«Estes aumentos não compensam, de maneira nenhuma, os encargos que se verificam»

Obrigada a rever os preços duas vezes nos últimos seis meses, a Albano Morgado tem sentido diretamente o impacto do aumento dos custos, sobretudo da energia, uma situação que, revela o administrador Albano José Morgado, está a levar a empresa a protelar os investimentos e a aguardar por mais certezas em relação à economia.

Albano José Morgado

Embora as encomendas continuem a chegar à empresa, atingindo, inclusivamente, os níveis registados antes da pandemia, o aumento dos custos tem minado as margens da Albano Morgado, já que, apesar da empresa especialista em tecidos laneiros ter feito duas atualizações de preços, estes só se sentirão verdadeiramente nas encomendas entregues no próximo ano.

O apoio do Estado seria, por isso, importante para aguentar a escalada dos custos, sobretudo da energia, explica, nesta entrevista concedida à margem do Modtissimo, Albano José Morgado, que revela ainda que está a protelar investimentos até ter mais certezas sobre a evolução da economia.

Como têm sido estes primeiros oito meses do ano?

Em termos produtivos e em termos de encomendas, 2022 voltou a ter os números que tínhamos antes da pandemia, ou seja, em 2019. Portanto, nesse aspeto, conseguimos repor os valores que existiam anteriormente. Em termos de pandemia, não podemos dizer que terminou, até porque em termos de ausência de pessoas que foram afetadas pelo covid na empresa, 2022 tem sido pior do que qualquer ano anterior. Ou seja, com a libertação de algumas medidas de proteção, verificou-se um aumento significativo do número de pessoas que contraíram a doença, o que aumentou muito o absentismo e diminuiu, como é evidente, a produção. Portanto, nesse aspeto, para nós, 2022 foi penalizador. Em termos de encomendas, não nos podemos lamentar com aquilo que temos.

E ao nível dos aumentos de custos, que consequências têm tido para a Albano Morgado?

Aí tivemos o reverso da medalha, um aumento fora de tudo aquilo que era expectável em termos dos vários custos, nomeadamente os custos energéticos. Estamos a falar de oito vezes mais, o que é insuportável para as empresas, tendo em conta que, até ao momento, não se viu qualquer tipo de apoio da parte do Estado.

Na sua perspetiva, que medidas são essenciais para apoiar as empresas?

Penso que, logo numa primeira instância, o que já deveria ter acontecido era a redução de impostos, nomeadamente o IVA, sobre esses produtos, porque tinha um efeito imediato. Em segundo lugar, era tentar que, de alguma forma, indiretamente, houvesse uma comparticipação do Estado na fatura energética. Percebo que é muito difícil e que o Estado não consiga tabelar os preços e criar um teto quer para a eletricidade, quer para o gás, mas, indiretamente, poderia fazer com que houvesse redução havendo uma comparticipação na fatura energética das empresas. Se nada for feito, provavelmente muitas delas não têm possibilidades de continuar em laboração e, como consequência disso, alguns trabalhadores irão para o desemprego, o que irá ter um custo para o Estado, se calhar, superior àquele que seria o custo se agora se subsidiassem as empresas no que diz respeito aos custos energéticos.

No caso da Albano Morgado, estamos a falar de um aumento no custo da energia de que ordem?

Só mesmo em termos energéticos, sem contabilizar todas as outras taxas e todos os outros custos que a fatura energética contém, o nosso custo de 150.000 euros passa para 600.000 euros, quatro vezes mais. Portanto, por aqui se vê qual é o impacto que tem na nossa produção. O que significa que, quando empresas do nosso sector, em que as encomendas que temos este ano são fruto daquilo que apresentámos em setembro do ano passado e com os preços de setembro do ano passado – e temos estado a manter esses preços porque era aquilo que estava contratualizado com os nossos clientes –, com uma subida destas, não há margem sequer que resista. É impossível. Se as coisas rapidamente não se alteram, ou se não há medidas concretas de apoio, poderá transformar-se num ano muito calamitoso para a indústria têxtil.

Este ano já se viu obrigado a rever os preços?

Fizemos duas atualizações, uma em maio, de 10%, e outra agora no início de agosto, de mais 5%. Mas estes aumentos não compensam, de maneira nenhuma, os encargos que se verificam. Também temos de ter consciência de que não podemos penalizar o nosso cliente com um aumento de acordo com os aumentos que se estão a verificar. Agora, a perspetiva que havia de que seria algo cíclico e pontual não se está a verificar. E a perspetiva, pelas informações que a comunicação social nos vai dando, é que, provavelmente até ao final deste ano, continuarão os aumentos. Portanto, é uma incerteza total. Acho que, conscientemente, ninguém pode, neste momento, prever o que poderá acontecer, quer à indústria têxtil, quer ao consumo. A confeção também vai ter de aumentar os preços e quando chega um produto mais caro ao consumidor, provavelmente, vai haver uma redução do consumo. Todos sabemos que o poder de compra das pessoas já está demasiado penalizado com a inflação e, quer queiramos, quer não, se as pessoas não tiverem fundo de maneio extra para adquirir roupa, não vão adquirir. Estou convencido de que o consumo vai decair e, se isso acontecer, poderá ser uma espiral novamente de recessão, o que não era desejável nesta altura.

A Albano Morgado trabalha vários segmentos de produto. Em termos de vendas, como têm evoluído?

Neste momento, aquilo que verificamos é que há uma tendência contínua na moda, não tanto no uniforme ou no clássico, mas sempre com um produto de menor valor acrescentado, contrariamente àquilo que era o nosso desejo. Porque, quer queiramos, quer não, o fator preço conta e, com os aumentos que fomos obrigados a fazer, é óbvio que o cliente tenta optar por um produto alternativo o mais económico possível, o que também não favorece nada em termos de perspetivas futuras. Quando as pessoas têm de optar entre pensar no ecológico e no sustentável versus o custo que isso poderá ter, fica penalizado o caminho que se tinha feito nos últimos cinco ou seis anos.

Qual é a quota de exportação da Albano Morgado?

Mantém-se nos 70%.

Que leitura faz dos mercados com os quais trabalham?

Houve uma diminuição do mercado inglês, que já se verificava há dois anos e, com a efetivação do Brexit, agravaram-se as dificuldades de exportar para o mercado inglês. Agora, a grande dúvida no próximo ano é como se vai portar economicamente a Alemanha, já que é um dos nossos principais mercados de exportação, tendo em conta também os custos que a própria Alemanha vai ter, nomeadamente com o gás e custos energéticos transversais. Resta-nos saber que impacto vai isso ter na economia alemã e como é que vai reagir, já que é também o motor da Europa.

Quando olha para o curto e médio prazo, vai haver um reforço noutros mercados, nomeadamente agora com a paridade do dólar?

Poderá haver aí uma alavancagem fruto das diferenças cambiais, mas também não nos podemos esquecer que a indústria portuguesa, de uma maneira geral, é importadora de matérias-primas e, portanto, vai inflacionar todo o custo das matérias-primas, já que, de uma maneira geral, o dólar é a moeda de referência. Acabamos por ser beneficiados de um lado, mas não nos podemos esquecer que vamos ser penalizados por outro.

Face a estes fatores conjunturais, por onde passam as apostas da Albano Morgado, incluindo em termos de investimento?

Em termos de investimento, vamos protelar e aguardar um bocadinho para tentar perceber, até ao final deste ano e no próximo ano, qual vai ser o comportamento da economia de uma maneira geral. Principalmente, com um outro fator, que todos também já sabemos, que é o aumento dos juros. Portanto, acho que é prudente fazer um compasso de espera e ver qual é o comportamento das economias.

Qual é o pior e o melhor cenário que antevê?

O pior cenário é se esta situação se mantiver durante o próximo ano todo. Nesse caso, provavelmente teríamos de fazer uma redução da produção, porque é insuportável manter a produção com os custos que temos. É preferível reduzir a produção e analisar os custos, porque o produto não absorve os aumentos na sua proporção direta. O melhor cenário, como é evidente, para a Albano Morgado e para todos, é que houvesse finalmente um acordo entre a Rússia e a Ucrânia e que a guerra tivesse fim. Esse seria o cenário desejável. Esperemos que venha a acontecer.