No estudo publicado a 9 de março, a Eunomia, consultora independente da Comissão Europeia, revelou que a moda é um dos sectores produtivos menos regulados, mas produz montanhas de desperdícios, nomeadamente na fast fashion, que são incinerados ou enterrados a uma taxa estimada de um camião por segundo. No documento, designado “Driving a Circular Economy for Textiles through EPR”, a Eunomia explica que a UE deve cobrar uma taxa aos retalhistas de têxteis e moda por cada item que vendem, para gerir os resíduos.
As medidas podem incluir regras para o design de produto, etiquetagem, proibição de destruição de bens e regras mais apertadas na responsabilidade na cadeia de aprovisionamento. Tendências crescentes, como troca de vestuário e a utilização de apps para a venda de vestuário previamente usado, podem também receber um grande apoio da nova legislação.
A Comissão Europeia deverá lançar a estratégia sobre têxteis sustentáveis, entre outras medidas ambientais, a 30 de março. A estratégia é um compromisso político para responder ao problema e será seguida por uma série de propostas legais concretas e outras iniciativas nos próximos anos.
A Eunomia foi contratada pelas organizações não-governamentais Changing Markets Foundation e pelo European Environmental Bureau para fazer um estudo sobre o papel da responsabilidade alargada do produtor (em inglês Extended Producer Responsability ou EPR) e apoiar medidas políticas para impulsionar a economia circular para os têxteis na Europa. A consultora aconselhou já a Comissão Europeia sobre programas de responsabilidade alargada do produtor em 2020. Neste novo estudo argumenta que uma vasta gama de produtos deve ser abrangida pela taxa de resíduos, incluindo vestuário, artigos sintéticos para a casa e profissionais, couro e outras peles, calçado e têxteis-lar como lençóis, colchas e toalhas de banho. Os artigos em segunda mão devem ser isentos desta taxa para encorajar a reutilização.
Os programas de taxas são comuns noutros sectores como as embalagens e a eletrónica, mas a Europa tem apenas um para têxteis, em França, embora estejam a ser desenvolvidos programas semelhantes na Suécia e nos Países Baixos. A taxa deve ser complementada por outras medidas, acrescenta a Eunomia, nomeadamente a proibição de químicos perigosos, criando padrões mínimos para durabilidade, desassemblagem e reparação.
As associações não-governamentais esperam que as novas leis levem as empresas a produzir têxteis mais duradouros, reutilizáveis, reparáveis, reciclados e eficientes em termos energéticos. Uma das ferramentas mais importantes que devem ser anunciadas será a taxa de desperdício, com as marcas a pagarem um valor mais alto por produtos menos ecológicos.
Reduzir a poluição
A Changing Markets Foundation, que foi criada para acelerar e escalar soluções para desafios de sustentabilidade, publicou também o relatório “A new look for the fashion industry” onde explica como esta taxa de desperdício pode impulsionar a reutilização de têxteis, impulsionar o investimento em tecnologias europeias de reciclagem, reduzir a utilização de fibras sintéticas baratas mas perigosas que estão a inundar o mar com poluição por microplásticos e reduzir as enormes quantidades de têxteis incinerados, enterrados ou despejados em países em desenvolvimento.
Nesse estudo, a Eunomia sugere ainda a implementação de metas de conteúdo reciclado para os têxteis, uma redução do IVA sobre reparações, limitação na libertação de microplásticos e o estabelecimento de relatórios e verificação para os fluxos de materiais ao longo da cadeia de valor.
Nusa Urbancic, diretora de campanhas da Changing Markets, sublinha que «o poluidor deve pagar. Essa é uma parte importante da legislação europeia, mas é uma a que as marcas de moda escaparam. Elas não pagam pelas montanhas de vestuário que são incineradas ou enterradas ou despejadas em países em desenvolvimento, por isso temos de pagar nós. Se for alta o suficiente, a taxa de resíduos sobre as marcas poderá reverter esta situação lamentável e forçar o mundo da moda a entrar numa nova perspetiva, uma que impulsiona a produção de vestuário sustentável e de elevada qualidade».
Emily Macintosh, responsável do European Environmental Bureau, acredita que «estabelecer taxas sobre as marcas de moda deve impulsionar uma mudança real na indústria. Se forem demasiado baixas, não fazem mossa no modelo de negócio da fas fashion. Para sermos duros com os que são responsáveis pelos níveis vergonhosos de resíduos têxteis temos de estabelecer taxas que realmente cubram o custo que a produção têxtil tem no nosso mundo. Vamos tornar caro colocar a moda mais suja no mercado em primeiro lugar».
No ano passado, a Comissão Europeia reuniu o feedback da indústria e de organizações da sociedade civil, com o objetivo de criar novas medidas até ao final do ano, com um grupo de organizações não-governamentais a pedirem novas políticas para parar a sobreprodução de têxteis – e para a próxima legislação da UE sobre têxteis responsabilizar as marcas pelo seu contributo para a poluição mundial.
Os lobistas argumentaram que décadas de autorregulação voluntária levaram as cadeias de valor dos têxteis e vestuário a tornarem-se sinónimo de utilização de enormes quantidades dos recursos finitos do planeta, poluição por químicos perigosos, a produção de elevados níveis de resíduos, más condições de trabalho e violações dos direitos humanos.
Entre 2000 e 2014, a produção de vestuário duplicou, com os consumidores a comprarem em média mais 60% de vestuário em comparação com há 15 anos, indica a Changing Markets. Alguns artigos estão à venda por apenas 0,06 euros. Os consumidores mantêm as peças metade do tempo que acontecia em 2000 e deitam fora a roupa barata após apenas sete ou oito utilizações. O europeu médio cria 11 quilos de resíduos têxteis por ano, mas menos de 1% das peças de vestuário são recicladas em novas peças. O resto acaba incinerado ou enterrado a uma taxa mundial de um camião por segundo.