À primeira vista, o calçadão da praia de Ipanema no Rio de Janeiro parece tão rico, vibrante e divertido como foi durante os anos de crescimento do país. Os surfistas com as suas pranchas, os ciclistas a passarem por entre os desportistas que não prescindem da corrida matinal e dos veraneantes que se deitam ao sol a beber água de coco. À superfície, a cidade parece o local perfeito para os próximos Jogos Olímpicos.
Mas basta falar com alguns locais ou ler as notícias para perceber que o Rio dista de estar pronto para receber os milhares de visitantes que deverão viajar para a cidade em agosto e que a economia brasileira revela problemas, garante o Business of Fashion. O que começou como um declínio – alimentado pelo abrandamento do crescimento na China, o maior parceiro comercial do Brasil –, tornou-se na pior recessão dos últimos 30 anos.
Em 2015, o índice de preços ao consumidor subiu 10,67%, a maior taxa de inflação em 13 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo ano, o PIB do país diminuiu 3,8%, para 5,9 biliões de dólares, a maior queda desde 1990. Em março de 2016, a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas anunciou que o número de empresas em incumprimento tinha aumentado 11,08% em comparação com o ano anterior.
Não é apenas a economia que está com problemas. O cenário financeiro negativo contribuiu para o processo de “impeachment” de Dilma Rousseff, que foi substituída pelo seu vice-presidente, Michel Temer, a 12 de maio. Enquanto Rousseff é acusada de alterar as contas do país, com as chamadas “pedaladas fiscais”, para esconder o aumento do défice, o próprio Temer foi recentemente condenado em tribunal por doações de campanha que estariam acima do limite legal. Além disso, o partido que representam e os seus aliados estão ainda envolvidos no chamado caso Lava Jato, que envolve subornos relacionados com a empresa petrolífera Petrobas. Segundo o Business of Fashion, a corrupção não é um assunto novo para o Brasil, mas torna-se mais difícil de ignorar quando a taxa de desemprego aumenta quase 2% num ano, tendo atingido 8,5% em 2015, em comparação com 6,8% em 2014.
Embora a extravagância do desfile da coleção Cruise da Louis Vuitton no fim de semana passado possa sugerir outra coisa, a verdade é que a atual situação está a ter um forte impacto no apetite do país por artigos de luxo. «Ninguém sabe o que é que vai acontecer aqui em termos políticos – essa é a verdade. É uma situação muito estranha a qualquer nível», afirma, ao Business of Fashion, a consultora brasileira da indústria da moda Gloria Kalil. «O Brasil passa uma mensagem falsa, de beleza, abertura. Mas não sei quem continua a comprar aqui agora. Às vezes vai-se a essas grandes lojas de luxo e vê-se que não há ninguém durante dias e dias. É muito difícil perceber o problema, nunca se obtém respostas diretas quando se faz perguntas. Eles afirmam que enviam as coleções às casas dos clientes. Talvez estejam certos, talvez saibam o que estão a fazer. Não tenho a certeza», acrescenta.
Ainda assim, não é difícil perceber os motivos da Louis Vuitton para escolher o Brasil ou porque é que a Hermès – que esta a patrocinar a equipa brasileira de salto a cavalo nos Jogos Olímpicos – está a abrir uma segunda loja no país, a primeira no Rio de Janeiro, este verão. É um mercado importante para os bens de luxo porque continua a ser a casa de muitas pessoas ricas. O país representa mais de 50% dos mais ricos da América do Sul – 3,97 biliões de dólares (cerca de 3,55 biliões de euros) –, uma queda de apenas 1,4% face a 2014, segundo um estudo de 2015 da Capgemini. «O Brasil não é um mercado maduro», afirma Carlos Jereissati Filho, diretor-executivo da Iguatemi Empresa de Shopping Centers SA. «Ainda há muitas oportunidades para crescer», admite.
As taxas elevadas de importação, que tornam os bens de luxo significativamente mais caros no país – às vezes 50% ou 60% – têm sido um travão às vendas. Contudo, muitas marcas de luxo começaram a ajustar os seus preços no Brasil para os pôr mais em linha com os valores praticados noutras partes do mundo. Além disso, os consumidores brasileiros, que tradicionalmente fazem muitas das suas compras no exterior, estão provavelmente a gastar mais “em casa”. Os brasileiros desembolsaram 17,4 mil milhões de dólares no estrangeiro em 2015, menos 32,1% do que no ano anterior e o valor mais baixo desde 2010, segundo um estudo do Banco do Brasil. Segundo Carlos Filho, «como viajam menos, tendem a comprar mais no país».
Há muitos clientes de topo do Brasil que preferem comprar perto de casa não só porque podem mas também porque preferem estabelecer uma relação com vendedores que falam a sua língua e percebem os costumes locais. Segundo referiram alguns especialistas ao Business of Fashion, isso aplica-se sobretudo a quem vive em regiões mais rurais e não passa muito tempo no estrangeiro. Uma loja em Paris ou Milão pode ser intimidante.
«Uma coisa boa é que a maior parte das pessoas ricas que vive nas áreas rurais do Brasil são agricultores e importantes investidores no negócio agrícola, uma das poucas indústrias que não está em crise no Brasil», revela Maria Rita Alonso, diretora da revista L’Officiel Brasil. «Para eles, o consumo está ainda a subir. É uma situação muito diferente daquela que vive a elite industrial, como os sectores da construção e do imobiliário, que está a sofrer mais com a crise», aponta.
O retalho local também permite que os consumidores brasileiros de luxo aproveitem a cultura do país de pagar em prestações – o chamado “parcelado”. A maior parte da população, independentemente do nível de rendimentos, paga tudo, das compras no supermercado aos sapatos, em “parcelas”. As marcas ocidentais que permitem este tipo de pagamento estão a ter melhores resultados do que as outras, mas também reconhecem um lado negativo nesta estratégia. «O problema com o consumidor de luxo no Brasil é que muitos tendem a comprar a crédito», explica Gustavo Gomez, diretor de investigação e metodologia na empresa de estudos do comportamento do consumidor Envirosell. «Muitas destas marcas não têm juros zero, por isso, com as taxas de juro a subir, o preço dos bens está a aumentar e os consumidores estão muito mais cautelosos», refere.
E embora o Brasil seja um país feito sobretudo de consumidores, e não de poupadores, o dinheiro está a ser atualmente alocado a outro tipo de gasto que não bolsas. «Há um aumento nos valores das rendas porque muitas pessoas não estão a comprar casa, o que está a levar o rendimento disponível que uma família da classe média-alta possa ter para as despesas do dia a dia em vez de para o luxo ou um artigo de consumo», acrescenta Gomez.
Algumas marcas internacionais de moda, contudo, têm tido dificuldade a ganhar tração no Brasil devido à não identificação cultural que não tem nada a ver com as finanças. Por exemplo, «a Kate Spade New York e outras marcas muito americanas não têm uma ligação com o mercado brasileiro», sustenta Carlos Filho. «As marcas italianas e francesas são mais desejadas. Demora tempo a realmente conhecer o mercado», sublinha. Mas não são apenas os players de luxo aspiracional que têm sentido dificuldades, argumenta Gloria Kalil. «As pessoas não compram marcas que não sejam bem conhecidas», afirma. «Grandes empresas como a Chanel, Prada e Hermès podem aguentar anos de uma economia debilitada. Mas nomes que não tenham grandes estrelas não vão ser capazes de aguentar os anos que vai demorar para nos recuperarmos», acredita.
Com efeito, destaca o Business of Fashion, parece que o principal desafio para as marcas de luxo não é a confiança do mercado ou os padrões de compra tradicionais, mas uma simples mudança nas circunstâncias para a nova elite. «Há muita desigualdade na economia brasileira: há os super-ricos mas há também pobreza. Nas últimas duas décadas, o Brasil fez um grande esforço para diminuir as desigualdades, o que significou que muitas famílias ascenderam à classe média e muitas famílias da classe média entraram na classe média-alta», indica Gustavo Gomez.
Mais de 50 milhões de brasileiros ascenderam à classe média-baixa (definida como os que têm rendimentos mensais entre 1.646 e 6.585 reais, equivalente a 409 a 1.637 euros), à classe média (de 6.585 a 9.954 reais) e à classe média-alta ou rica (9.954 reais ou mais) entre 2004 e 2014. No final desse ano, a classe média no Brasil tinha atingido 130 milhões de pessoas, mais 63% do que uma década antes.
«Foi isso que criou este mercado para o luxo», refere Gustavo Gomez. Mas esse número começou a diminuir em 2015, de acordo com um estudo do banco brasileiro Bradesco. Entre janeiro e novembro do ano passado, 2,6 milhões de pessoas deixaram as classes média e média-alta, enquanto 3,7 milhões desceram da classe média-baixa. As classes de “extremamente pobres” e “pobres”, contudo, aumentaram 6,5 milhões. «Agora que a economia está incerta, as taxas de juro estão a crescer, o desemprego está a subir, a previsão é que a desigualdade vá aumentar. O consumidor potencial que aspirava a comprar algo luxuoso já não o consegue fazer», refere o diretor de investigação e metodologia na empresa de estudos do comportamento do consumidor Envirosell.
Por isso, embora as expectativas para o Brasil continuem elevadas, é pouco provável que haja uma onda de novas aberturas de lojas, sobretudo se os números reais forem um indicador. Em 2015, o volume de vendas a retalho desceu 4,3%, segundo o IBGE. «As vendas no mercado do luxo do Brasil foram afetadas como todos os outros sectores do retalho», resume Maria Rita Alonso.