Em Espanha sê espanhol

«As empresas portuguesas têm de se ‘espanholizar’ em Espanha e as empresas espanholas têm de se ‘portugalizar’ em Portugal». Isto significa que, para se expandirem com sucesso para Espanha, os investidores portugueses devem procurar conhecer o mercado de destino e actuarem como agentes locais e a mesma estratégia deve ser adoptada pelas empresas espanholas que ambicionam crescer em Portugal. A linha de força que deve pautar a actuação das empresas portuguesas e espanholas no mercado ibérico foi avançada por Ernâni Lopes, economista, na abertura do I Encontro Ibérico de Negócios, promovido pelo Diário Económico em parceria com o Grupo Totta. Uma estratégia que algumas entidades nacionais presentes em Espanha já aplicam na prática e que é também defendida por Pedro Líbano Monteiro, presidente do Icep Portugal. «Vender em Espanha e, não só vender para Espanha, deve ser o objectivo das empresas portuguesas relativamente ao mercado espanhol», alertou o responsável pelo instituto português que tem a missão de apoiar as exportações e o investimento nacionais no estrangeiro. Pedro Líbano Monteiro não tem dúvidas de que Espanha, «pela proximidade geográfica, pelo desenvolvimento de infra-estruturas e pela excelente situação económica, é a mais importante frente para os empresários portugueses». Foi precisamente por se ter posicionado como um agente do mercado ibérico – e não como uma simples empresa portuguesa com ambições em Espanha – que a Renova alcançou a posição de líder ibérico no mercado de papel “tissue”. «Na sequência da integração de Portugal e Espanha na União Europeia, optámos por crescer em Espanha. A entrada em Espanha foi baseada na marca Renova, como uma marca ibérica. A Renova é uma marca portuguesa em Portugal, espanhola no mercado espanhol e francesa em França», explicou Paulo Pereira da Silva, presidente da empresa de Tomar. Um posicionamento semelhante foi assumido pela vidreira Barbosa & Almeida, na abordagem ao mercado espanhol. «Entrámos em Espanha com a estratégia de sermos um produtor ibérico e residente», explicou Moreira da Silva, líder da B&A. Hoje, estas duas empresas portuguesas devem a Espanha quase 50% das vendas realizadas e disputam o mercado espanhol contra as multinacionais. Mas, para aqueles que pretendem aventurar-se por terras espanholas, deixam alguns alertas: é preciso conhecer o mercado, apostar na qualidade e evitar o erro de expatriar quadros de topo, preferindo integrar espanhóis nas estruturas não executivas que ajudem a inserção na economia e na sociedade espanholas. «A convergência estratégica entre Portugal e Espanha é um duplo acto de vontade entre as duas economias que exige a criação de capacidades de respostas por parte das empresas», defendeu ainda Ernâni Lopes, apelando à cooperação empresarial ibérica. Uma ideia que foi desenvolvida por Xosé António Fernández, conselheiro de Economia e Finanças da Junta da Galiza. «A convergência ibérica, que ganha particular actualidade com o alargamento da União Europeia, implica uma cooperação luso-espanhola entre empresários e ao nível das questões de Estado, como é o caso das infra-estruturas, das alterações na concessão de fundos europeus e nas relações com a América Latina», sublinhou. A cooperação entre empresas portuguesas e espanholas pode consubstanciar-se em parcerias comerciais, tendo em vista a sua internacionalização para mercados muito maiores do que o ibérico, como a Europa de Leste e a região do Magreb, sugeriu António Cardoso Pinto, presidente da Efacec. Também para o líder do Grupo Totta, António Horta Osório, após a integração dos mercados português e espanhol, «o segundo passo será a expansão sustentada das empresas ibéricas com maiores ambições do ponto de vista geográfico». A secretária de Estado do Comércio, Indústria e Serviços, Rosário Ventura, anunciou a criação de um organismo para monitorizar eventuais entraves sentidos pelas empresas em investir em Espanha e vice-versa. À margem do evento, Rosário Ventura afirmou ao Diário Económico que «há dificuldades em obter este tipo de informações das empresas portuguesas», mas que o processo de levantamento está a decorrer. Sublinhando que o maior défice comercial é com a Espanha, e isso «exige uma reflexão no sentido de o reequilibrar», defendeu que se deve apostar numa estratégia conjunta de empresas, no âmbito da internacionalização. Por seu lado, o embaixador de Espanha em Portugal, Carlos Carderera, mencionando a dificuldade que empresas nacionais dizem sentir para entrar em Espanha, afirmou que hoje há um aumento do investimento português no seu país, citando depois o caso do El Corte Inglês, que esperou 14 anos para entrar em Lisboa. Carlos Carderera defendeu ainda que os empresários portugueses «devem ser mais agressivos», à semelhança dos seus vizinhos, pois ao lado há um mercado de 40 milhões de consumidores. Mencionando os receios face aos empresários espanhóis, explicou que tal se deve à atitude aguerrida do novo tecido empresarial espanhol, semelhante ao de Espanha face à França. Em matéria de fiscalidade, o sistema português é mais penalizador para as empresas do que o regime espanhol, mas no que diz respeito à tributação dos órgãos sociais o fisco de Espanha é mais rigoroso do que o de Portugal. Em Espanha, o imposto sobre actos jurídicos e documentais não abrange financiamentos ou garantias. A diferença aumenta as dificuldades competitivas dos portugueses, numa fase difícil do mercado de capitais, ao penalizar a obtenção de financiamentos alternativos. Paulo Vieira, administrador da Agência Portuguesa para o Investimento (API), considera que os incentivos, como os fiscais, são importantes, mas não um elemento fundamental. «Não é por darmos mais ou menos incentivos que um investimento é captado. Têm de funcionar como uma cobertura do bolo, e não ser o bolo propriamente dito», afirmou. Como organismo do Estado, a missão da API é apoiar os investimentos e ajudar as empresas a solucionar problemas, o que, muitas vezes, «é fazer com o que o Estado cumpra os seus prazos, como na atribuição de licenças». Paulo Vieira destacou que, embora exista o programa Prime, «o essencial é o regime contratual que nos permite, para um projecto específico, como grandes projectos, determinar obrigações e contrapartidas do Estado». Mencionando a iniciativa de captação de possíveis investidores, afirmou que já se realizaram centenas de entrevistas, desde o Japão aos Estados Unidos. Nestas deslocações, a equipa da agência liderada por Miguel Cadilhe constatou que, nos EUA, 25% dos gestores não tem qualquer ideia sobre Portugal, valor que sobe para os 53% no Japão. «Podemos aproveitar isso e surpreender pela positiva», defendeu, acrescentando que «o mercado português não tem 10 milhões de consumidores, mas sim 50 milhões, porque hoje o mercado é ibérico».