No que diz respeito aos materiais fibrosos, há um nome que se tem vindo a destacar nos últimos anos. Raul Fangueiro, professor associado da Universidade do Minho, investigador e diretor da unidade de produtos à base de materiais fibrosos do 2C2T e, mais recentemente, mentor e presidente da Associação Mundial de Investigadores em Fibras Naturais, tem vindo a desvendar o maravilhoso mundo das fibras aos jovens estudantes mas também à indústria têxtil nas suas mais diversas aplicações, como a saúde, a defesa e o automóvel.
«Sempre tive uma visão da têxtil muito para além daquilo que é o convencional – o vestuário e os têxteis-lar. A partir de um certo momento, até pelo meu percurso de investigação, fomos fazendo vários trabalhos na aplicação dos têxteis e depois no que comecei a designar por materiais à base de fibras, noutras áreas, noutros domínios e comecei a entusiasmar-me muito por essas questões», afirma Raul Fangueiro ao Jornal Têxtil (edição novembro 2017). «Tenho-me mantido desde o início no 2C2T, até porque o centro, ele próprio, se foi adaptando às mudanças que foram acontecendo no domínio da ciência. O enfoque nesta altura é muito mais ao nível dos materiais e do design, ou seja, da conversão do conhecimento em produto, e identifico-me perfeitamente com essa estratégia. Daí o meu contributo diário para que essa estratégia tenha sucesso, não só a um nível mais técnico, de transferência de conhecimento para as empresas, que interessa muito, obviamente, até pelo tecido empresarial que temos à nossa volta, mas também ao nível do avanço do conhecimento na área científica», explica.
Têxteis que dão saúde
Na área da investigação científica, a par com os desenvolvimentos centrados na funcionalização de fibras naturais e na produção de nanofibras de celulose, o 2C2T está envolvido no projeto americano Fibrous Brain, para o qual desenvolve as fibras que vão permitir mimetizar o cérebro humano de forma a validar uma técnica de identificação de danos traumáticos. «Um grupo da Universidade de Pittsburgh desenvolveu uma técnica de análise de imagem que permite identificar no cérebro humano onde está exatamente uma rutura de um determinado axónio, provocada por uma batida de cabeça numa determinada situação. Este grupo percebeu que as fibras são parecidas com os axónios que formam o cérebro e que são responsáveis pela passagem dos impulsos elétricos e da informação. Como não tinha conhecimento na área, fez uma pesquisa na Internet para ver a nível mundial quem tinha esta competência. Encontrou-nos, estabeleceu contacto direto e avançámos com o projeto», revela Raul Fangueiro.
Em cerca de três anos foram desenvolvidas fibras ocas, de polipropileno, para formar parte deste cérebro fibroso. «Nesta altura temos apenas um pequeno troço, mas o nosso objetivo a longo prazo é termos um cérebro artificial, que estabeleça todas as ligações», refere.
Na área mais industrial, a relação com a Impetus, com a qual desenvolveu o projeto ProtechDry, roupa interior para incontinência ligeira, teve continuidade no ProtechHip, vestuário interior para proteção em caso de queda. «Percebemos exatamente qual era a zona da anca que devia ser protegida, desenvolvemos um boxer, no caso do homem, especialmente trabalhado para incorporar uma zona de proteção e depois desenvolvemos a proteção, que tem por base um material resiliente e foi inspirada nas patas dos canídeos. Portanto, é algo inserido no interior do vestuário e que tem uma excelente capacidade de absorção do choque», destaca o investigador.
O currículo da unidade de produtos à base de materiais fibrosos conta ainda com o Pradex, mangas multifuncionais para a prevenção e tratamento de linfedemas, e o Electrosocks, meias com electroestimulação para recuperação de lesões, ambos com a Barcelcom, e ainda com lençóis com sensores que monitorizam a perda de líquidos, um projeto desenvolvido para a Lasa que foi premiado com o Natural Fibrenamics Green Award 2017 na mais recente ICNF – International Conference on Natural Fibres.
Investigação sobre rodas
Com a Fibrauto, o 2C2T tem trabalhado em biocompósitos para aplicação em capots, portas e para-choques. «Todos sabemos que a área dos transportes tem uma série de restrições que estão impostas pela UE – até 2020 ou 2025, tem que haver uma redução de componentes no automóvel que não sejam recicláveis ou biodegradáveis no final do ciclo de vida e, portanto, obviamente que as empresas se estão a posicionar no sentido de responder a essa necessidade», justifica Raul Fangueiro. «Estamos também num projeto muito interessante com a Fibrauto, que tem a ver com um veículo elétrico – o Veeco – e o objetivo é trazer as fibras naturais e a componente eco para esse veículo a fim de reduzir o peso e diminuir o consumo».
Com a TMG Automotive, o trabalho desenvolvido passa pela «possibilidade de incorporar fibras naturais nos revestimentos interiores dos automóveis, respondendo à tendência do eco, do biodegradável, da aproximação à natureza, que é algo que está na ordem do dia nestes domínios», indica o investigador. Juntamente com a empresa foi desenvolvido um processo que permite a colocação de fibras naturais na superfície dos revestimentos. «São visíveis sob o ponto de vista estético. Entra-se no interior do automóvel e vê-se uma série de revestimentos com fibras naturais, que dão a ideia de materiais mais amigos do ambiente», aponta.
O 2C2T tem ainda a ERT como parceira, tendo desenvolvido um sistema de aquecimento e dissipação de calor incorporado no próprio tecido de revestimento, usando fibras condutoras que permitem a regulação da temperatura sem os tradicionais cabos elétricos de cobre. «Desenvolvemos também a laminagem de painéis fotovoltaicos flexíveis para geração de energia. Está a ser aplicado muito na área da arquitetura leve, nas membranas arquitetónicas e aplicamos também recentemente, em conjunto com a ERT, no veículo elétrico Uou», desvenda o investigador.
As novas armas de defesa
Materiais auxéticos e nanotecnologia foram algumas das “armas” usadas para tornar os equipamentos mais seguros e leves para os soldados em situações de combate, no âmbito do projeto AuxDefense em parceria com o Ministério da Defesa Nacional. «Temos um objetivo bem específico: mantendo o mesmo nível de proteção, reduzir o peso dos componentes que estão a ser utilizados ou então aumentar o nível de proteção para o mesmo peso destes componentes», elucida Raul Fangueiro. Depois de quase dois anos de investigação, as soluções já estão criadas, encontrando-se agora na fase do desenvolvimento dos produtos onde a tecnologia será inserida.
O conhecimento do grupo é de tal forma reconhecido que o Estado-Maior do Exército nomeou Raul Fangueiro para representante português no grupo de trabalho de proteção da NATO, onde periodicamente é discutida a evolução dos equipamentos de proteção individual na área da defesa.
«Como universidade temos que estar à frente, liderar os processos e dizer quais são os caminhos s seguir. Fizemos isso ao nível das fibras naturais, onde assumimos uma posição de liderança, não só com a conferência mas também agora com a associação. E estamos a fazer também ao nível dos materiais de proteção e materiais para a defesa, onde achamos que temos um papel importante a desempenhar», acredita Raul Fangueiro.