Escalada de custos ensombra ITV

O agravamento dos preços das matérias-primas e, sobretudo, da energia, estão a pressionar as empresas da ITV, nomeadamente as de têxteis-lar que, para fazer face à subida de custos, estão a aumentar os preços dos seus artigos para não erodir completamente as margens.

Ana Vaz Pinheiro

O ano de 2021 foi um ano recorde para as exportações da indústria têxtil e vestuário (ITV), e também para muitas das empresas de têxteis-lar, que sentiram um aumento da procura internacional. Contudo, o final de 2021 e, em particular, os primeiros meses de 2022 têm trazido preocupações acrescidas ao sector, que é agora extremamente cauteloso em relação às perspetivas para o resto do ano.

«A continuar com esta escalada de preços, quer a nível das matérias-primas, quer a nível dos custos energéticos, não há futuro. Temos que ser muito claros: sem apoios constantes e imediatos à indústria, não há futuro», afirma Xavier Leite. Para o novo presidente da associação Home From Portugal, e também presidente da Têxteis Penedo, o caminho deverá ser, por isso, o já traçado por outros países. «Tem de haver comparticipação direta nos custos do gás e da eletricidade para que se possa continuar a ter alguma competitividade – outros países já estão a fazer a mesma coisa, como sabemos, e nós, portugueses, não podemos ficar para trás, porque, sem esses apoios, corremos o risco de, realmente, desaparecer muito rapidamente», explica ao Portugal Têxtil.

Este cenário tem tido repercussões na própria Têxteis Penedo que, depois de um ano de 2021 que «correu bem», olha para os próximos meses com prudência. «Durante a pandemia os clientes, no geral, venderam muito bem e, portanto, duplicaram ou triplicaram as encomendas. O que não está a acontecer nesta fase – estamos agora numa fase inversa», revela Xavier Leite.

Xavier Leite

A empresa especializada em roupa de cama e mesa viu-se ainda obrigada a aumentar os preços. «Nos últimos seis meses, o aumento dos preços de venda ao cliente terá já ultrapassado os 40%. Tem sido uma coisa brutal», reconhece o presidente da Têxteis Penedo. Uma situação que «alguns clientes compreendem», porque não é exclusivo nem da sua empresa, nem de Portugal, aponta.

Também na Mundotêxtil o cenário é semelhante. «Este ano, o primeiro trimestre foi bom em termos de faturação, mas, como é óbvio, em termos de resultados não foi tão bom devido ao aumento exponencial do preço da eletricidade e do gás. Embora tenhamos conseguido repercutir no cliente o preço do fio, a verdade é que os outros custos dispararam de tal forma que é impossível repercutirmos, no imediato, os preços no nosso cliente», admite a administradora Ana Vaz Pinheiro.

O aumento dos preços ao cliente entre 15% a 20% não tem sido fácil de gerir para a produtora de felpos, que emprega 610 pessoas e, no ano passado, registou um volume de negócios de 55 milhões de euros. «As conversas de preço nunca são muito fáceis de se ter com clientes e temos clientes que não aceitaram os preços e pura e simplesmente não pudemos fazer as encomendas porque não é viável. Agora temos que perceber, aliás o nosso cliente percebe e o cliente final também percebe, que a inflação está aí para todos. Isto é geral, não é um mal que venha só de uma empresa, nem de um sector, é um mal geral», refere a empresária, admitindo ainda que «o tipo de incerteza que existe à volta das matérias-primas, da cadeia de abastecimento, das energias, dos recursos todos, é muito difícil de repercutir, porque estamos hoje a cotar um preço que para produzir amanhã já não dá – não é fácil trabalhar sob estas condições».

«Eu sei que as empresas que estão financeiramente mais estáveis vão ter menos dificuldades em ultrapassar estes momentos, mas mesmo assim vai ser muito complicado conseguir manter os postos de trabalho e cumprir os compromissos com a banca, com os clientes, com os fornecedores, a pagar faturas energéticas com uma variação de preço de 300% e 400%. É muito complicado até para empresas que não estão tão expostas a nível financeiro, quanto mais para empresas que, porque vieram de uma pandemia, não estão tão saudáveis em termos financeiros. No fundo, vai ser muito complicado para muitas empresas e para a Mundotêxtil, como é óbvio, também está a ser complicado, está a ser muito difícil, mas temos que continuar a gerir as coisas da melhor maneira e a trabalhar», assume a administradora.

Inflação contribui para a retração

Ricardo Relvas, administrador da Sorema, é perentório a apontar que «o grande desafio que vamos ultrapassar, não só o têxtil, mas essencialmente o têxtil, é a questão do preço das matérias-primas e o preço da energia».

Ricardo Relvas

A especialista em tapetes de casa de banho aumentou os preços «à volta de 10%» para compensar parcialmente o aumento dos custos. «Outra preocupação que tenho é relativamente às taxas de inflação, que se se mantiverem desta forma podem originar alguma retração», sublinha o administrador da Sorema, que no ano passado registou um crescimento de 5% do volume de negócios, para 10,4 milhões de euros.

Aliás, «o início do ano foi interessante, mas depois da guerra começou a haver alguma retração, não tanto pelas encomendas diretas a nós, mas sentimos do lado dos nossos clientes que há alguma retração por parte dos clientes deles, que têm menos movimento nas lojas, que estão a registar menos vendas. Portanto, eles já estão a senti, nós havemos de sentir, se não mudar entretanto», avança.

Tudo isto tem sido sentido igualmente pela Bovi, que aborda o futuro na perspetiva de um «otimismo moderado», como classifica a diretora comercial Joana Barros.

Joana Barros

«Estamos muito bem em termos de volume, até ao final do mês de maio estamos completamente tomados, o que é bom – também temos a vantagem, neste momento, de não estarmos muito dependentes do mercado europeu, temos clientes desde o México aos EUA e Médio Oriente, que neste momento são menos afetados pelo que se passa no mundo, portanto, nesses clientes não há retração, não há tanta incerteza e as decisões de compras continuam a ser tomadas naturalmente. Agora nos clientes europeus, as quantidades não são as mesmas que seriam, estão a ser muito mais cautelosos e há encomendas adiadas. E depois temos esta instabilidade nos custos que nos obriga a ter conversas muito difíceis com clientes por ter que estar constantemente a atualizar preços», esclarece.

Em média, a produtora de roupa de cama, que teve em 2021 o melhor ano de sempre, com um crescimento de 20%, para um volume de negócios de 23 milhões de euros, já aumentou os preços em 8% neste primeiro trimestre. «Na energia conseguimos aguentar os preços porque temos contratos que nos permitem ter o preço da energia assegurado durante mais alguns meses. O mesmo não acontece com todos os custos indiretos de matéria-prima de parceiros externos com que trabalhamos, como lavandarias», adianta a diretora comercial da Bovi.

Estado avança medidas

Em resposta às reclamações da indústria têxtil e vestuário e não só, o governo português apresentou esta semana um conjunto de medidas de apoio para as empresas.

Entre as mais relevantes para o sector está o apoio de até 400 mil euros por empresa, num pacote total de 160 milhões de euros, que deverá abranger mais de 3.000 empresas, para fazer face à subida do custo do gás. Este valor destina-se a empresas com custos unitários de gás entre fevereiro e dezembro de 2022 que sejam pelo menos o dobro dos custos médios de 2021, que estejam inseridas em sectores com utilização intensiva de gás ou que tenham um custo total nas aquisições de gás em 2021 superior a 2% do volume de negócios anual. Se for este o caso, é dado um apoio a fundo perdido que cubra 30% da diferença entre os de 2021 e os de 2022, sendo o limite os referidos 400 mil euros por empresa.

O governo está ainda a propor o estabelecimento de um teto aos preços do gás natural nos mercados grossistas, que deve resultar numa diminuição de 690 milhões de euros por mês nos custos com a energia suportados pelas famílias e empresas.

As medidas apresentadas incluem ainda a agilização do licenciamento de painéis solares, simplificação dos procedimentos relativos à descarbonização da indústria, a flexibilização dos pagamentos fiscais no primeiro semestre de 2022 para empresas particularmente afetadas pelo aumento dos preços da energia e a redução do preço dos combustíveis através da diminuição do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP).