Chineses abandonam Prato

A crise provocada pelo novo coronavírus está a levar ao êxodo de emigrantes chineses da região italiana, depois de mais de 30 anos a construir uma indústria têxtil e vestuário direcionada para preços baixos. As dificuldades da economia e a discriminação já levaram 10% da comunidade a regressar à China.

[©Confindustria Toscana Nord]

A comunidade chinesa começou a instalar-se na região de Prato, a poucos quilómetros a norte de Florença, no final dos anos 80, atraída pelo emprego existente nas fábricas que produziam para a indústria de moda italiana. Segundo um artigo da Reuters, a maior parte era proveniente de Zhejiang, tendo acabado por criar uma indústria paralela que fabrica tecidos e vestuário low-cost.

A comunidade cresceu, registando, no final de 2019, cerca de 25 mil indivíduos, que detinham aproximadamente 6.000 empresas numa região com 200 mil pessoas, transformando Prato numa das maiores concentrações de indústria lideradas por chineses na Europa.

Desde a primavera do ano passado, contudo, com a chegada do Covid-19, cerca de 2.500 chineses, ou 10% da comunidade, foi embora. Para muitos chineses em Prato, a pandemia foi a gota de água que fez transbordar o copo, intensificando as dúvidas sobre o seu futuro em Itália, a economia com pior desempenho da Europa.

Primeiro, os chineses começaram a ser discriminados e considerados fontes de disseminação da doença. Depois, quando se verificou que a comunidade passou praticamente incólume à pandemia numa altura em que Itália acumulou mortos, passou a ser vista como modelo a seguir para combater o vírus.

Agora, de acordo com a Reuters, muitos estão a desistir, desgastados pela recessão provocada pela crise sanitária e atraídos de novo para a China pelo seu sucesso a combater a pandemia e melhores perspetivas económicas.

Simona Zhou, de 50 anos, regressou a Zhejiang em julho do ano passado depois de quase 30 anos em Prato, deixando a sua confeção de vestuário em malha entregue a familiares. Com uma doença crónica, sentiu-se vulnerável ao novo coronavírus e mais segura na casa da mãe, na China, onde a doença foi praticamente eliminada. «Se ela voltasse cá, teria de ficar sobretudo em casa, mas em Zhejiang não há restrições e as pessoas nem sequer têm de usar máscara», explica a filha de Simona Zhou, Teresa Lin, membro do conselho municipal de Prato.

China dá segurança

Itália contabiliza neste momento mais de 124 mil mortos, enquanto a China reportou menos de 5.000.

Marco Wong [©Comune di Prato]
No entanto, muitos chineses foram embora mais por causa das dificuldades económicas do que com medo do contágio, já que a indústria italiana de preços baixos foi severamente afetada pelos sucessivos confinamentos.

A economia está agora a abrir gradualmente, mas para muitos trabalhadores têxteis chineses, o dano já está feito, aponta a Reuters, citando as estimativas da jornalista Huang Miaomiao, também ela chinesa de Zhejiang, a viver em Prato, que calcula que 10% da comunidade chinesa tenha voltado à China no ano passado. Um número confirmado por Marco Wong, também ele membro do conselho municipal, que considera que o número é «realista».

Os dados oficiais ainda não espelham esta realidade, uma vez que pode demorar anos até que todos os retornados informem as autoridades italianas. «Há muitas conversas na comunidade sobre voltar [para a China] entre as pessoas que vieram para cá nos anos 80», conta Marco Wong. «Eles veem a economia chinesa a crescer e a forma como lidou com a pandemia reforçou a visão positiva do seu país de origem em comparação com a maneira como as coisas foram geridas em Itália», destaca.

A economia italiana contraiu 8,9% no ano passado, resultando na perda de meio milhão de postos de trabalho nos 12 meses até março.

Além da saída de um número crescente de chineses, as novas chegadas a Prato também desapareceram, de acordo com o membro do conselho municipal, que cita os números de matrículas nas escolas. Até 2019, cerca de 200 novos alunos chineses entravam anualmente nas escolas de Prato, refere Wong, enquanto em 2020 e 2021 esse número foi «estatisticamente irrelevante, praticamente zero».

Economia paralela

A comunidade chinesa de Prato foi severamente atingida pela recessão porque muitos trabalham na economia paralela, ou seja, não são elegíveis para apoio governamental com base nos documentos de IRS submetidos no ano anterior.

[©Xinhua]
«A maior parte das empresas chinesas em Prato está em grandes dificuldades», reconhece Luigi Ye, presidente da ICFA – Italy China Friendship Association, que ofereceu ajuda financeira a 800 famílias chinesas no ano passado.

Tradicionalmente, os chineses de Prato ajudam-se uns aos outros e dispensam a segurança social, mas esta filosofia de autoajuda desvaneceu-se por causa da crescente pobreza provocada pela pandemia.

No ano passado, o conselho municipal recebeu 449 pedidos de chineses para vales de alimentação e 218 pedidos de ajuda para pagar a renda. Em 2019, nenhum cidadão chinês tinha pedido ajuda para assistência à habitação.

«O problema é que já não há trabalho, apenas medo», admite Luca Zhou, que lidera a associação de proteção civil à comunidade chinesa. «Muitos chineses foram embora e muitos mais querem sair», garante à Reuters.