Guerra na Ucrânia abala ITV da Turquia

A invasão da Ucrânia pela Rússia afeta dois importantes clientes da indústria têxtil, vestuário, calçado e couro da Turquia, que tem recebido pedidos de cancelamento e suspensão de encomendas não só dos dois países envolvidos no conflito, mas também de mercados vizinhos.

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Os produtores de têxteis e couro no distrito de vestuário de Istambul estão a sentir o impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia, com os consumidores no Moscovo e Kyiv a cancelarem 200 milhões de dólares em encomendas na primeira semana de março, indicam responsáveis da indústria.

A perda de negócio junta-se às dificuldades já sentidas na economia turca, com os responsáveis a estimar um possível prejuízo superior a mil milhões de dólares só para a indústria têxtil se o conflito na Ucrânia se prolongar.

Mustafa Senocak, diretor da associação de exportadores de couro e produtos em couro de Istambul, revela à Reuters que as encomendas de «centenas de milhares de pares de sapatos e milhares de casacos em couro» foram canceladas. «Alguns russos afirmam que podem pagar com a antiga taxa de câmbio do rublo. De outra forma não podem fazer os pagamentos», refere.

A Rússia e a Ucrânia representaram mais de mil milhões de dólares de exportações de calçado, casacos e vestuário acabado e inacabado em couro no ano passado e quase três vezes mais no chamado “comércio de malas” não oficial centrado em Istambul, acrescentam os responsáveis.

O impacto no comércio coloca mais pressão na economia da Turquia, após a crise cambial em dezembro e a espiral inflacionária daí resultante. A queda nas receitas das exportações agrava ainda o atual défice turco, que está a aumentar após a invasão da Ucrânia no final de fevereiro devido à subida dos preços da energia e a uma esperada redução no turismo este ano.

Depois de uma série de encomendas e contratos com Kyiv e Moscovo em fevereiro, «enfrentamos cancelamentos… no valor de cerca de 200 milhões de dólares até agora (para a indústria)», revela Şeref Fayat, diretor da divisão de têxtil e vestuário da TOBB, a união de câmaras de comércio e indústria da Turquia. «Pode ultrapassar os mil milhões de dólares se a situação continuar», acrescenta.

Comércio paralelo não escapa

O comércio turco com a Bielorrússia, a Moldávia e a Roménia também arrefeceu devido à incerteza, apontaram os líderes da indústria à Reuters. Alguns clientes polacos pediram para suspender as encomendas, enquanto alguns russos pediram para fazer os pagamentos com base nas taxas de câmbio anteriores à invasão e ao colapso do rublo.

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As exportações de têxteis, vestuário e couro da Turquia para a Rússia totalizaram 718 milhões de dólares em 2021 e 308 milhões de dólares para a Ucrânia.

O negócio paralelo estimado em 3 mil milhões de dólares a que chamam “comércio de malas” – no qual pequenos compradores da Rússia, Ucrânia e de outros países da ex-URSS compram bens em Istambul, os embalam em malas vazias e revendem-nos nos seus países de origem – foi igualmente afetado.

«Já começámos a produzir para a nova estação – mas agora parámos tudo», conta Giyasettin Eyyupkoca, diretor da associação de industriais e empresários de Laleli, o distrito de Istambul que está no centro do “comércio de malas”.

O plano económico pouco ortodoxo do presidente turco Tayyip Erdogan pretende estabilizar a lira turca através do equilíbrio do défice corrente. Mas tendo em conta o conflito na Ucrânia, a Goldman Sachs reviu a sua previsão em alta para o défice, de 1,5% do PIB para 2,5% do PIB.

Os russos e os ucranianos são responsáveis por metade do volume anual de comércio de Laleli, afirma Eyyupkoca. «Tenho o mesmo parceiro de negócios ucraniano há anos e tenho uma conta aberta com ele. Como posso agora pedir-lhe para me pagar se ele está a lutar pela vida?», questiona.