As conclusões da cimeira do clima

Uma das principais preocupações atuais do vestuário consubstancia uma atuação respeitadora dos trâmites do novo Acordo de Paris, consideram as vozes influentes do sector, que voltam a colocar a tónica nos efeitos negativos do aquecimento global não só nas matérias-primas, mas também no próprio modelo de negócio da indústria.

As negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP 21), na capital francesa, acabaram depois de duas semanas de negociações e o Acordo de Paris foi fechado com um compromisso, juridicamente vinculativo, ambicioso: limitar a subida da temperatura a 1,5 graus, em relação à era pré-industrial.

O Acordo sublinha as implicações para a indústria do vestuário, cujo contributo para as alterações climáticas é, em grande parte, refletido na dependência de combustíveis fósseis para o aquecimento de águas e ar em processos como o tingimento, acabamento e lavagem e no recurso à terra para extração de matérias-primas.

«A cimeira do clima é verdadeiramente pertinente para a indústria. Somos uma das indústrias mais consumidoras de energia», afirma Orsola de Castro, co­fundadora da organização britânica Fashion Revolution (ver Quem fez as suas roupas), ao just-style.com.

Sally Uren, CEO da organização Forum for the Future, refere que o Acordo de Paris tem implicações diretas no sector do vestuário que exigem uma rápida tomada de atitude. «O sector do vestuário vê e sente que está numa plataforma “em chamas” no que diz respeito à sustentabilidade», afirma. «O Acordo de Paris deixa uma mensagem clara para a indústria de vestuário sobre a necessidade de descarbonizar rapidamente as unidades de produção e reduzir a pegada de carbono dos próprios artigos», explica Uren.

O Acordo também endereçou outro importante desafio para o sector de vestuário – a necessidade de implantação de medidas que possibilitem a redução das emissões de carbono envolvidas na agricultura: a maior parte da pegada de carbono deixada pela produção de algodão acontece na fase de cultivo, crescimento e no uso final pelos consumidores. «Derrubar esta pegada agrícola é verdadeiramente importante», sustenta Uren. «Mas o difícil é nós, consumidores, pararmos de comprar coisas das quais não precisamos».

Sally Uren elogia os esforços empreendidos por empresas como a Levi Strauss & Co., que tem vindo a apostar em jeans que recorrem a uma utilização parcimoniosa da água no processo de fabrico – a marca está a expandir o seu programa Water<Less, lançado em 2012, que reduz, em certos produtos, até 96% o uso de água no processo de acabamento. «O maior desafio será o modelo de negócio baseado em fast fashion e mão-de-obra barata. Esse precisa de se afastar da narrativa que advoga que as pessoas compram roupas que podem ser facilmente acessíveis e substituídas», acrescenta a CEO do Forum for the Future.

Igualdade de condições

Os signatários do acordo de Paris acreditam ainda que este colocará em prática mecanismos que abordam a igualdade de condições para as emissões da indústria entre a Europa, os EUA e a China – onde, de acordo com a consultora McKinsey & Company, cerca de 177 mil milhões de dólares (aproximadamente 163 mil milhões de euros) foram gerados em exportações de vestuário em 2013.

O artigo número 4 do acordo refere que todos os países terão por objetivo atingir o pico global das emissões de gases com efeito de estufa o mais rápido possível, «reconhecendo que o pico vai demorar mais tempo para os países em desenvolvimento».

Responder a estas diretrizes, argumentam os especialistas, é do interesse da própria indústria de vestuário, uma vez que a mudança climática envolve secas, mudanças de temperatura e outros impactos que vão fazer com que a produção de vestuário se torne mais difícil e mais cara. «É verdade que as alterações climáticas já estão a afetar o sector do vestuário», revela Uren. «Manifestando-se em termos de escassez de água e no aumento da temperatura», aponta.

Os impactos da indústria

O relatório “No Water, More Trade Offs”, divulgado antes da conferência de Paris pelo banco HSBC, identificou um grupo de fatores climáticos – que incluem a seca – que ameaçam atualmente a indústria de vestuário na China, um país no qual 32% a 75% de peles, lã, algodão, seda e fibras não naturais são feitas ou atravessam o país em forma de importações (ver Negócio da China).

Já o relatório “East Africa: the Next Hub para Apparel Sourcing?” da McKinsey, de julho 2015, sugere que um segmento da indústria do algodão pode ser deslocalizado da China para a Etiópia, país que, segundo o documento, dispõe de 3,2 milhões de hectares de terra com um clima adequado para o cultivo de algodão (ver Etiópia no mapa do sourcing).

A indústria de vestuário do Bangladesh – que tem enfrentado um aumento de furacões ao longo do Golfo de Bengala – é documentado por um relatório do World Bank de 2014, intitulado “Turn Down the Heat”, que refere que, em 2040, as mudanças nos padrões de precipitação poderão deixar algumas áreas inundadas e outras sem água suficiente para geração de energia e irrigação.

Francesco Marchi, diretor-geral da associação europeia de indústria têxtil e vestuário Euratex, considera que tais padrões climáticos, combinados com o aumento dos custos na Ásia, podem conduzir a que cada vez mais empresas de vestuário se localizem na Europa ou nas proximidades do Velho Continente. Sally Uren concorda. «Podemos mesmo assistir ao aumento no onshoring [no qual as empresas se voltam a fixar na Europa ou EUA]. A China incubou rigorosas leis ambientais durante algum tempo, mas estas vão ser obrigatórias agora. Brevemente, os fabricantes de roupas vão conhecer padrões tão elevados naquele país como noutras partes do mundo», conclui Uren.