis nas exportações. Entre janeiro e agosto, as vendas de têxteis e vestuário ao exterior somaram 3,06 mil milhões de euros, em comparação com os 3,54 mil milhões de euros registados em igual período do ano passado – uma queda de 13,5%.

«Exportámos mais 29 milhões de euros para França (+6,4%) e mais 4,7 milhões de euros (+419%) para o Chipre, tendo estes sido os destinos que registaram maiores crescimentos em termos absolutos. Inversamente, para Espanha exportámos menos 291 milhões de euros (-27%) e para Itália menos 28 milhões de euros (-13%), os dois destinos com maiores quedas», destaca Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.

Gonçalo Serra (Brandbias)

O vestuário, que é responsável pela maioria das exportações da ITV, tem sido o mais afetado pela pandemia, com uma queda que ascendeu a 19% entre janeiro e agosto de 2020, para 1,72 mil milhões de euros.

Segundo a ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, Espanha registou a queda mais acentuada, com menos 32,5%, para 570,4 milhões de euros, o que representa uma diminuição de 275,2 milhões de euros. Todos os principais mercados do vestuário “made in Portugal” registaram quebras nos primeiros oito meses do ano, incluindo França (-6,7%), Alemanha (-4%), Reino Unido (-10,4%) e Itália (-6,6%). As exportações de vestuário para os EUA, que são o maior mercado fora da Europa, evidenciaram uma queda de 15,2%.

«Embora os números tenham vindo a melhorar, a atual situação, com vários países a decretarem já confinamentos em algumas regiões, vai certamente ter um forte impacto nos próximos meses, sobretudo ao nível do vestuário mais formal: as pessoas em casa não vão comprar vestuário que normalmente é usado no trabalho em escritório ou em festas. A incerteza é muito grande e as perspetivas não são positivas», afirma César Araújo, presidente da ANIVEC.

Na análise dos números sem os dois primeiros meses do ano, isto é, tendo apenas em conta os meses em que já se sentiram os efeitos da pandemia – entre março e agosto – é possível ter uma visão mais concreta de como o Covid-19 afetou as exportações nacionais e como está a ser a recuperação

De março a agosto de 2020, as exportações de matérias têxteis e suas obras desceram 18,3%. A quebra foi sentida essencialmente entre março e maio, onde ascendeu a 28,8%. Nesses três meses, praticamente todas as categorias registaram quedas acima dos 30% – a exceção foram as pastas, feltros e falsos tecidos, com um crescimento de 7,6%, os artefactos têxteis confecionados (onde se incluem os têxteis-lar e as máscaras), que aumentaram 7,2%, e as exportações englobadas na categoria algodão, cuja queda foi de 10%.

Nos três meses seguintes, a queda das exportações baixou para 7,3% em comparação com o período entre junho e agosto de 2019 e grande parte das categorias teve uma diminuição das vendas ao exterior inferior a 20%.

Noël Ferreira (A. Ferreira & Filhos)

A exceção tem sido o vestuário. Entre março e maio, as exportações de vestuário, exceto de malha (vulgarmente referido como vestuário em tecido) tombaram 44,7% face ao mesmo período de 2019 e as de vestuário em malha baixaram 33,7%. Os três meses seguintes foram menos negativos: as exportações de vestuário em tecido caíram 25,7% e as de vestuário em malha 8,9%. Ainda assim, no acumulado entre março e agosto, as exportações de tecido perderam 35,2%, equivalente a menos 175,2 milhões de euros, e as de malha baixaram 21,2%, ou menos 232,8 milhões de euros.

Setembro trouxe mais esperança às empresas da ITV e na mais recente edição do Modtissimo – uma das poucas feiras europeias com edição física – houve mostras de algum otimismo, moderado com muita prudência e uma grande vontade de regressar ao negócio. «Fica a sensação de que quem esteve, esteve de algum modo a fazer história e a contribuir de forma ativa para fazer regressar a esperança a um sector que está custosamente a sair de meses de quebra», afirmou Manuel Serrão, CEO da Associação Selectiva Moda, que organiza a feira portuguesa, sobre os cerca de 200 expositores que marcaram presença na Alfândega do Porto a 23 e 24 de setembro.

Foi esse sentimento que foi transmitido durante as visitas de Eurico Brilhante Dias, Secretário de Estado da Internacionalização, e de João Correia Neves, Secretário de Estado Adjunto e da Economia – esta última acompanhada pelo Jornal Têxtil, no primeiro dia do certame. «Estamos na retoma. O dia correu bem, as pessoas estavam com saudades», afirmou Gonçalo Serra, diretor-geral da Brandbias, em resposta a João Correia Neves.

Também na A. Ferreira & Filhos, «começámos a retomar», confirmou o administrador da empresa, Noël Ferreira, que destacou as camisolas em malha sem costuras, incluindo na gola, feitas com a tecnologia wholegarment em que a empresa tem investido.

Na António Manuel de Sousa, a sócia-gerente Ana Lisa Sousa sublinhou a «situação de incerteza» que o sector do vestuário vive atualmente, destacando que as máscaras não compensam as perdas das habituais produções de acessórios de pescoço em que a empresa é especialista. «Vamos adaptando-nos, mas estes seis meses não têm sido nada fáceis», garantiu ao Secretário de Estado Adjunto e da Economia.

Na Paula Borges, o diretor comercial Paulo Faria sublinhou igualmente que «é duro», mas mostrou-se otimista. «Temos que dar a volta, reinventar-nos, seguir em frente», afirmou, salientando que a indústria portuguesa «sempre foi muito forte».

Ana Lisa Sousa (António Manuel de Sousa)

João Correia Neves ouviu ainda elogios ao Modtissimo. «Apesar das circunstâncias, correu bem», assegurou Luís Alemão, administrador da Teamstone, que representa os fios da Arifil em Portugal. «Correu muito bem, de manhã esteve sempre cheio», garantiu Susana Serrano, CEO da Adalberto.

«O sentimento é melhor do que esperava», confessou aos jornalistas o Secretário de Estado Adjunto e da Economia. «Nas circunstâncias difíceis em que estamos, com a queda da procura que temos enfrentado neste período, aquilo que as pessoas aqui presentes disseram é que têm tido uma boa resposta, uma resposta que nem eles esperavam. Obviamente que isso é apenas um sinal de um desenvolvimento positivo no meio de uma situação que é difícil, mas os sinais de esperança também são muito importantes, até para fortalecer o ânimo de todos, dos empresários e dos diferentes agentes nesta área», concluiu João Correia Neves.