A pandemia «acelerou um conjunto de transformações» e, ao nível da desmaterialização, «Portugal, como país exportador, tem uma necessidade total não só de acompanhar o que se está a fazer no mundo nesta matéria, como pertencer ao pelotão da frente». O tom para o segundo webinar Tecer o Futuro – o primeiro aconteceu em junho –, promovido pelo Cluster Têxtil – Tecnologia e Moda, que decorreu na manhã de hoje, 22 de julho, foi dado por António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, que moderou o debate que contou com Manuel Gonçalves, administrador da TMG, Manuel Serrão, diretor-geral da Associação Selectiva Moda, Luís Castro Henriques, presidente da AICEP, e João Neves, Secretário de Estado Adjunto e da Economia.
Para Manuel Gonçalves, os tempos que vivemos são «desafiantes» e a generalização da internet está a fazer com que sociedade se mova «de um estrutura rígida, vertical e hierarquizada, para uma sociedade horizontal onde todos estamos potencialmente conectados uns com os outros. E esse simples facto abre caminho a uma revolução na forma como desenhamos os nossos modelos de negócio e abordamos os stakeholders do negócio».
Este paradigma está a eliminar os intermediários, ficando apenas «quem produz ou presta serviços e quem consome. Tudo o que estiver no meio tende para o dispensável», incluindo os patrões. «Hoje vemos uma multiplicidade de plataformas onde as pessoas com talento podem promover os seus serviços sem necessidade de procurar um empregador. Por exemplo, tenho trabalhado com uma plataforma que se chama People per Hour, onde propomos projetos numa plataforma e imediatamente temos pessoas de todo o mundo preparadas para prestar esses serviços, sem ter de recorrer a empresas», explicou o administrador da TMG.
Estas mudanças, acredita Manuel Gonçalves, abrem para a indústria têxtil e vestuário «oportunidades, com a possibilidade de desenvolver negócios que nos permitam chegar ao consumidor com mais valor».
É, contudo, fulcral capacitar as empresas para esta nova realidade. «Percebemos de tecidos, percebemos de vestuário, percebemos de modelagem, mas esta área do digital escapa-nos. E os modelos de negócios que possamos criar no futuro vão depender muito desta nossa capacitação, destes nossos conhecimentos, não só de uma perspetiva externa, mas também numa perspetiva interna, porque se quisermos aumentar a eficiência dos nossos processos produtivos, temos que olhar para a inteligência artificial, para o tratamento de grandes volumes de dados, para com essa informação otimizar os nossos processos industriais», resumiu.
Para o administrador da TMG, «os próximos meses vão ser complicados, as empresas vão ter de se adaptar a esta nova realidade. Mas o tema da transformação digital é algo que está em movimento e é um comboio a alta velocidade. Irá promover o fim de muitas empresas e o nascimento de muitas outras. Umas porque não se adaptaram e outras porque viram oportunidades nesta transformação».
Entre o físico e o online
O caminho, contudo, referiu Manuel Serrão, «vai ser feito de várias formas pelas diferentes empresas», que não são iguais. «Vamos continuar a trilhar vários caminhos», sustentou o diretor-geral da Associação Selectiva Moda.
Nas feiras, porém, os eventos físicos deverão continuar a partilhar o palco com os marketplaces virtuais, uma tendência que se acentuou com a pandemia mas que já não é nova, frisou. «Por exemplo, a Première Vision [PV] e a ISPO há muito tempo que tinham plataformas, marketplaces. Havia um sucesso reduzido, não porque as empresas não aderissem, até porque, por exemplo na PV, a inscrição era obrigatória, mas a verdade é que não havia – ou da parte das empresas expositoras ou da parte dos potenciais compradores – o empenho suficiente para que esse meio fosse uma alternativa consistente à Première Vision», explicou.
Apesar de terem tido interrupções consideráveis, as feiras físicas continuam de pedra e cal, incluindo o Modtissimo. «O que sentimos, na parte do Modtissimo, é que os expositores, que são esmagadoramente portugueses, estão a aderir a níveis semelhantes aos de edições anteriores», confirmou.
Mas com as incertezas em relação à evolução da Covid-19 ainda em cima da mesa, Manuel Serrão considera que «convém estar preparado» e «hoje em dia é preciso estar em todas as plataformas, nas físicas e nas digitais, o que poderá levar a que as empresas «acelerem o empenho que têm posto na questão da digitalização».
Há inclusivamente empresas mais pequenas que estão a aproveitar esta situação. «Temos empresas que não participavam nas feiras porque não tinham dimensão para isso e estão a participar nestas alternativas digitais», revelou o diretor-geral da Associação Selectiva Moda.
Apoio governamental
A própria AICEP tem procurado apoiar a transição para os marketplaces digitais a que as empresas tiveram de aderir face ao cancelamento dos certames físicos. «O nosso entendimento é que a grande maioria das atividades online e reconversões de projetos que as empresas e associações estão a fazer, tudo isso pode ser incorporado» nos projetos de internacionalização coletivos ou individuais, apontou Luís Castro Henriques, ressalvando a necessidade de, em caso de dúvida, pedirem esclarecimentos sobre a elegibilidade à AICEP.
O presidente Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal sublinhou, no entanto, que há desafios e que é necessário investir, nomeadamente em campanhas digitais. Para ajudar as empresas, a AICEP já lançou uma ferramenta para a exportação online, que permite obter um diagnóstico sobre a preparação da empresa para assumir esta área e inclui «um motor de recomendações sobre centenas de marketplaces no mundo», indicou.
Contudo, «isto é um processo, vamos ter de aprender muito – até descobrir qual é o marketplace certo para mim, o fornecedor de tecnologia que me dá a estrutura da presença certa no marketplace, isto é exatamente como na vida real que tinham antes», afirmou Luís Castro Henriques. «Acima de tudo, o que temos é que estar abertos à inovação», acrescentou.
Uma ideia igualmente partilhada por João Neves, que anunciou que, face ao acordo alcançado ontem em Bruxelas, «a seguir ao verão temos condições para lançar novas iniciativas e novos avisos de candidatura para que não haja rutura nos investimentos». Para o Secretário de Estado Adjunto e da Economia, é fundamental que haja muito investimento mas com objetivos delineados. «Vamos ter que investir todos sensivelmente o dobro do que investíamos por ano para que os recursos que foram colocados à nossa disposição possam ser usados. Obviamente que o seu uso não pode ser um desperdício. O que queremos é produzir resultados em linha com estas transformações», concluiu.