Halloween mascara-se de feminismo

A poucos dias para uma das grandes celebrações americanas, os disfarces de mulheres fortes, como a Mulher-Maravilha ou a personagem Rey da Guerra das Estrelas, estão a assumir a liderança nas preferências das meninas, assim como os chamados “pussyhats” que se tornaram um ícone de contestação a Trump.

Este Halloween – ou Dia das Bruxas, uma tradição americana que se realiza a 31 de outubro, na véspera do Dia de Todos os Santos, mas que se tem espalhado também na Europa, incluindo em Portugal – vai haver mais “pussyhats” (gorros cor de rosa com orelhas de gata) e menos princesas na rua.

Meses depois da marcha histórica das mulheres em Washington e num clima de revolta pelos escândalos sucessivos de assédio sexual das mulheres, que estão a manchar sectores como o cinema e a moda, o Halloween deste ano promete ser mais uma plataforma para as mulheres e raparigas dos EUA mostrarem a sua força.

De acordo com a ferramenta de busca Frightgesit do Google, o fato de Halloween mais procurado é o de Mulher-Maravilha.

A heroína da Guerra das Estrelas, Rey, uma jovem com autoconfiança que brilha como sobrevivente contra todas as possibilidades, está entre as personagens de filmes que ocupam o top 10 dos fatos de criança em 2017, revela a National Retail Federation, a associação de retalhistas dos EUA.

E os que preferem fazer os fatos em casa este ano estão a receber dicas online para dar um novo significado aos gorros de gata em cor de rosa, conhecidos por “pussyhats”. Estes gorros foram usados por centenas de milhares de mulheres que participaram nas marchas em Washington e noutras cidades americanas a 21 de janeiro, o dia seguinte à tomada de posse de Donald Trump como presidente do país, para denunciar as suas declarações, feitas há alguns anos, sobre “agarrar as mulheres pelos genitais”.

«O ano de escândalos de assédio sexual mudou a forma de pensar das pessoas sobre o que querem ser no Halloween», considera a professora Tovah Klein, da Faculdade de Psicologia Barnard, em Nova Iorque. «Os disfarces dão poder às crianças – como “eu posso ser forte, eu posso ser invencível, eu posso lutar pela justiça”. E neste momento, com a Mulher-Maravilha e outras personagens, as meninas estão a aderir a este lado forte», sublinha Klein.

Princesas ficam em casa

Levantando o seu sabre de luz, Abby de nove anos, residente em Maplewood, em Nova Jersey, demonstrou a sua pose de guerreira vestida de Rey. «Sinto-me mais corajosa quando sou a Rey», afirma à Reuters a menina, que no passado celebrou o Halloween vestida de princesa.

«Gosto mais da Rey do que de princesas. Ela é valente. Ela luta. Está a ajudar muito para que outras pessoas sobrevivam», aponta Abby.

Mais de 179 milhões de pessoas nos EUA vão celebrar o Halloween em 2017, gastando um valor recorde de 9,1 mil milhões de dólares (cerca de 7,7 mil milhões de euros), com a maior parte deste valor a ser despendido em fatos, indica a National Retail Federation.

É verdade que os fatos de Halloween com pendor feminista não são propriamente uma novidade, mas este ano têm um apelo especial.

As declarações de Trump sobre o assédio a mulheres – que mais tarde disse tratar-se apenas de «conversa de balneário» – tornaram-se públicas depois de um vídeo de 2005 ter sido divulgado durante a campanha presidencial de 2016.

Um ano depois, as alegações de abuso sexual contra o produtor de cinema Harvey Weinstein lançaram o movimento “#MeToo”. Weinstein negou ter tido relações sexuais não-consensuais com mulheres.

«Fortes ideias feministas, o poder das mulheres, movimentos políticos» estão a levar o fato de Mulher-Maravilha para o top de compras de 2017 para meninas, revela AnnaMarie McConnell, vice-presidente de produto e desenvolvimento de marca na Ricky’s NYC, uma loja de artigos de beleza que vende fatos de Halloween.

Em Sheridan, no Wyoming, Jennie Way conta que a filha de quatro anos, Marley, decidiu vestir-se de Mulher-Maravilha, enquanto Vivian, de oito anos, optou pelo fato de Robin, companheiro da Bat Girl, retratada pela avó Deb Johnson.

«Tem a ver com a forma como nos vemos e como vemos outras mulheres», admite Jennie Way, de 41 anos e estudante de enfermagem. «Se nos virmos como fortes, e se virmos as nossas mães e as nossas amigas como suficientemente fortes para nos ajudarem, isso faz com que a discussão avance», acredita.