«As marcas estão a comprar menos do que as pessoas»

O excesso de stock continua a colocar um problema para as retalhistas de vestuário na Europa e na América. Perante o cenário que aglomera milhões dentro de portas, os fornecedores enfrentam mais atrasos nos pagamentos e as fábricas têxteis do Bangladesh lutam novamente pela sobrevivência.

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Depois da crise provocada pelo Covid-19, que tornou o ano de 2020 muito severo, as esperanças da indústria têxtil e de vestuário, em relação à recuperação, voltaram a ser abaladas pelos novos confinamentos, aplicados para tentar conter a propagação da pandemia.

Com o encerramento obrigatório das lojas físicas, algumas retalhistas continuam com stock de roupa do não passado que, por esta altura e nas condições pré-pandémicas, já teriam sido vendidas nos saldos. A Primark retrata isso mesmo, tendo revelado à Reuters que possui 150 milhões de libras (cerca de 170 milhões de euros) no stock referente à primavera-verão 2020 e 200 milhões de libras para a estação fria de 2020/2021.

Seguindo uma escala de acumulação, a McKinsey afirma que o valor das roupas não vendidas em todo o mundo, tanto nas lojas como nos armazéns, varia entre os 140 e os 160 mil milhões de euros, o que representa mais do dobre dos níveis habituais.

A Marks & Spencer e a Hugo Boss admitiram mesmo ter colocado pedidos menores do que o habitual para a coleção da estação quente 2021, uma prática que, de acordo com Ron Frasch, ex-presidente da Saks Fifth Avenue e atual sócio operacional da empresa de capital privado Castanea Partners, será cada vez mais recorrente, assim como prazos de entrega mais reduzidos. «A maioria das marcas está agora muito apertada no envio e as circunstâncias são muito restritas. Acho que todos foram muito conservadores com as suas compras e sei que muitos têm pagado lentamente. Isso é certo», garante.

A sustentar a afirmação estão as declarações da Li & Fung – agente de sourcing sediada em Hong Kong, que gere mais de 10 mil fábricas em 50 países para retalhistas, incluindo players globais do sector – sobre o facto de algumas retalhistas terem solicitado condições de pagamento posteriores, sem todavia avançar com mais detalhes.

Fábricas em perigo

Com estas ações por parte das marcas e das retalhistas, grandes centros de produção têxtil como o Bangladesh, cujas economias dependem das exportações, lutam agora pela sobrevivência.

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A Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário de Bangladesh (BGMEA) analisou 50 fábricas que indicaram ter recebido 30% menos de pedidos do que o habitual para esta época, tendo em conta os confinamentos na Europa antes da quadra natalícia e a regressão que se seguiu nos negócios em janeiro.

«Os pedidos costumam chegar com três meses de antecedência. Mas não há pedidos para março. Estamos a operar com 25% da capacidade. Tenho alguns pedidos para manter a fábrica até fevereiro. Depois disso, não sei o que o futuro nos reserva. É difícil saber como vamos sobreviver», explica Shahidullah Azim, proprietário de uma fábrica em Daca, que conta com clientes do retalho europeu e americano.

Miran Ali, que representa a Star Network, uma aliança de produtores de seis países asiáticos e que, além disso, possui quatro fábricas n Bangladesh, enfrenta problemas semelhantes. «Neste momento, devia estar totalmente cheio até março, pelo menos, e a ver uma quantidade saudável para o outono-inverno já a chegar. Em geral, isso está a vir devagar», relata Ali, salientando que «as marcas estão a comprar menos do que as pessoas».

Asif Ashraf, outro proprietário de uma fábrica em Daca que produz roupas para retalhistas globais, confessa que a adaptação foi difícil. «Produzimos o tecido e estamos prontos a confecionar a roupa, mas elas dizem que o pedido está em espera», descreve.

Simplificar com complicações

Com o prolongamento do encerramento das lojas físicas, algumas retalhistas estão a tentar vender o máximo possível do stock que possuem antes de colocar novos pedidos, clarifica a empresa de reciclagem têxtil Parker Lane Group.

[©Marks & Spencer]
O excesso de stock prossegue como uma problemática à luz da pandemia, que voltou a piorar e fez, uma vez mais, com que aumentassem o número de artigos em armazém. O CEO Raffy Kassardjian afiança que o passou de processar uma média de 1,5 milhões de artigos de vestuário em stock excedente para mais de quatro milhões em janeiro, o mês que evidenciou o maior registo de todos os tempos.

A incerteza para o futuro mantém-se, apesar de já no ano passado, segundo os dados da Euromonitor, a indústria têxtil e vestuário ter enfrentado vários desafios, que fizeram com que as vendas descessem 17% em relação a 2019. Para 2021, as previsões variam, sendo que a McKinsey antecipa uma queda de 15% nas vendas e uma recuperação de 11% na análise da Euromonitor.

«[A pandemia] simplificou a nossa gama de roupas clássicas e ampliou o leque de roupas casuais. O público britânico está novamente a usar o pijama», assevera Steve Rowe, CEO da Marks & Spencer, ainda que nem todos os modelos de negócio se consigam adaptar a esta realidade. «A procura por pijamas está em alta, mas nem toda a gente pode fazer pijamas!», resume Miran Ali.