Intensidade é a palavra que não pode faltar para descrever as semanas de moda. Os designers e as marcas presentearam o público com as criações que se destacaram pela exuberância, mas, destaca o WGSN, nem todas as escolhas e estratégias foram bem recebidas pelo público. O mercado está em constante evolução, pelo que entender a visão e as preocupações do consumidor se tornou crucial para subsistir e ser bem-sucedido na indústria da moda, uma dificuldade que persiste no caminho dos criadores.
Alguns temas na ordem do dia tornaram-se o mote das coleções primavera-verão 2020 que surgiram como um grito de liberdade face às perturbações da sociedade. Os períodos conturbados e de turbulência vividos no contexto social, económico e político inspiraram várias peças dos desfiles. Entre o preto e branco, cores vivas, volume, brilho, formas, penas e franjas, destacam-se os padrões animais, militares e tropicais como os mais ligados à agitação política e à sustentabilidade.
A semana de moda de Nova Iorque coincidiu com a Cimeira da Ação Climática das Nações Unidas, o que não podia ir mais ao encontro da temática sustentabilidade. Os designers têm cada vez mais a preocupação de conceber um desfile neutro em carbono e de utilizarem materiais reciclados, mas ainda assim existe a necessidade de repensar a abordagem destas exibições. A Suécia, por exemplo, cancelou a semana de moda para pensar em soluções mais sustentáveis.
Ao longo destes eventos, foram identificados temas-chave que ligam as coleções às tendências culturais e de consumo.
A mentalidade “menos é mais”, a celebração da neutralidade corporal, a sobreposição do otimismo face à desgraça e a evolução em vez de revolução foram alguns dos sete tópicos principais desta estação, enumerados pelo WGSN.
O inegociável
A sustentabilidade passou de algo benéfico para um elemento essencial. Para os designers isto representa um passo obrigatório para o futuro e, nas coleções primavera-verão 2020, muitos já produziram uma apresentação neutra em carbono e cenários recicláveis de forma a reduzir o desperdício.

Gabriela Hearts, Gucci e Burberry atenderam ao facto de que a indústria de moda é responsável por grande parte da produção de carbono e comprometeram-se a reduzir as emissões e a fazer um donativo para instituições que apoiam o planeta.
A Dior teve 164 árvores no desfile, que prometeu replantar depois. Também a Bally se comprometeu a voltar a plantar ou devolver a madeira, plantas e flores que usou, assumindo a ideia de circularidade.
Identidade e evolução
Os designers embarcaram numa jornada transformadora que adota uma estratégia fora do comum e prefere pequenas evoluções estéticas e de identidade em vez de uma revolução sazonal.

Simon Porte Jacquemus, fundador da marca Jacquemus, fez uma publicação no Instagram em que destacou os benefícios de sair da zona de conforto no mês da moda. «Quero projetos com significado, boas práticas, reuniões e mais partilha» afirmou o designer.
Com a mentalidade “menos é mais”, o japonês Tomo Koizumi provou que o sucesso não é sinónimo de excesso com uma demonstração de apenas oito peças e uma única modelo na loja de Marc Jacobs do Soho. Koizumi, sublinha o WGSN, provou que é possível cativar com uma coleção muito mais pequena que convencional e num espaço pré-existente sem muitos adereços.
Ter uma estética e identidade consistentes podem ser fatores de diferenciação positivos para os consumidores preocupados com o meio ambiente. A intemporalidade das peças, associada ao valor a longo prazo, é também considerada um elemento a ter em conta.
Colaborações e simplicidade
Cansados da promoção extrema dos produtos e da falta de um propósito significativo, os consumidores anseiam por conteúdos mais profundos, considera o WGSN. Unir forças parece ser a solução para poupar dinheiro, tempo e minimizar o impacto ambiental. Em vez dos designers competirem uns com os outros, passam a colaborar e a apresentar ideias conjuntas mais surpreendentes, sem nunca perder a identidade de cada um. Exemplo disso foi a colaboração dos designers emergentes Section 8, Vaquera e CDLM/Creatures of the Wind.
O objetivo das colaborações é engrandecerem-se mutuamente sem nunca deixarem de se afirmar com base na identidade própria. A Hyundai fez uma parceria com a Zero + Maria Cornejo para uma coleção cápsula de 15 peças feita com restos de couro usado para o interior dos automóveis. A aliança destas duas marcas «demonstrou que parceiros improváveis podem criar beleza a partir da reutilização de desperdícios».
Numa altura em que há mais designers que nunca a lutarem pelas atenções, a extravagância já não está entre as preferências dos consumidores, refere o WGSN. O público prefere modelos simples com que se possam relacionar. A monotonia das coleções tornou-se apelativa. A Bottega Veneta, conduzida pela criatividade de Daniel Lee, optou por peças comuns com detalhes peculiares que passam despercebidos aos olhos dos menos entendidos na matéria. Nesta perspetiva, a influenciadora Danielle Bernstein foi muito elogiada por conjugar peças mais usáveis na semana de moda.
Mudanças e normalidade
Foram vários os desfiles que tentaram contar uma história sobre a sociedade. Contudo, os temas polémicos foram considerados como sendo de mau gosto por parte das audiências.
Para homenagear a vulnerabilidade da sociedade, uma das modelos da Gucci caminhou pela passerelle com uma mensagem escrita nas mãos que dizia “saúde mental não é moda”. A ideia era mostrar que a moda pode atuar como um catalisador de mudanças, mas também pode representar um perigo para a sociedade.
A influenciadora Xenia Adonts confidenciou que recebeu muitas mensagens sobre o efeito que a intensidade da semana de moda estava a produzir na saúde mental nos seguidores do Instagram. «Se estou aborrecida e não acho interessante porque é uma sobrecarga de conteúdo, como é que as pessoas que não estão na indústria de moda vão achar interessante», escreveu.
O YouTuber James Charles publicou uma única fotografia da Marc Jacobs que acabou por se tornar a mais valiosa da semana de moda de Nova Iorque, de acordo com a empresa LaunchMetrics. Estes dados revelam que uma única publicação com um conteúdo pouco elaborado pode ter um bom desempenho e pode ser uma estratégia para as marcas adotarem.

O amor próprio e a autoestima estão entre os temas mais fomentados na atualidade, no entanto, normalizar o corpo não está tão relacionado com os aspetos referidos, mas mais com a aceitação. Quanto mais as marcas estão abertas à inclusão, mais o processo de aceitação corporal se normaliza.
A Mugler alargou o número de tamanhos numa coleção ousada de lingerie. O designer Casey Cadwallader, à frente dos destinos criativos da marca, «não estava a explorar uma tendência, mas a abrir a marca à normalização de todos os corpos sem celebrar nenhum tamanho em particular», aponta o WGSN.
«Assisti a 27 desfiles e diria que quatro deles foram realmente inclusivos», afirmou a influenciadora Danielle Prescod, que pediu ao CFDA (Council of Fashion Designers of America) que implementasse mudanças que fossem ao encontro da inclusão.
Alegria nas passerelles
As marcas optaram por aproveitar um período menos positivo pelo qual a sociedade está a passar e levaram positivismo e alegria às coleções das semanas de moda.
A música deu ritmo e alegria às passerelles de Susan Alexandra, Issey Miyake e Deveaux. Já Marc Jacobs apresentou a coleção em jeito de celebração do sonho e abraçou o estilo eterno sem fronteiras.
