As vantagens e desafios da ITV do Paquistão

A pandemia foi menos penalizadora para o país do que para os seus vizinhos, mas ainda assim o Paquistão tem desafios a ultrapassar, desde a instabilidade política à necessidade de mais tecnologia. A verticalidade da sua cadeia produtiva, o apoio governamental e novos investimentos são, contudo, mais-valias para o futuro.

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O Paquistão teve uma série menos dramática de confinamentos do que os países vizinhos do sul da Ásia e a sua indústria têxtil e vestuário aproveitou os investimentos recentes para aumentar as exportações, revela o Just Style.

De acordo com Rahim Nasir, presidente do conselho de administração da All Pakistan Textile Mills Association (APTMA), as exportações de têxteis e vestuário cresceram 23% em termos anuais em 2020/2021, para 15,4 mil milhões de dólares (14,8 mil milhões de euros), em comparação com 2019/2020. Cerca de 70% das exportações foram de produtos com valor acrescentado por processos industriais, sublinha.

Já Hamid Zaman, presidente para a zona norte da APTMA, destaca que as exportações do Paquistão de lençóis, vestuário em malha e vestuário em tecido de valor mais acrescentado aumentaram, enquanto as exportações de fio de valores mais baixos encolheram.

Por seu lado, Syed Emad Raza, presidente da Manufacturers & Exporters Ferozpur Road Association de Lahore, um dos centros produtivos, realça que os compradores internacionais ficaram alarmados com o aumento dos casos de covid no Bangladesh e na Índia. «Estas compras por parte dos compradores internacionais beneficiaram-nos e eles mudaram as encomendas da Índia e do Bangladesh para o Paquistão», afirma ao Just Style.

Tem havido mais otimismo no sector devido às mudanças políticas no país, com a ascensão ao poder de uma aliança encabeçada pelo primeiro-ministro Shehbaz Sharif, do partido Liga Muçulmana do Paquistão (Nawaz), em coligação com o Partido do Povo do Paquistão, depois de uma moção de censura ter deposto Imran Khan, do partido Tehreek-e-Insaf do Paquistão (PTI).

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O plano para o desenvolvimento da indústria têxtil e vestuário para 2020-2025 traçado pelo governo anterior deverá manter-se e a incerteza política deverá agora diminuir, com o novo governo a dever manter-se em funções até às próximas eleições, agendadas para julho de 2023, acredita Haris Ateeq, vice-presidente da Câmara de Comércio de Lahore.

O novo governo terá, no entanto, de trabalhar para manter o apoio do sector de vestuário do país. Hamid Zaman assegura que o governo de Imran ajudou a indústria a crescer e a expandir as vendas internacionais – sendo que as exportações de têxteis e vestuário deverão gerar um volume de negócios de 21 mil milhões de dólares no final do ano fiscal de 2021/2022, que termina em junho.

Executivos da indústria têxtil e vestuário do Paquistão disseram ao Just Style que estão ainda esperançosos que o investimento aumente, assim como as exportações, que, de acordo com a APTMA, representam 1,6% do comércio mundial de têxteis e vestuário.

Investimentos a crescer

A política para os têxteis e vestuário inclui como objetivo aumentar as exportações de têxteis e vestuário para 25,3 mil milhões de dólares até 2025 e para 50 mil milhões de dólares até 2030. Isso significaria aumentar a quota do Paquistão nas exportações de têxteis e vestuário para 3%. Para além de limitar os preços cobrados pela energia, a política inclui propostas para aumentar a produção de algodão do país para 20 milhões de fardos nos próximos cinco anos, reduzir os custos das matérias-primas e preservar as reservas de moeda estrangeira. O plano também compromete o governo a aumentar a produção de fibras não-naturais a preços competitivos através da racionalização de taxas alfandegárias e outros impostos.

O governo também se compromete a ajudar a indústria têxtil a lidar com as interrupções provocadas pelo covid na cadeia de aprovisionamento e atrair investimento doméstico e externo nas cadeias de valor têxtil e subir para sectores de valor acrescentado, com foco especial nas pequenas e médias empresas.

Assumindo que a política sobrevive, Abdul Razak Dawood, conselheiro do ex-primeiro-ministro para o sector têxtil e vestuário, assumiu, numa conferência de imprensa antes da queda do governo, que o principal compromisso era «dar, por escrito, à indústria têxtil, [um compromisso] para garantir taxas competitivas de eletricidade e gás, em termos regionais e internacionais, ao longo do período da política».

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Para uma indústria que tem reclamado muitas vezes dos elevados custos energéticos no Paquistão, esse compromisso não inclui um teto formal de preços. O plano original, indica Dawood, prometia congelar as taxas existentes até 2025. Mas tendo em conta o aumento dos preços da energia (que têm vindo a aumentar substancialmente devido à guerra na Ucrânia) e os recursos orçamentais limitados do Paquistão, a promessa foi revista para oferecer apenas competitividade a nível internacional.

Apesar deste revés, Rahim Nasir afirma que os estudos sobre a indústria apontam para novos investimentos na ordem dos 5 mil milhões de dólares nos próximos tempos, com 100 novas unidades de produção têxtil a deverem abrir em breve.

Syed Emad Raza sublinha que estes investimentos estarão centrados em Lahore e Karachi, embora a Masood Textile e a Interloop (uma especialista em meias e collants), ambas sediadas em Faisalabad, planeiem instalar novas unidades de denim. Algumas empresas não-têxteis estão igualmente a ponderar investimentos no sector – a produtora de eletrónica Orient Electronics está a planear criar uma confeção em Lahore, adianta o presidente da Manufacturers & Exporters Ferozpur Road Association de Lahore, que é também CEO da W.E. Apparel.

Aumentar as exportações

Os grandes produtores e exportadores do Paquistão estão também a aumentar os investimentos em sustentabilidade, reduzindo o seu impacto ambiental, que pode impulsionar as vendas internacionais para consumidores preocupados com a compra de produtos mais ecológicos. «Na minha própria empresa instalamos uma estação de tratamento de água com um custo de 830 mil dólares», aponta Emad Raza.

Se estes investimentos se concretizarem e houver um aumento de capacidade, o Paquistão poderá aumentar o seu peso no mercado mundial. De acordo com a Pakistan Readymade Garments Manufacturers and Exporters Association (PRGMEA), os principais mercados de exportação de têxteis e vestuário produzidos no Paquistão são os EUA (28%), o Reino Unido (11%), a Alemanha (7%), os Países Baixos (7%), a China e Espanha (cada um com 5%), a Itália e o Afeganistão (4% cada), o Bangladesh e a Bélgica (3% cada) e França (2%).

Há, todavia, uma necessidade de diversificação, confirmada pela APTMA, já que o país exporta 75% dos seus produtos para apenas 10 países. Ao aumentar tanto o número de produtos quanto os mercados, o sector pode melhorar o seu valor agregado, acredita a associação, acrescentando que a política têxtil e de vestuário 2020-2025 aborda essas questões.

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Segundo o presidente do conselho de administração da APTMA, Rahim Nasir, manter os custos de energia baixos funciona, destacando como, em 2019, o governo do Paquistão reduziu as tarifas de eletricidade e gás pagas pela indústria têxtil e de vestuário e isso atraiu novos investimentos no sector têxtil. «Registamos um crescimento de mais de 20% durante esse período», afiança ao Just Style.

Da fibra ao vestuário

O crescimento da capacidade tem de continuar, sublinha Nasir, para que a indústria possa lidar melhor com as flutuações na produção de algodão do Paquistão. «Este ano, esperamos 12 milhões de fardos de algodão, em comparação com uma procura de 16 milhões e para preencher a lacuna seremos obrigados a importar», avança. Mesmo que essa meta seja alcançada, será uma melhoria significativa na produção dos últimos dois anos, de acordo com a Karachi Cotton Association, que afiança que o Paquistão produziu 8,46 milhões de fardos de algodão em 2021 e 7,06 milhões de fardos em 2020. As principais razões para a menor produção foram a qualidade inferior das sementes de algodão, pesticidas ineficientes e a falta de água para irrigação, que diminuíram as áreas cultivadas de algodão.

Hamid Zaman está preocupado com essa debilidade da produção de algodão. «Nos últimos três anos, a indústria teve que importar devido à reduzida produção», com uma média de três milhões de fardos de algodão a serem importados anualmente, observa.

Para lidar com a escassez, o governo precisa de fortalecer a investigação e desenvolvimento em algodão, de forma a criar algodão de alto rendimento e resistente a pragas, considera Hamid Zaman.

Obter mais previsibilidade na produção doméstica de algodão possibilitaria ao Paquistão usar os seus pontos fortes. O país é o quinto maior produtor de algodão e possui a terceira maior capacidade de fiação da Ásia, a seguir à China e à Índia, contribuindo com 5% para a capacidade global, segundo a APTMA.

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De acordo com um relatório do Conselho de Investimento e Comércio do Paquistão (PBIT) divulgado em 2018, o algodão é a verdadeira força da indústria têxtil e vestuário do Paquistão – especialmente em comparação com seus concorrentes do sul da Ásia, que não possuem essa ligação fundamental a montante. Ter um sector de produção de fibra forte permite que o Paquistão maximize a adição de valor, ao contrário dos concorrentes que confecionam com tecidos importados.

O PBIT salientou que o sector de fiação do país é a espinha dorsal da sua indústria têxtil e de vestuário. Atualmente, compreende 523 unidades, das quais 40 unidades compostas, que representam 13,269 milhões de fusos e 185 mil rotores, e 483 fiações, com 11,083 milhões de fusos e 140.000 rotores. Os níveis de utilização da capacidade instalada rondam os 84% para unidades têxteis compostas e 76% para fiações, de acordo com dados recolhidos para o período entre julho de 2017 e março de 2018.

Para alavancar essa força, é necessário mais investimento em equipamentos modernos, aponta o relatório, que destaca os problemas constantes relacionados com a escassez de fios de qualidade, que agrava os problemas na próxima fase da cadeia de produção, onde o sector de teares elétricos é afetado pela baixa tecnologia. Até 2018 havia 9.084 teares instalados nas fábricas têxteis de algodão do Paquistão, com um nível mais baixo de utilização na época – 6.384, segundo o relatório.

Estatísticas atualizadas fornecidas pela APTMA revelam que no Paquistão existem 517 unidades de fiação com 13,4 milhões de fusos instalados, 375 mil teares, 400 unidades de acabamento – organizadas e não organizadas –, 10 mil unidades de produção de felpos, 1.200 unidades de tricotagem, com 50 mil teares, e 5.000 confeções, (compreendendo 200 mil máquinas industriais e 450 mil máquinas domésticas).

Mais investimentos em equipamentos de produção modernos podem ajudar o Paquistão a deixar de depender de produtos mais baratos e de baixo valor acrescentado nas exportações, que, segundo o PBIT, representam mais de 50% do valor das exportações do país. Tecidos de algodão, fios de algodão, lençóis e vestuário em malha de gama baixa continuam a ser os principais geradores de exportações, refere o relatório. A APTMA assevera que estas categorias ascendem a 60%.

Desafios para o futuro

Olhando para o futuro, além das incertezas políticas, a indústria têxtil e vestuário do Paquistão pode ter que lidar com outras surpresas externas. Uma preocupação destacada por Syed Emad Raza é o facto do estatuto GSP+ (Sistema de Preferências Generalizadas) para acesso comercial privilegiado à União Europeia pode expirar em 2023. Se isso acontecer, poderá provocar um aumento de 12% nos custos dos exportadores devido às taxas. Também há receio de que o país possa entrar na lista negra da Financial Action Task Force (FATF), uma organização de combate à lavagem de dinheiro, por alegada ineficácia no controlo de dinheiro sujo por parte do Paquistão.

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Raza Baqir, diretor-executivo da APTMA, considera que o governo deve continuar a apoiar a economia em geral, que se tem debatido com a pandemia de covid – tendo encolhido 0,9% em 2020, segundo o Banco Mundial. O Banco Estatal do Paquistão atribuiu um financiamento de 2,39 mil milhões de dólares para o fundo de alívio para todos os produtores, incluindo do sector têxtil, durante a pandemia – um programa que expirou em 2021.

O Banco Mundial prevê uma recuperação sólida para o Paquistão este ano, projetando um crescimento do PIB de, pelo menos, 4% em 2022.

Se o Paquistão conseguir estabilizar a sua economia e a sua política, a indústria têxtil e vestuário poderá crescer de forma sustentável, acredita Raza Baqir. Com uma localização estratégica, mais próxima da Europa do que do leste da Ásia, portos marítimos profundos e sólidos serviços de transporte aéreo, o Paquistão também está próximo dos principais mercados emergentes de têxteis e vestuário da China e da Índia, aponta o diretor-executivo da APTMA. Com uma população de 220 milhões, uma classe média cada vez maior e próspera e 35,7% da população com 15 anos ou menos, o Paquistão irá apoiar uma uma crescente indústria da moda interna que pode servir de base para grandes níveis de exportação, conclui.