«As empresas estão a ser geridas ao minuto»

A chegada do Covid-19 afetou profundamente a indústria de vestuário, em especial as empresas que se dedicam a artigos mais formais, numa «guerra» que, segundo César Araújo, presidente da ANIVEC, exige medidas concretas do Governo e uma revisão da política europeia para um futuro com uma indústria mais forte.

Com os confinamentos nos principais destinos de exportação, as empresas do vestuário viram-se obrigadas a recorrer a apoios e estratégias alternativas para continuar no mercado, mas a «guerra» ainda não acabou e, segundo o presidente da ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário, Confecção e Moda, para o sector do vestuário sobreviver, será necessário o apoio governamental com medidas concretas, como o alargamento do layoff simplificado, mas também uma revisão da política europeia, nomeadamente ao nível comercial, que permita ao Velho Continente ter uma indústria mais forte e preparada para enfrentar os desafios da digitalização, da descarbonização e da sustentabilidade no futuro.

Quase um ano depois da OMS ter decretado a pandemia, qual foi o impacto do Covid-19 na indústria de vestuário portuguesa?

O impacto do Covid foi enorme no vestuário. A seguir ao turismo e às viagens, o sector do vestuário é aquele que mais sofre. E dentro do sector do vestuário há um subsector – o vestuário formal – que sofreu mais. As pessoas estão em teletrabalho, confinadas e não podem consumir, estão proibidas de sair de casa, de fazer o seu dia a dia, de socializar, e a juntar a isso não temos casamentos nem batizados.

O que trouxe ao nível do investimento e das estratégias das empresas?

Muita preocupação, porque as empresas tinham os seus modelos de negócio assentes numa economia de mercado e esta pandemia é uma guerra, é a destruição de uma economia em que as empresas com mais trabalhadores sofrem mais. Muitos países querem, e bem, proteger as suas populações e manter os postos de trabalho, mas isso cria uma certa falta de expectativa, porque não sabemos o que vai acontecer amanhã. Hoje, as empresas estão a ser geridas ao minuto. Cada empresário é um general na linha da frente. Países como a Irlanda e a Inglaterra encerraram tudo, não há atividade. Com esta pandemia, o online acelerou, mas isso nunca substitui a loja física, por isso há uma quebra de consumo que se reflete depois na produção e nas estratégias.

Mas essa alteração é só decorrente da pandemia ou o consumo de vestuário, e as encomendas a Portugal, estava já a ser afetado por outros fatores?

Há aqui duas questões. O primeiro fator é que, com a globalização, e a pandemia veio mostrar isso, a Europa está refém da Ásia. A Europa, durante alguns anos, fez acordos com países terceiros e deu como moeda de troca a indústria de vestuário. Porque é que Portugal tem uma indústria têxtil e de vestuário forte? Porque tem quatro associações que defendem a ferro e fogo os seus sectores. No caso da Europa, só temos uma associação, a Euratex, que engloba toda a gente, incluindo a Turquia. Atualmente, 85% de toda a roupa consumida na Europa tem proveniência asiática e se incluirmos outros países como a Turquia, o Egito, Marrocos, Tunísia e outros, que muitas vezes não têm os mesmos padrões ambientais e sociais, essa quota aumenta. Isso prejudica as encomendas em Portugal, sobretudo porque não há reciprocidade.

A solução passa pelo protecionismo?

Não, mas é engraçado quando as pessoas falam em protecionismo. Eu quero exportar para a China e não consigo, é um país protecionista, mas a China pode exportar para a Europa. E não é só a China, temos outros países como o Brasil. Para exportamos para esses países temos uma taxa aduaneira superior a 40%, necessitamos de autorizações que são dadas pelos Governos locais – são criados obstáculos. Nós somos um sector de moda, temos uma janela de venda muito reduzida. Se não conseguirmos ter a documentação que é preciso para que os nossos produtos cheguem aos nossos clientes rapidamente, não conseguimos exportar. A China consegue exportar para a Europa com taxas de 11%. Os outros mercados é que estão a fazer protecionismo. Não quero protecionismo, quero reciprocidade de mercado.

Essa falta de reciprocidade já se fazia sentir nas exportações de vestuário?

Já, só que com a pandemia notou-se que os países estão muito mais reféns, não só do vestuário, como de outros produtos, nomeadamente os equipamentos de proteção individual. E isso fez despertar os Governos para a reindustrialização da Europa. Para poder reindustrializar-se, a Europa terá que ter uma política comercial no mercado, porque senão vamos vender para quem? A própria Europa não promove os produtos europeus, promove os produtos fora da Europa. A indústria automóvel não está liberalizada, a indústria farmacêutica não está liberalizada, a indústria aeronáutica não está liberalizada. E porque é que a indústria de vestuário foi dada como moeda de troca? Nós – e aqui os vários Governos em Portugal nos últimos 20 ou 30 anos são responsáveis – promovemos microempresas, não temos empresas com músculo e aquelas empresas que têm mais de 250 trabalhadores são penalizadas ou quase destruídas com o sentimento de querer criar só micros. Portugal é um país pobre, e vai continuar pobre, porque não vai conseguir criar empresas com músculo para competir a nível europeu ou a nível mundial.

Temos então um problema de competitividade face às empresas de outros países?

Não. A questão é que essas empresas não produzem. Uma grande parte são empresas de agenciamento. A Holanda, por exemplo, tem o porto de Roterdão e tudo o que é triangulado na Europa passa por Roterdão, por isso há ali uma entrada de receita muito forte. Criou-se aqui, na Europa, agências de subcontratação. Eles podem não ter diretamente os trabalhadores, mas têm indiretamente, não é de direito, mas é de facto. Uma empresa que fature 50 milhões com 30 trabalhadores, não é industrial, não cria riqueza. Uma empresa que tenha 300 trabalhadores e fature 20 milhões, é considerada uma grande empresa, é comparada com empresas como a Galp e a EDP… São empresas que criam valor e que não são acarinhadas. Existem estímulos para fragilizar essas empresas e até tirá-las para que elas desapareçam e nós temos que mudar esse sentimento. Portugal tem que criar empresas com músculo, empresas que possam competir a nível europeu e mundial. Portugal não pode ter sectores muito pequenos, porque eles vão competir internamente, não vão competir lá fora. E quando nós temos 10 milhões de habitantes e comparamos com países com 70 ou 80 milhões de habitantes, perdemos logo aí capacidade de gerar riqueza.

Como está a correr o início do ano para a indústria de vestuário?

Este ano vai ser pior que 2020, porque em 2020 o cliente tinha encomendas colocadas, o que quer dizer que o que ele fez foi adiá-las para receber mais tarde. Agora o fator é duplo, porque trabalhamos por estações. O primeiro confinamento em 2020 deu-se em março, que marca a entrada das coleções de verão, mas o confinamento só terminou em junho. Quer dizer que aquele período janela que o cliente tinha para vender a full price não conseguiu, então começou a recolher as peças e não fez saldos porque não ia saldar sem ter aquela margem. Colocou a coleção de inverno, entretanto houve ali uma pequena retoma, só que uma grande parte dos países confina logo em outubro. Ao confinar em outubro também não há aqueles momentos onde se vende os stocks, as Black Friday, os saldos, as compras de Natal. Então o verão de 2020 passa para 2021 e o inverno ainda está nas lojas, porque os países estão confinados. Assim que abrirem, vão transitar as coleções de inverno para o inverno de 2021, o que quer dizer que nós, a correr bem, vamos só arrancar a partir de setembro. Se a vacina trouxer um certo ânimo e uma certa confiança às populações, pode ser que haja aqui um arranque.

Quais são as principais dificuldades que as empresas portuguesas de vestuário enfrentam atualmente?

A falta de clientes e de encomendas. A Europa atribuiu verbas para apoiar os sectores com maiores prejuízos e que foram mais afetados com esta pandemia, só que o Governo português não está a querer ver os sectores que mais sofreram. O ano passado tivemos um mecanismo, o layoff simplificado, que é o que a ANIVEC reivindica. Não queremos 18 ou 20 medidas para confundir toda a gente. Nós queremos quatro medidas que sirvam as empresas portuguesas que são mais afetadas com esta pandemia. Quando se cria o layoff simplificado, ele veio dar uma ponte legal que permite que as empresas possam estar em ponto morto. Em agosto, altera-se a lei e surge a retoma progressiva, sabendo que nessa retoma progressiva até o nome é infeliz. Não podemos estar a estimular e a fomentar algo que não é verdade, estamos a criar uma ilusão na própria economia que parece que está tudo bem e está tudo mal. É preciso maior responsabilidade.

Que medidas reivindica a ANIVEC?

Temos que permitir o layoff simplificado às empresas de vestuário. Precisamos de apoios à tesouraria a fundo perdido e de uma formação profissional simplificada que permita às empresas estarem em ponto morto. Portugal não tem futuro se não tiver um sector privado forte, competitivo, por isso, se neste momento a crise não é estrutural, mas conjuntural e se não são as empresas individualmente que resolvem a situação, terá que haver um esforço comunitário e nacional no acompanhamento. Portugal não pode receber as verbas e depois o Governo é que decide o modelo económico que quer. Há uma coisa que é importante: temos que tornar Portugal competitivo e não desejar que Portugal seja um gémeo de outro país europeu. Isso não vai acontecer e é importante que os fundos comunitários sejam aplicados nos sectores. O sector do vestuário é um sector que, ao longo de muitos anos, tem vindo a mostrar que é resiliente, que se consegue adaptar, que é competitivo e tem futuro. A Europa é líder mundial na moda, não há país nenhum que não queira essa liderança. E Portugal tem que adotar este caminho e tem que ser um player forte na moda. Nós temos uma indústria sofisticada, inovadora, competitiva, considerada uma das melhores indústrias do mundo e se é um dos sectores em que a Europa é líder mundial, pergunto porque é que Portugal não tem um papel nesta liderança. Há que repensar a forma como olhamos para as empresas e a caracterização das PMEs é uma das questões. Não somos líderes porque não temos empresas para poder competir a nível europeu e assumir essa liderança. Há grandes empresas só porque têm trabalhadores e o fator trabalhadores nunca devia ser negativo, mas sim positivo.

Uma das questões mais discutidas, principalmente no início do ano, foi o aumento do salário mínimo. Como têm as empresas de vestuário lidado com esse aumento?

Mal, até porque não há mercado, os países estão encerrados. As empresas estão ressentidas, estão a ter custos muitos elevados porque houve o aumento, o Governo coloca assistência a filhos menores em casa, obriga as empresas a pagar 50% do salário e 50% da segurança social. O Estado está a descapitalizar a economia. Se as empresas não têm trabalho, o Estado não as pode descapitalizar, porque sabe que quando arrancar vamos ter muitos problemas. O aumento do salário mínimo foi populista, uma questão de ideologia. É preciso ver que com os aumentos, tudo aumenta e o Estado é aquele que mais beneficia, com mais verbas da segurança social. Temos que ter políticas a longo prazo. O que é que queremos de Portugal a 10, 20 anos? Não podemos fazer política de quatro anos, em vez de dinamizar a economia. Estamos temporariamente a fazer medidas para aquele momento e isso não funciona, tem que haver aqui um compromisso de toda a gente de onde queremos Portugal no futuro.

Entre as medidas lançadas pelo Governo, e de acordo com a informação a que a ANIVEC tem acesso, quais têm sido as mais usadas pelas empresas do sector?

Foi o layoff simplificado e a retoma progressiva. Uma grande parte das empresas de vestuário está a recorrer ao layoff tradicional que é penalizador para as empresas. A retoma progressiva só permite que as empresas que tiveram quebra de faturação no mês anterior possam aderir à retoma progressiva no mês seguinte, mas terão que pagar os salários e tudo, é um mecanismo de descapitalização total das empresas. Não é só o vestuário, são todos os sectores que estão a sofrer com a crise que estão a ser descapitalizados pelo Estado. O Governo devia ter consciência que sem estas empresas vai ter muita dificuldade em arrancar e depois trata o sector exportador como um mercado doméstico. Uma empresa exportadora depende dos mercados para onde exporta. Se esses mercados estiverem encerrados por obrigação legal, as empresas portuguesas não podem exportar. Isto é, a atitude à volta de algumas medidas não tem como intuito atacar o problema, mas sim criar maior dificuldade e obstáculo às empresas.

O Governo está a apresentar o Plano de Recuperação e de Resiliência (PRR). Que análise faz a ANIVEC a esse plano para os fundos europeus?

Mais uma vez, é Estado, Estado, Estado. Sector privado, muito pouco. Enquanto não houver uma consciência de que o sector privado é um motor essencial no desenvolvimento de Portugal, não saímos disto, porque há sempre a tentação que o Estado controle toda a economia e isso, já temos visto ao longo dos anos, não funciona. Vamos ver os exemplos das empresas que o Estado está a nacionalizar ou vai nacionalizar, em que o Estado intervém, e elas acabam por nunca conseguir ser rentáveis. O Estado não é um bom gestor. Por isso, o Estado devia regular e deve permitir que o sector privado crie dinâmica, desenvolvimento e empresas. 85% do emprego em Portugal é criado pelo sector privado, por isso o sector privado devia ter um maior reconhecimento. Este Plano de Recuperação e Resiliência devia ter em consideração isso e o investimento devia ser 50% para o sector privado e 50% para infraestruturas, porque depois temos o Orçamento de Estado. Toda a gente agora fala do Plano de Recuperação e Resiliência, mas e o Orçamento de Estado, vai para onde? Com outra agravante: em 2020 e 2021, a perda de criação de riqueza vai ser superior ao dobro desta bazuca, se não for mais. Mas só com a história e com o tempo é que vamos saber, porque a informação hoje não é credível. Por exemplo, o caso do desemprego – estamos mergulhados numa crise total e não há desemprego porque está camuflado. O nosso desemprego hoje é superior a 15%, mas as pessoas da formação profissional não fazem parte das estatísticas. O país merece saber qual é a realidade das pessoas que perderam o seu emprego porque aí podemos defender o país. Quando a informação que é vinculada é camuflada, nunca podemos colocar Portugal na linha da frente porque os dados são errados.

Que importância pode ter o PRR para a indústria de vestuário?

Da forma como ele está, pouca ou nenhuma. Fala-se da verba para a bioeconomia, que é um processo que vamos começar a desenvolver, mas o vestuário em si não é isto. Temos que trazer mais inovação, temos que estar na linha da frente das marcas, da moda – não podemos dissociar a moda de todo este processo. Portugal não tem marcas no vestuário porque essa vertente não é apoiada, não temos uma política de conquista da Europa. A Europa devia ser o nosso mercado doméstico, na UE são quase 450 milhões de habitantes. Essa devia ser a nossa prioridade e todos esses estímulos deviam estar concentrados em criar músculo e não estão.

Tendo em conta a situação pandémica do ano passado, de que forma vê a gestão que está a ser feita do Portugal 2020?

Vejo com muita preocupação porque, mais uma vez, a informação que é vinculada não corresponde à realidade – o Governo diz que está em linha com os últimos anos de investimento, parece que está tudo bem. Mas não é isso que depois se verifica no terreno. As empresas deixaram de poder visitar os seus clientes porque existem espaços próprios, as feiras, onde os profissionais de moda se reúnem. Por exemplo, as feiras de tecidos são fundamentais para irmos ao encontro das tecnologias, tudo o que é inovação aparece nessas feiras, mas elas não se realizaram. Quando vamos apresentar as coleções ao retalho, temos que o fazer nesses espaços porque a maioria das pessoas vai lá porque tem muita oferta e pode facilmente comprar as peças para os seus negócios, para as suas lojas. Ao não haver feiras, as verbas disponibilizadas pelo Portugal 2020 para a internacionalização não são aplicadas e ao não serem aplicadas, acabamos por não gastar o dinheiro. Agora é preciso ver o que vai ser feito ao dinheiro que não foi gasto, se vai transitar ou se vai fazer um programa especial ou se então vão devolver à Comissão Europeia, mas aí é o Governo que terá que prestar a informação correta.

A Comissão Europeia preparou um roadmap, designado de estratégia têxtil europeia, que basicamente pretende condensar numa única estratégia as questões da sustentabilidade e desenvolvimento na indústria. Qual é a perspetiva da ANIVEC?

A ANIVEC tem tido uma relação de proximidade com a Comissão Europeia porque a verdade é que muitos dos assuntos já não se debatem em Portugal, têm de ser debatidos diretamente na Comissão Europeia. A descarbonização só é possível se todos os países mundiais aderirem, nós não podemos ter um bloco, a Europa, a descarbonizar e os outros a poluir, terá que haver um maior compromisso do Acordo de Paris para que essa descarbonização se faça em cadeia. Mas a Europa não é sensível a isso porque continua a importar produtos e não faz o rastreamento deles. E notou-se, e nota-se, particularmente no caso dos artigos de proteção individual, em que muitos dos produtos importados trazem certificados falsificados e a Europa não consegue controlar porque não rastreia. Muitos produtos que entram na Europa trazem químicos ou materiais que vêm contaminados e depois é preciso analisar na reutilização. É preciso saber de onde vêm esses produtos e antes da importação é preciso testar em laboratórios europeus, que permitam ter maior credibilidade do produto que está a ser comprado, porque se ele vier contaminado, vai contaminar o processo da reciclagem. E quem paga isso, os europeus? Compramos produtos baratos, vamos ser obrigados a reciclá-los e se vierem contaminados, depois da reciclagem, vamos ser acusados de vender produtos contaminados? Tudo isto requer um maior controlo nas importações que vêm de países terceiros. Os produtores portugueses já estão preparados para a economia circular, para a reutilização dos produtos e a sua reciclagem, porque os produtos também são construídos com esse propósito. Mas quando falamos na Europa e na reciclagem na moda, devemos dividir em duas componentes: a componente doméstica, aquela que é produzida na Europa, e aquela que é importada para a Europa. A nossa indústria não pode ser culpabilizada quando o problema é causado pelos importadores.

Mas poderão estipular-se taxas de reciclagem na Europa para as importações?

A ANIVEC tem essa expectativa, que haja no Parlamento Europeu comissários conscientes da necessidade não só de produzir informação ao consumidor europeu, mas também criar medidas que realmente criem reciprocidade em relação aos produtos importados, que têm que cumprir as mesmas normas que as empresas europeias.

Para além da sustentabilidade, que outros desafios se colocam à indústria de vestuário nacional?

O grande desafio é definir como a indústria do vestuário se quer posicionar.

E como se quer ela posicionar?

A importância das marcas é fundamental. Somos uma indústria que precisa de maior automatismo e robotização, mas para isso temos de analisar as nossas importações. Quando compramos uma t-shirt a um euro, não há ninguém que invista na robotização porque há sempre alguém que faça mais barato. Esta é uma indústria que não foi valorizada, pelo contrário, foi uma indústria dada em moeda de troca. Mas estas medidas de descarbonização e de reciprocidade poderão fazer com que esta indústria realmente consiga ser mais competitiva, porque os países onde se compra mais barato terão que manter todos estes parâmetros de sustentabilidade e aí irá melhorar para toda a gente.

Olhando para o resto do ano, quais são as perspetivas?

Enquanto não houver a generalização da vacina, enquanto não existir esta confiança, os sectores não arrancam porque obriga a confinamentos, não há casamentos, não há batizados e tudo isso prejudica o sector do vestuário. Há sectores, os que estão virados para a casa, que estão a fazer bem porque as pessoas estão confinadas e então investem mais em produtos de casa. Mas o vestuário, enquanto não houver a retoma normal da sociedade, terá sempre muita dificuldade.

Quando espera a retoma real da indústria de vestuário portuguesa?

Não tenho uma bola de cristal. No início estávamos todos anestesiados, não havia muita informação e isto manteve-nos nesta ânsia, mas agora, passado um ano, é tempo de mais, as pessoas já estão emocionalmente muito desgastadas, mas estão a ser resilientes e a prova disso é que esta resiliência mantém a nossa economia ainda em funcionamento. Se virmos a pandemia de 1918, demorou quase três anos. A nossa depende, poderá demorar dois anos ou mais porque é preciso ver outra questão: não podemos ter só vacinas para os países ricos. O que vai acontecer é que se não vacinarmos a população mundial, este vírus vai-se modificando e vai andando aqui para o resto da vida. Tem que haver uma concentração de esforços para haver uma imunidade mundial, não pode ser local. A pior coisa que poderia acontecer à humanidade é este vírus propagar-se muito mais no tempo e obrigar a confinamentos de países – isso ia desmembrar a dinâmica que a Europa tem. Dito isto, sou um otimista e vou acreditar que a partir de setembro a indústria de vestuário vai arrancar. Quero acreditar nisso porque as empresas não aguentam muito tempo.

Como será a indústria portuguesa de vestuário no pós-pandemia?

Vai haver um período em que as empresas vão ter que pagar dívidas e vão estar focadas na responsabilidade que têm, porque foram resilientes, substituíram-se ao Estado, muitas delas, a pagar salários e na questão social. O que vai mudar é o produto. Agora temos um produto básico, não temos muita inovação, hoje em dia o que vende é fatos de treino, pijamas,… Toda a gente se focou no leisurewear, mais nada. Quando houver uma retoma vai haver produtos com maior design, com maior inovação. Teremos produtos mais sofisticados, até porque não podemos perder as nossas indústrias do vestuário formal. O cliente quando vem a Portugal não vem só a uma empresa ou duas, vem porque pode comprar t-shirts, calças, blazers, sobretudos. Ele sabe que vem aqui e consegue comprar todo o tipo de produto. No momento em que ele só vier comprar um tipo de produto, Portugal perde competitividade, isto é, não virá cá. Espero que o Governo consiga ouvir o que a ANIVEC tem transmitido nas reuniões que temos tido com as várias áreas do Governo, em especial com o Ministério da Economia e a Secretaria de Estado da Internacionalização. Se não conseguirem – e a ANIVEC não pede muito –, vamos ter um problema de perda de empresas fundamentais no futuro. O Estado não pode olhar para o sector vestuário como se fosse um dano colateral. O sector de vestuário é um sector fundamental para o país, em 2019 exportou mais de 3,2 mil milhões de euros, emprega 90 mil pessoas, é um sector que está no interior, com mão de obra feminina e apoia muitas das suas populações desfavorecidas, o que quer dizer que é um sector vital para o desenvolvimento de Portugal.