Genética abre novos horizontes aos têxteis

Algodão geneticamente modificado para afastar pragas, seda de aranha produzida a partir de leite de cabra ou bactérias que fabricam pigmentos que são aplicados por revestimento em vez do tingimento convencional são alguns dos exemplos de como a genética está a contribuir para desenhar novos materiais para a ITV.

[©AMSilk]

A genética, um ramo da biologia especializado no estudo científico dos genes, a variação genética dos organismos e a hereditariedade, isto é, a forma como os organismos recebem e transmitem as características biológicas de geração para geração, pode ser uma fonte inesgotável de design de materiais.

Foi este o mote do workshop “Genética: Fonte Inesgotável de Design de Materiais” promovido pela Fibrenamics, onde Vânia Pais, project manager da associação, revelou algumas das utilizações possíveis para a engenharia genética, que permite manipular o ADN e criar produtos com maior valor acrescentado.

Uma análise ao número de publicações científicas relacionadas com este tema indica que «desde 2017 [os estudos] têm crescido de uma forma exponencial, o que mostra que tem sido um conceito amplamente explorado e estudado. A perspetiva é que se mantenha nesse sentido», afirmou Vânia Pais, dando conta de publicações essencialmente por parte de universidades, mas também de pequenas empresas, com uma quota de 23%. «Este valor é bastante elevado quando pensamos na tipologia de empresas que é, o que revela que este conceito não está unicamente ligado ao mundo académico e que é já uma realidade que está a ser praticada nas empresas e que, como tal, faz todo o sentido apostar neste tipo de estratégia», salientou a project manager.

Vânia Pais [©Fibrenamics]
Em termos de aplicações, a engenharia genética pode ser aplicada em plantas, animais e bactérias e leveduras.

Das plantas aos animais e bactérias

No caso das plantas, e na área têxtil, uma das aplicações mais conhecidas prende-se com o algodão geneticamente modificado, que representa já 86% das plantações nos EUA, 68% na China e 76% na Índia. «Os investigadores procuraram uma metodologia que permitisse diminuir o consumo de pesticidas na produção de algodão», explicou Vânia Pais. «Para isso identificaram uma bactéria, a bactéria bacilus, e observaram que esta produz a proteína Bt que tem a capacidade de promover a morte de pragas e insetos» e, ao conjugar esta informação genética com a planta de algodão, «obtiveram um algodão geneticamente modificado que passou a ter a capacidade de produzir esta proteína», acrescentou.

Nos animais, a engenharia genética está a fazer com que cabras produzam leite com a proteína naturalmente presente nas teias de aranha, permitindo assim a produção de proteína de seda, que pode ser usada para fabricar fibras e fios. «Criar uma megafábrica de aranhas a produzir teias acaba por não ser rentável. A opção acaba por ser recorrer a sistemas hospedeiros alternativos, que vão conseguir produzir as proteínas da teia de aranha com elevada rentabilidade e também elevada performance», justificou Vânia Pais. Os estudos demonstram que esta proteína será biodegradável e irá permitir produzir artigos com elevado reforço mecânico, adiantou a project manager da Fibrenamics. A Nexia Biotechnologies é uma das empresas que tem desenvolvido este conceito, tendo, contudo, demonstrado que o rendimento é maior quando se recorre a microorganismos. Ainda ao nível animal, tem também havido manipulação genética de bichos da seda para que produzam casulos com a proteína da teia de aranha, como a realizada pela empresa Kraig Laboratories, com resultados muito positivos.

[©Colorifix]
No que diz respeito à aplicação da engenharia genética em bactérias e leveduras, as chamadas “living factories”, apresentam vantagens claras, nomeadamente ao nível da uniformidade, estabilidade e preço, assim como pelas características de sustentabilidade e de elevada performance. Na proteína da teia de aranha, por exemplo, a AMSilk criou fibras com recurso a este processo, o mesmo acontecendo com a Bolt Threads. Por sua vez, a Colorifix usa bactérias para produzir pigmentos que podem depois ser aplicados como revestimento em estruturas fibrosas, permitindo reduzir o consumo de água e de produtos químicos no processo.

Vantagens e limitações

Já Raul Machado, investigador assistente no Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Universidade do Minho, desvendou que tem sido feita investigação em polímeros proteicos com engenharia genética e destacou que «podemos conjugar no mesmo ADN propriedades completamente diferentes de diferentes proteínas».

Há, no entanto, limitações, nomeadamente a necessidade de ter um conhecimento altamente especializado, «mas também as capacidades volumétricas, neste caso, os rendimentos, que têm que ser otimizados e muitas vezes acabam por ser reduzidos», referiu o investigador. A legislação, incluindo na UE, tem igualmente travado a evolução.

Vânia Pais, Fernando Cunha e Raul Machado [©Fibrenamics]