CETA abre as portas do Atlântico

No dia em que o CETA entrou em vigor, o workshop “Os têxteis através do Atlântico” lançou luz sobre o mercado da América do Norte, num evento que serviu de palco para uma discussão mais vasta sobre as oportunidades além-mar do ponto de vista da Somelos e da Pizarro.

Depois de nove anos em negociações, o CETA, o tratado comercial entre União Europeia e Canadá, entrou ontem, 21 de setembro, em vigor e esteve em foco no workshop “Os têxteis através do Atlântico”, organizado pela ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.

O novo acordo, apontou Isabel Oliveira, senior researcher da Magellan, «é extremamente complexo», sendo composto por 30 capítulos e 1.500 páginas. Este acordo faz parte de uma nova ambição que a UE tem para as parcerias comerciais que está a estabelecer. «São acordos que extravasam o que era um acordo comercial e regulamentam muitas mais matérias. É mais fácil eliminar barreiras aduaneiras. Aqui não basta anular obstáculos, é preciso criar novas regras comuns», explicou Isabel Oliveira.

Isabel Oliveira

Além do acesso ao mercado, com a eliminação imediata dos direitos aduaneiros para a maioria dos bens industriais, incluindo o fim da taxa de 18% sobre os produtos têxteis e vestuário, o CETA, indicou Isabel Oliveira, trará consigo também, numa segunda fase, a liberalização de serviços, o reconhecimento mútuo de qualificações profissionais, proteção dos direitos de propriedade intelectual, a abertura dos mercados públicos e um tribunal permanente para decidir litígios de investimento internacional.

«Os EUA representam um parceiro económico muito importante, mas o Canadá tem sido muito discreto. Será interessante ver em que medida o Canadá poderá ser um mercado interessante e se isso pode beneficiar as exportações», afirmou a senior researcher da Magellan.

Porta de entrada

Prova viva desta perspetiva é a Pizarro. A empresa, fundada em 1983, tem nos EUA um mercado cada vez mais importante, representando atualmente cerca de 5% a 6% da faturação, com clientes como a marca PRPS (ver Com as calças na lama) – que é também parceira da empresa portuguesa no Concurso Paulo Ribeiro by Pizarro (ver Jovens brilham na Pizarro) –, mas o Canadá ainda é praticamente terreno “virgem”. «Ainda não nos viramos para o Canadá – neste momento estamos a apostar nos EUA e nos mercados escandinavos. Mas confesso que o facto de termos falado sobre isso hoje implica, se calhar, alguma pesquisa e algum estudo. Se houver clientes interessantes, e eu acredito que haja…», deixou a hipótese no ar Margarida Pizarro, diretora industrial da empresa.

Já a Somelos abriu um escritório nos EUA há cerca de três anos para trabalhar melhor os clientes e o país liderado por Trump é atualmente o melhor mercado da empresa, tendo ultrapassado Itália, referiu Paulo Melo, administrador da Somelos SGPS.

O Canadá, afirmou o também presidente da ATP ao Portugal Têxtil, «é um mercado de menor dimensão, mas é um mercado que pode ser uma porta de entrada, se as coisas correrem mal, para os EUA. Tal como o México, que pode ser um bom mercado de entrada. Tanto se pode ir pelo norte como pelo sul».

Esperança para o TTIP

O congelamento das negociações do TTIP não prejudicou, até agora, o negócio da Somelos do outro lado do Atlântico, mas o acordo, acredita Paulo Melo, iria favorecer as trocas comerciais dos portugueses. «Com o TTIP, tínhamos condições nos próximos anos de ter níveis de crescimento para o têxtil, em geral, muito superiores aos do passado e sempre de uma forma crescente nos próximos 10 anos. E para o sector industrial português, no geral, era muito importante ter isso», sublinhou ao Portugal Têxtil.

Embora, para já, o TTIP esteja “na gaveta”, o eurodeputado José Manuel Fernandes destacou que o acordo comercial com os EUA não é para esquecer. «Espero que este CETA possa funcionar como exemplo para o TTIP», acrescentou.

Paulo Vaz

O mesmo acredita Paulo Vaz, diretor-geral da ATP. «O CETA pode ter duas vantagens muito grandes. A primeira é ser um acordo de nova geração, um acordo que implica muito mais do que livre comércio, porque toca áreas de investimento, áreas de harmonização de regulamentos técnicos, que vão muito para lá do que é a homogeneização das trocas comerciais. Este é o primeiro de grandes acordos que servirá de farol para todos os outros que vierem a ser assinados daqui para diante. O próprio TTIP era um acordo que iria beneficiar desta nova filosofia e, de alguma maneira, com o CETA em aplicação, poderá ser um estímulo para que a própria Administração norte-americana possa sentir-se entusiasmada a reabrir as negociações», referiu ao Portugal Têxtil.

Um mercado de milhões

Com 35 milhões de consumidores com dinheiro para gastar, o Canadá é ainda um mercado pouco explorado pela indústria têxtil e vestuário nacional, com as exportações no ano passado a atingirem 37,7 milhões de euros.

Se a esse valor forem somadas as exportações para os EUA (que atingiram 264,3 milhões de euros em 2016 e, nos primeiros sete meses do ano, estão a crescer 13%), e para o México (25,8 milhões de euros), a América do Norte representa já 327,8 milhões de euros das exportações portuguesas de matérias têxteis e suas obras, o equivalente a 6,5% do total de exportações do sector em 2016.