Argumentos para a sustentabilidade

No painel do iTechStyle Summit ’22 dedicado à transição verde, os especialistas fizeram um retrato negro da situação atual do planeta, mas avançaram igualmente com soluções, algumas já em curso, para tornar as indústrias têxtil e do calçado mais sustentáveis.

Carla Silva

Numa abordagem mais generalista, João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, revelou na iTechStyle Summit os indicadores que mostram que «estamos a enfrentar uma grande ameaça de continuidade da Humanidade na Terra», nomeadamente as alterações climáticas. O Acordo de Paris prevê manter o aumento da

João Meneses

temperatura abaixo dos 1,5 ºC mas, destacou, «os compromissos até agora não são suficientes. Estamos a ter um aumento de temperatura de 3,5 ºC e não de 1,5 ºC. Precisamos de mais compromissos por parte dos países e que sejam implementados».

As metas para a redução das emissões de CO2 estão igualmente a ser quebradas, há mais de um milhão de espécies em risco de extinção e há mais de 50 anos que vivemos a crédito das gerações futuras. Além disso, «estamos a produzir demasiados resíduos e poluição. Em 2019, produzimos dois mil milhões de toneladas de resíduos e somos só 8.6% circulares. É escandaloso. Por último, as Nações Unidas estimam que 7 milhões de pessoas morrem todos os anos devido à poluição atmosférica. Até agora, o covid matou menos de 7 milhões de pessoas em dois anos. Por isso, a poluição é uma grande ameaça à nossa vida quotidiana, ao nosso bem-estar», salientou o secretário-geral do BCSD. «Não temos um Planeta B. Temos de proteger o único sítio que conhecemos no universo que é bom para viver», realçou.

Anton Luiken

Ao nível da indústria têxtil e vestuário, a circularidade é uma necessidade e uma prioridade definida pela União Europeia, como indicou Anton Luiken, diretor técnico da bAwear-score, uma ferramenta que faz a avaliação do ciclo de vida do produto. A reciclagem pode aqui ter um papel, embora haja desafios a serem ultrapassados, tanto com métodos mecânicos como químicos.

Fibras mais amigas do ambiente

Um outro caminho prende-se com o desenvolvimento de fibras mais sustentáveis, com entidades como a Next Technology Tecnolotessile (NTT) a trabalharem nesse sentido, como revelou Daniele Spinelli, project manager sénior neste centro tecnológico italiano. Desde o desenvolvimento de diferentes tecnologias para a funcionalização de fibras e compósitos, à criação de novas fibras de celulose e de fibras de performance, para áreas como a militar, são vários os projetos em que o NTT está envolvido. A promoção da utilização de materiais reciclados é igualmente uma aposta. «Temos muitas colaborações entre sectores de indústrias diferentes, que procuram uma aplicação para os seus resíduos e desperdícios», sublinhou Daniele Spinelli.

Daniele Spinelli

Também Carla Silva, diretora do departamento de química e biotecnologia do CITEVE, clarificou a forte aposta do centro tecnológico português em biomateriais, desde os criados com recurso a enzimas e bactérias, aos provenientes de resíduos de outras indústrias. Mais recentemente, o centro viu aprovado o projeto Be@t no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no qual estão envolvidos 54 parceiros, desde empresas a entidades do sistema científico. «Vamos desenvolver biomateriais, usando resíduos agrícolas e da floresta, e vamos desenvolver não só fibras, mas outros ingredientes, aditivos que podem ser usados para funcionalização. Com estas fibras vamos produzir novos fios, com estes fios vamos produzir novas estruturas têxteis e também não-tecidos e tudo isto será funcionalizado de uma forma sustentável. Serão também criados vários protótipos e coleções-cápsula para promover a sustentabilidade da indústria têxtil fora de Portugal», esclareceu Carla Silva. «Será tudo muito circular, vamos usar abordagens de eco-design, eco-engenharia, vamos medir a pegada ambiental de todos os produtos e vamos ter a garantia de transparência e rastreabilidade. Vamos também ter a oportunidade de desenvolver novas metodologias para medir a sustentabilidade, vamos simular a utilização e desenvolver novos métodos de seleção, com formas automáticas de remover os acessórios e simular vários cenários de fim de vida, da reutilização à reciclagem, mas assegurando que não estamos a gerar qualquer resíduo e que podemos reciclar completamente os protótipos», acrescentou.

Calçado procura alternativas

Paulo Gonçalves

Da mesma forma, também a indústria portuguesa de calçado está em busca de matérias-primas alternativas – algumas já usadas tradicionalmente, como a cortiça, e outras mais recentes, como a casca de maçã – embora mantenha a intenção de continuar a usar couro. «Utilizando couro no fabrico de sapatos e carteiras, estamos a promover a economia circular, porque no essencial, o que fazemos é reaproveitar matéria-prima que foi desperdiçada pela indústria alimentar. Mais de 90% do couro que usamos nas nossas produções são peles bovinas», afirmou Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos. «Em segundo lugar, sendo um produto natural, é um produto com uma excelente performance e é um produto abundante», acrescentou.

Ainda assim, nos próximos três anos, no âmbito do PRR, o sector do calçado irá investir 80 milhões de euros na bioeconomia, propondo-se a desenvolver mais de 50 produtos. «É um desafio ambicioso», concluiu Paulo Gonçalves.