À semelhança do que está a acontecer com diversas indústrias, o mercado mundial da produção de vestuário está a atento às potencialmente revolucionárias aplicações de ferramentas generativas de inteligência artificial, como o ChatGPT.
Abreviatura de Chat Generative Pre-trained Transformer, o ChatGPT é uma ferramenta de inteligência artificial criada para perceber as perguntas feitas por humanos – por texto ou voz – e responder de uma forma semelhante. Desenvolvido e lançado em novembro de 2022 pelo laboratório de inteligência artificial OpenAI, o ChatGPT recorre ao chamado “mecanismo de auto-atenção”, um sistema que usa dados de uma fonte, como a internet, para produzir informação na forma de texto.
Segundo Bharati Rathore, especialista em gestão de moda na Escola de Têxteis e Moda da Brimingham City University, do Reino Unido, a indústria do vestuário está já a identificar como pode beneficiar do ChatGPT ao longo de toda a cadeia de aprovisionamento, desde os processos produtivos à interação com os consumidores. «A investigação [académica] sobre o ChatGPT na indústria têxtil pode focar-se em como esta tecnologia pode ser usada para otimizar o processo de produção, gerar apoio ao consumidor automático e significativo ou desenvolver recomendações personalizadas para os consumidores», explica, num artigo publicado no Just Style. «Por exemplo, o sistema pode ser treinado com dados de uma linha de produção para detetar quaisquer anomalias ou mudanças de processo que possam levar a defeitos e avisar os funcionários envolvidos», acrescenta.
Enquanto aplicações deste tipo estão a ser trabalhadas, outros na indústria da moda estão já abertamente a fazer experiências com o ChatGPT em questões de marketing.
Shadi Adada, CEO da agência de design e produção FittDesign, sediada em Beirute, considera que os proprietários de marcas de moda têm «uma oportunidade tremenda» de usar ferramentas como o ChatGPT para maximizar a eficiência dos seus negócios, dando como exemplos a geração de emails de apoio ao consumidor e a criação de estratégias e conteúdos para as redes sociais, podendo até funcionar como uma espécie de consultor de marcas de moda. Shadi Adada recomenda ainda que seja ponderada a sua utilização como ferramenta para fornecer dados sobre o negócio.
Entraves à aplicação
Fora do marketing, há, neste momento, muita renitência sobre a aplicação prática do ChatGPT a indústrias específicas como a moda. «Na minha opinião, a atual interação do ChatGPT ainda está longe de ser considerada adequada para utilização comercial, certamente não dentro do contexto de uma cadeia de aprovisionamento», sublinha, ao Just Style, George Bargiannis, responsável do departamento de ciência informática na Escola de Computação e Engenharia da Universidade de Huddersfield, no Reino Unido.
George Bargiannis realça que o ChatGPT está treinado para o que dificilmente tem relevância para as operações do dia a dia de uma cadeia de aprovisionamento específica, já que a maior parte dos dados diretamente relacionados com estas marcas não estão disponíveis publicamente. Um produtor de vestuário teria, por isso, de treinar o chatbot com um conjunto de dados específicos para que a tecnologia conseguisse ser útil. «Uma versão à medida [do ChatGPT] treinada com os dados fornecidos por uma marca particular ou rede de marcas afiliadas será provavelmente mais capaz de ajudar em tarefas como a seleção e avaliação de fornecedores, analisando rapidamente as capacidades de um candidato a fornecedor e registar o comportamento com base no histórico de informação», esclarece. «Se o objetivo é ser usado para tarefas especializadas como manutenção preditiva dentro de um processo específico de produção (…) um ChatGPT que tenha acesso a anos de registos de tarefas de manutenção vai potencialmente ser capaz de ajudar na monitorização – offline e online – de uma linha de assemblagem para detetar e prever falhas dos equipamentos», aponta.
George Bargiannis sustenta que embora as ferramentas de inteligência artificial como o ChatGPT possam ajudar a reduzir os custos operacionais e de recursos dessa forma, a integração mais abrangente só pode ser conseguida se estas tecnologias puderem, pelo menos parcialmente, explicar as suas respostas, algo que não é possível neste momento, o que faz com que haja o risco das cadeias de aprovisionamento poderem operar com informação errada. «Imaginem um cenário em que um gestor de compras numa fiação pergunta ao ChatGPT que fornecedor escolher para a encomenda de uma fibra particular. Será que pode confiar na resposta que recebe se não for acompanhada por uma explicação clara, que depende de critérios específicos que apoiem essa decisão?», questiona.
O responsável do departamento de ciência informática na Escola de Computação e Engenharia da Universidade de Huddersfield duvida ainda das potenciais utilizações da inteligência artificial para responder a questões como a contrafação e a melhoria da sustentabilidade de produtos de moda. «A rastreabilidade e a visibilidade ao longo da cadeia de aprovisionamento da moda é ainda um grande desafio e as barreiras para chegar aí não estão primariamente relacionadas com a maturidade da tecnologia, mas sim com a não disponibilidade da infraestrutura e legislação necessárias», destaca. Por exemplo, passou apenas um ano desde que a Comissão Europeia adotou uma proposta para criar o passaporte digital do produto para promover a venda de artigos sustentáveis na UE. Até que iniciativas relacionadas com a rastreabilidade estejam operacionais, tecnologias como «o ChatGPT serão incapazes de contribuir para qualquer melhoria, já que dependem do acesso a esse tipo de dados para facilitar os processos de rastreabilidade», resume George Bargiannis.