«Foi sempre a minha política ter vários produtos»

Novos investimentos, para reduzir os custos mas também para se posicionar no mercado e entrar em novos segmentos, marcaram o ano que passou para a JF Almeida, que, como revela em entrevista o CEO Joaquim Almeida, tem na diversificação de produto um dos seus trunfos.

Joaquim Almeida

Os novos investimentos em painéis fotovoltaicos e em duas caldeiras de biomassa permitiram à JF Almeida colmatar a subida de custos da energia e do gás que se sentiu em 2022. A produtora de têxteis-lar, que conseguiu terminar o ano com um crescimento das vendas, continuou igualmente a realizar investimentos para se tornar mais competitiva no campo produtivo, com a aquisição de teares para produzir roupa de cama – uma área de negócio que irá explorar particularmente nos EUA e Canadá em 2023 – e equipamentos para acabamentos, que lhe permitirão ser mais vertical e entrar mais consistentemente no mercado de vestuário, para o qual criou ainda a empresa Emoh. Uma estratégia de total diversificação que, como explica o CEO Joaquim Almeida, se alinha com o posicionamento da especialista em felpos ao longo dos seus mais de 40 anos de história e que, tendo em conta os resultados alcançados, será para prosseguir no futuro próximo.

Como perspetiva este novo ano?

Vamos ver como é que corre a Heimtextil, que é importante. Vamos ver como é que corre a guerra, porque se esta guerra permanecer, vai ser muito complicado. Uma coisa posso dizer: em relação a 2022, vai ter de ser muito melhor. Porque pior que 2022 não pode existir. Portanto, 2023, por natureza, tem de ser melhor.

Que balanço faz de 2022?

Vamos acabar até com uma ligeira subida de faturação, entre 12% e 15%, para cerca de 60 milhões de euros. Mas este ano foi para esquecer. Aumentámos os preços, mas nem de longe, nem de perto, conseguimos aumentar como aquilo que nos foi aumentado a nós. Nos primeiros três meses deste ano, pagámos tanto de energia e gás como no ano todo de 2021. Pagávamos uma fatura de 300.000 euros por mês e passámos para 1.800.000 euros. É impossível. A partir do meio do ano começámos a recompor, a fugir da linha vermelha, com a entrada de duas caldeiras de biomassa e o aumento da produção com os painéis fotovoltaicos, de mais de 1 MW para 5 MW. O próximo ano, na parte energética, já não tem nada a ver com 2022, está muito mais barata, também devido a todos estes investimentos que fizemos e ainda mais alguns que estão em curso.

Qual foi o valor total dos investimentos efetuados ao longo dos últimos 12 meses?

No total, ronda os 25 milhões de euros, em painéis fotovoltaicos, caldeiras de biomassa, construções, teares para roupa de cama e também para felpos. Comprámos também maquinaria para acabamentos, que estão a chegar. Estamos focados fundamentalmente nos Estados Unidos e no Canadá, que são mercados muito fortes em flanelas, principalmente em fios tintos, e preparámo-nos para isso, ao nível dos acabamentos, para nos tornarmos cada vez mais competitivos.

Para o próximo ano, há novos investimentos em agenda?

O próximo ano é de consolidação de tudo o que foi investido. Também não resta mais nada a fazer porque somos já uma empresa vertical e com tudo praticamente novo.

A pandemia acelerou os investimentos na digitalização da ITV. Também fizeram avanços nesse domínio?

Sim. Criámos, por exemplo, o nosso showroom virtual, e com algum sucesso. Hoje, é uma ferramenta importante, mas já não é tão necessário. Mas continuamos a mantê-lo, até porque o custo não nos afeta. Claro que agora os clientes já nos podem visitar e nós também os visitamos com frequência. Ainda hoje o cliente gosta de tocar no artigo e, no digital, não pode tocar, como é óbvio. Após o fim da pandemia de covid-19, a atividade recuperou a sua normalidade.

Relativamente a outros fatores que têm vindo a impactar o negócio, nomeadamente os custos das matérias-primas e os transportes, como estão a evoluir?

Também estão agora a baixar, mas os nossos clientes também querem que baixemos os preços, como é óbvio.

Que olhar crítico tem sobre as questões da sustentabilidade que se têm feito sentir nos últimos anos?

A questão da sustentabilidade vem muito das marcas. E ainda bem que vem e eu também sou defensor disso. Por exemplo, a nível de acabamentos, estamos certificados e isso representa uma mais-valia muito grande para a JF Almeida.

Outro fenómeno de que muito se tem falado é o nearshoring. Tem sentido algum benefício?

Durante o covid, parecia que, efetivamente, os compradores se iam virar mais para a Europa. Mas, o que se verifica neste momento, é que o importante é o preço, ou seja, continua tudo na mesma: preço, preço, preço. Portanto, temos de nos diferenciar na oferta, e de que maneira, porque quando chega à hora da verdade, é o preço que conta. Foram rapidamente esquecidos todos os problemas criados, nomeadamente na cadeia de fornecimento.

Qual é a quota de exportação direta do grupo JF Almeida?

A exportação direta deve rondar os 95% ou 96%. Temos mais de 400 clientes, um pouco por todo o mundo, mas os mercados mais importantes na atualidade são o espanhol, o francês, o italiano e o alemão.

Em termos percentuais, quanto fica na Europa? E nos EUA?

Na Europa, fica cerca de 90%. Não ficará, a partir do próximo ano, com o novo lançamento da roupa de cama, principalmente nas flanelas, para os Estados Unidos e o Canadá. Nessa altura, pensamos que estes países vão representar bastante mais. Em 2023, se representarem aí uns 15% a 20%, fico contente. Depois, a ideia era representarem, no máximo 30%, a Europa 50% e uns 20% para o resto do mundo. A intenção é essa, mas, para já, não passa da intenção.

Como está distribuído o negócio da JF Almeida em termos de atividade?

A estrutura industrial está vocacionada essencialmente para os felpos. Mas foi sempre a minha política ter vários produtos, porque um pode parar e assim o outro ajuda. Por isso, lançámos agora a produção de roupa de cama. Fabricamos ainda oferta para hotelaria, toalhas de mesa e estamos a desenvolver vestuário, com uma nova empresa que criámos para o efeito, a Emoh. Já a Mi Casa Es Tu Casa tem unicamente uma vertente comercial.

O que ditou essa estratégia de ter uma panóplia vasta de produtos?

Foi por duas razões. A primeira é por capacidade de resposta. Fazer e acabar a roupa de cama fora, por exemplo, tornou-se um problema diabólico. A segunda é a questão do preço, uma vez que nos tornarmos mais competitivos. E se o felpo cai, por qualquer motivo, a roupa de cama pode estar em alta, ou vice-versa. A política desta empresa é basicamente essa.

Quem são os clientes da JF Almeida?

São fundamentalmente importadores. Também vendemos diretamente aos hotéis ou, por exemplo, no caso de Espanha, em que há hotéis a comprar diretamente às lavandarias, estamos virados para aí.

Quantas pessoas trabalham no grupo?

No grupo, diretamente, são 800 trabalhadores. Com os novos acabamentos a operar, ainda vamos criar mais alguns postos de trabalho, cerca de 70 a 80.

Que medidas tem empreendido para colmatar a falta de mão de obra que se faz sentir no mercado?

Temos contratado muitos imigrantes, sobretudo brasileiros e venezuelanos, pela questão da língua. Temos, inclusive, comprado casas para os alojar. Procuramos dar o apoio máximo a todos os níveis, para que possam viver em Portugal com grande dignidade. Trabalhamos com uma empresa de recrutamento, à qual dizemos o que precisamos e ela trata de todo o processo. É uma experiência que começou há cerca de dois anos e tem-se revelado muito positiva. Hoje, devemos ter no grupo cerca de 80 trabalhadores imigrantes.

Enquanto empresário, como encara a evolução do sector em termos de parcerias?

Eu estou aberto a tudo. Sempre defendi isso, portanto, se tiver de haver uma parceria, eu cá estou. Não há nenhum problema. O sector, contudo, não evoluiu muito nessa matéria, o que é uma grande asneira, porque conheço empresários com máquinas paradas que podiam aproveitá-las a trabalhar a 100% para outros concorrentes e não trabalham. São mentalidades que não evoluíram. A JF Almeida, por exemplo, faz investimentos, como no caso dos acabamentos para vestuário e roupa de cama, e trabalha para fora, não é fechada. Havendo clientes e tendo capacidade, estamos sempre recetivos.

Quanto representa a prestação de serviços no volume de negócios da JF Almeida?

No caso dos acabamentos, o que já tínhamos foi montado para 50% trabalho para a JF Almeida e 50% trabalho para fora. Com o investimento que acabámos de fazer é exatamente igual. Se 50% trabalhar para a JF Almeida – eventualmente, para já não, porque ainda estamos a crescer pouco a pouco – já é muito bom. O resto é tudo para terceiros.

Relativamente ao negócio dos têxteis-lar, que análise faz da evolução do sector?

 

Nestes últimos 40 anos, não tem nada a ver. Hoje, e principalmente desde há 10 anos, temos registado uma evolução tremenda, a nível de qualidade, de design, de tudo. Temos feito um trabalho imbatível, também só por isso é que sobrevivemos. Há 40 anos, não éramos o número um em felpos e agora somos. Não há dúvida que o sector teve um crescimento espetacular.

E deverá continuar a dar provas de grande resiliência?

Se aguentámos este ano como aguentámos… Não sei como é que serão as contas deste ano e como é que as empresas vão suportar. Efetivamente, se não apoiam a parte energética este ano, no próximo ano acho que vai haver empresas com muitos problemas porque não têm caldeiras de biomassa, não têm os painéis fotovoltaicos… Não conheço a carteira dos outros, mas vejo e falo pela JF Almeida. Fizemos tudo isso e a nossa tesouraria sofreu muito. Se não tivéssemos feito nada, eu diria que já teríamos fechado portas, no mínimo por uns tempos. Portanto, eu apelava a que o nosso Governo tivesse bom senso e que esses biliões que estão para aí comecem a ser distribuídos por esta economia. Ainda ontem ouvia mais 980 milhões de euros para a TAP. É só queimar notas, quando esse dinheiro fazia muita falta a esta indústria.

Quais são as mais-valias da JF Almeida para se manter competitiva num mercado altamente concorrencial?

A nível europeu, penso que a JF Almeida, neste momento, posiciona-se em número um. Nós temos três pontos fortes: preço, qualidade e serviço. Por exemplo, depende do país, mas tenho clientes a quem estou a entregar mercadoria em 24 horas, no máximo 48 horas. Se nesses três pontos, falhar um, já fomos. Tendo esses três em linha de conta, não há problema nenhum.

Que fatores são determinantes para a competitividade do sector dos têxteis-lar português à escala mundial?

Só com produtos de muita qualidade e serviços rápidos. Dentro deste quadro, também boa maquinaria para dar resposta e qualidade. Quem tiver isso bem organizado, bem montado, penso que não vai ter problemas nos próximos anos.