A marca permitiu à empresa, que direta e indiretamente emprega cerca de 800 pessoas, ganhar know-how para servir os cerca de 30 clientes em private label que constituem metade da produção da Flor da Moda, ao mesmo tempo que a estrutura industrial confere flexibilidade para responder às necessidades da consumidora final da Ana Sousa.
Uma relação simbiótica que tem alavancado o crescimento, como explica o administrador Nuno Sousa, que revela a existência de projetos para uma reformulação da empresa e da marca e avança com o conceito de partilha como o elemento-chave para o futuro da indústria em Portugal.
A Flor da Moda começa com private label e, nos anos 90, quando poucos apostam ainda na marca própria, lança uma marca de moda. Como nasce a Ana Sousa?
Temos que recuar às raízes desta empresa. Quando a Ana Sousa e o João Sousa fundaram esta empresa, sendo ela designer, já lhe estava no sangue criar e desenvolver peças. O João Sousa, como filho de alfaiate, também lhe estava no sangue saber confecionar. Portanto, quando constituem a empresa, juntamente com a minha avó, este ADN já estava presente. A própria empresa, desde que foi fundada em 1981, teve sempre criações próprias. Em 1992 decidimos dar um novo impulso e lançou-se a marca Ana Sousa, com outras características também para sair um bocadinho do paradigma que tínhamos até então. Havia a necessidade de conquistar novos clientes.
Hoje, é um desafio ou uma oportunidade ter uma indústria por detrás da Ana Sousa?
Ainda continuo a considerar que é uma vantagem e é uma mais-valia ter a indústria por detrás da marca. Nesta vertente dos mercados, em termos de consumo, verifico isso em todos os nossos clientes. Temos clientes que estão connosco há 15 anos. A Ana Sousa é um desses clientes mas temos outros, que também representam um volume bastante interessante.
Cada vez mais constato que tenho que ser mais rápido a dar respostas, tenho que ter o know-how suficiente para lhes agilizar determinados processos, porque eles não querem ter estruturas nessas áreas, nomeadamente criação, modelação, confeção. Antigamente, eles até escolhiam os tecidos. Hoje já não querem, sou eu que tenho que lhes propor os tecidos, fazer os moldes, construir a peça. No modelo de negócio, eles têm a distribuição, mas depois tenho que fazer todo o processo. Por outro lado, temos tido, e infelizmente vamos continuar a ter, estas mudanças climatéricas que têm afetado o paradigma. Há 10 anos havia quatro coleções. Hoje já não há. Ou há verão ou há inverno. E as datas previstas, para cada uma destas coleções efetivamente entrar, mudaram. O que significa que nós, indústria de confeção, temos que ser muito ágeis. Tem que se medir o mercado, desde as cores, o tipo de tecido, a tendência que está a ser lançada, para depois se chegar ao bolo final. Por isso digo que é uma vantagem para a marca Ana Sousa ter este grupo a trabalhar para ela.
E para trabalhar em private label, que vantagens advêm da marca própria?
Uma das coisas que permite sermos também competitivos na Flor da Moda é que o serviço que prestamos ao cliente é superior a muitas empresas. O termos uma marca detida pelos donos do grupo faz com que os vários departamentos entendam perfeitamente o que o nosso cliente – que pode ser o Paul Smith, a Vitoria Beckham ou a Sandro – quer, perceber a dinâmica que se tem que implementar e, durante o dia, o que é que se tem que fazer. Isto dá um know-how que muitas empresas não têm. Têm a capacidade de saber confecionar bem? Têm. Mas eu sou obrigado a ter uma estrutura superior. Se fosse somente confecionador e vivesse só da produção a feitio, não precisava de ter uma estrutura como tenho. Essa estrutura custa dinheiro, mas permite angariar mais clientes, não só para a Flor da Moda mas para Portugal. Eu consigo ter mais de 200 pessoas que se dedicam em exclusivo e a 100% à Flor da Moda porque não fazem só a marca Ana Sousa, fazem para outros clientes nossos. E eles estão satisfeitos – têm trabalho, ganham dinheiro, são empresas rentáveis, dão boas condições aos seus trabalhadores. Portanto, temos que perceber não é eu querer ser melhor do que os outros ou ter de ser o importante, há lugar para todos. Felizmente que o tecido empresarial português tem também seguido nessa senda e percebido isto. Temos que, cada vez mais, nos ajudarmos. Temos que partilhar.
Partilhar é a sua palavra de ordem nesta nova era industrial?
Claramente. Se não houver partilha, vai ser muito complicado Portugal continuar a manter este nível de qualidade que a indústria têxtil e de confeção tem. A partilha é importante em tudo. Eu, por exemplo, tenho necessidade de fazer feiras internacionais porque é uma forma de me mostrar aos clientes. É dizer “eu existo, eu estou aqui, eu faço isto”. Mas, se em vez de ser só a Flor da Moda, forem mais 10 ou 15 empresas, o próprio custo é diluído. Então beneficiamos todos com essa partilha.
A partilha é isso, é partilhar informações de umas empresas para outras, incluindo o know-how. Se eu inventei um novo estampado e passei a uma estamparia, aquela estamparia deve também promover esse novo método às restantes empresas. Ao partilhar isso, vai dar mais uma oferta a mais dois ou três clientes. E é isto que é importante. Que haja partilha porque permite que todos possamos evoluir para melhor. A guerrinha de “tu não podes ser mais importante do que eu”, essa pequena inveja, não sou a favor dela, nunca fui. Sinto que, felizmente, o tecido empresarial português tem vindo a perceber isso, temos vindo a partilhar, a colaborar. Eu consigo ter uma relação com muitos players do mercado, partilhamos informações dos clientes, partilhamos formas de fazer as coisas. Não vale a pena andarmos de cara virada. Não ajuda ninguém, pelo contrário. Estar sempre atento ao que o meu vizinho tem e não ao que o meu cliente me está a pedir não faz sentido.
Quais são atualmente os países prioritários para o private label?
Na Flor da Moda temos claro que, nos próximos três anos, o projeto de crescimento vai centrar-se em países específicos, porque não vale a pena querer ir a todo lado. Vamos, por isso, concentrar-nos em termos europeus, a nossa prioridade. Temos que reforçar, por exemplo, a presença no mercado alemão. No mercado inglês já temos boa presença, mas não sei se a questão Brexit vai implicar algumas mudanças. Há 15 anos tínhamos boa presença nos mercados nórdicos e hoje temos menos, fomos perdendo porque foram os primeiros a ir para a Ásia. Agora estão a voltar. Portanto, há aqui uma oportunidade para reconquistar aquele mercado. Já temos presença em França, mas temos que a reforçar. Com toda a franqueza, o único país que não me entusiasma é Espanha. Quando consolidar mais esses mercados, não quer dizer que não haja oportunidades noutros continentes, mas não é o objetivo do amanhã.
Quantos clientes tem a Flor da Moda?
A Flor da Moda, entre 2018 e 2019, tem cerca de 30 clientes em carteira. Temos vindo a selecionar os clientes que queremos, pelas quantidades e pelo tipo de cliente que é.
E a Ana Sousa?
Estamos a falar de 385 clientes nos diversos países. Vendemos para todos os continentes exceto Austrália. Estamos nos EUA, Canadá, México, Colômbia, Japão… Estamos espalhados pelos continentes todos, uns com mais presença, outros com menos, outros a semear. Por países, Portugal, claramente, é onde vendemos mais, seguido de França, Espanha e Luxemburgo. Chegámos a Angola no ano passado, onde abrimos uma primeira loja e está a funcionar muito bem.
Que novos projetos perspetivam para a marca?
Vamos continuar, em parte, a reforçar o mercado europeu. Estamos em Portugal, já se anda a semear em Espanha, França, Bélgica. Também estamos no Luxemburgo, começamos a Hungria, República Checa e Eslováquia e já chegámos à Ucrânia. Em termos de distribuição, daqui a seis meses vai haver novidades, de forma a provar que continuamos pujantes, que continuamos para seguir e vamos fazer algo ainda mais audaz do que aquilo que fizemos até agora.
Como se enquadra o comércio eletrónico na estratégia da marca?
Vamos reformular o site. Temos que o pôr mais apelativo e funcional em termos técnicos. É uma área a que estamos atentos e onde serão feitos os devidos investimentos. Em determinadas circunstâncias, é a loja que que menos custos tem mas, no nosso caso, até funciona porque estamos presentes fisicamente em determinados mercados.
Quanto representa a produção da Ana Sousa dentro da Flor da Moda?
Já está mais ou menos 50%-50%. Eu quero continuar a produzir muito para a Ana Sousa mas o que quero mesmo é ter 55% para os outros clientes e 45% para a Ana Sousa. A marca Ana Sousa está exposta a determinados mercados que, por vezes, podem ter um menor desempenho. Assim não estou dependente.
Que balanço pode já fazer de 2018, para a marca e para a empresa?
Ainda não fechamos as vendas, até porque falta o importante período do Natal, que representa 10% a 15% na marca, mas mantendo as circunstâncias, devemos ter crescimento. Na Flor da Moda reforçámos com alguns novos clientes e produções. Na Ana Sousa também. As perspetivas que tenho é que vamos ter um volume de negócios superior a 2017 – devemos registar cerca de 32 milhões de euros em termos totais.
Qual é o segredo do sucesso de ambas?
Fazermos as coisas com paixão e termos know-how. As lojas próprias só foram possíveis porque a primeira geração permitiu que a segunda começasse a trabalhar. Esta segunda geração – eu sou um deles, mas há mais – consegue, neste momento, tratar de mais assuntos que a primeira. Permite-nos ter, hoje em dia, as duas unidades, a industrial e a distribuição. E termos a distribuição permite-nos responder ao mercado. Sermos uma empresa industrial de família humilde, em que uma sardinha tinha que dar para os quatro. Portanto, raivosos não somos. Ao não sermos raivosos, permite que saibamos perceber o trabalho de cada um e nos entreajudemos. Eu não vou agora querer ser estilista. A estilista está bem e é da família, é competente. Eu não quero ser o chefe da produção – tenho alguém da família que percebe melhor do que eu. E esta segunda geração está perfeitamente consciente das dificuldades que o mercado vai apresentar.
O que traz esta segunda geração para o negócio familiar?
Vontade, garra, motivação para derrubar este mundo e o outro. Quando há isso, é o melhor que se pode ter.