O decreto-lei n.º 90/2020 foi publicado no Diário da República no passado dia 19 de outubro e, entre as alterações, prevê uma nova definição de situação de crise empresarial e revê os limites máximos de redução do período de trabalho.
O diploma, que altera o decreto-lei n.º 46-A/2020, de 30 de julho, define como situação de crise empresarial «aquela em que se verifique uma quebra de faturação igual ou superior a 25%, no mês civil completo imediatamente anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou de prorrogação, face ao mês homólogo do ano anterior ou face à média mensal dos dois meses anteriores a esse período ou, ainda, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, face à média da faturação mensal entre o início da atividade e o penúltimo mês completo anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou de prorrogação».
Desta forma, o apoio à retoma progressiva passa a abranger as empresas com quebras de faturação iguais ou superiores a 25%, as quais poderão reduzir o período normal de trabalho (PNT) até 33% nos meses de outubro, novembro e dezembro.
Esta redução aumenta consoante o agravamento da quebra. Se a empresa tiver uma redução igual ou superior a 40% da faturação, o período normal de trabalho pode diminuir, no máximo, 50% em agosto e setembro e 40% nos meses do último trimestre.
Nas quebras de faturação iguais ou acima de 60%, a redução do tempo de trabalho por trabalhador pode ser de 70% em agosto e setembro e de 60% em outubro, novembro e dezembro.

Por último, nas situações em que a quebra na faturação seja igual ou superior a 75%, a redução do tempo normal de trabalho pode atingir os 100% nos três meses do último trimestre.
«Com o objetivo de reforçar os apoios às empresas em maior dificuldade, passa a admitir-se que os empregadores com quebras de faturação iguais ou superiores a 75% possam reduzir o PNT a 100%, estabelecendo-se ainda que, para estes empregadores, o apoio financeiro concedido pela segurança social para efeitos de pagamento da compensação retributiva dos trabalhadores corresponde a 100% da compensação retributiva. Ao mesmo tempo, assegura-se que, nas situações em que a redução do PNT seja superior a 60%, a compensação retributiva do trabalhador é ajustada na medida do necessário para garantir que este recebe 88% da sua retribuição normal ilíquida», pode ler-se no decreto-lei.
Estes pedidos de apoio podem ser submetidos «até ao mês seguinte àquele a que o pedido inicial de apoio ou de prorrogação respeita» e os mesmos são cumuláveis com planos de formação complementar de pelo menos 50 horas de formação, cujas bolsas para empregadores e trabalhadores irão aumentar.
Associações pedem mais
Para César Araújo, presidente da ANIVEC, a medida «não é suficiente», até pela inconsistência que o sector de vestuário vive atualmente. «Uma empresa pode ter muito trabalho em outubro e não ter nada em novembro», explica. Mais do que isso, aponta, «as empresas vêm já desde abril a suportar custos com os trabalhadores e outros custos de contexto, como a eletricidade, sem realizarem negócio. Estão a subsistir à custa do endividamento. No futuro, vai ser um problema. Qual terá de ser a capacidade de geração de riqueza para pagar esse endividamento provocado por esta catástrofe?».
O presidente da ANIVEC mostra-se ainda preocupado com os recentes confinamentos em mercados como a Irlanda e o País de Gales, antevendo novas limitações em países como Espanha, França ou Alemanha. «A indústria de vestuário portuguesa é exportadora e quando encerram os mercados, quando as pessoas ficam confinadas, as lojas fechadas e não se compra, sentimos logo», sublinha, acrescentando que «o vestuário é o terceiro sector mais penalizado, a seguir às viagens e ao turismo».
Por isso mesmo, com a atual situação de incerteza, César Araújo antecipa apenas «um arranque tímido» da atividade», que não é possível colmatar com o digital. «O digital veio complementar, mas não veio substituir a perda do espaço físico, o encerramento dos pontos de venda», salienta. «A cadeia que existia deixou de existir. O vestuário, a correr bem, vai começar a arrancar de forma tímida a partir de maio», acredita o presidente da ANIVEC.
Para já, as coisas correm melhor aos têxteis-lar e a associação do sector tem a expectativa «que nenhuma empresa necessite de recorrer a este “apoio”, porquanto pressupõe um desempenho deficiente da atividade industrial», afirma ao Portugal Têxtil Luís Ribeiro Fontes, secretário-geral da ANIT-LAR.

Segundo os dados da associação, desde julho que «a atividade da indústria de têxteis-lar tem sido positiva, como se conclui pela faturação relacionada com a exportação nos meses de julho e agosto, que aumentou face aos meses homólogos de 2019, em 2,5% e 10,4%, respetivamente, e sendo que é expectável que deva permanecer positiva até ao final do ano pelas indicações recebidas das empresas», refere, salientando, no entanto, que «a performance anual será deveras penalizada pela quebra verificada entre março e junho, porque é irrecuperável».
Ainda assim, Luís Ribeiro Fontes tece algumas críticas ao diploma. «Se o recurso ao “apoio” se mostrar necessário, o modelo criado carece de deficiências notórias, nomeadamente a discriminação de acordo com a dimensão das empresas, penalizando injustificadamente as grandes empresas, mas também não admitir como fundamento para acesso ao “apoio” a verificação de quebra de atividade, para além da faturação e ainda não admitir a suspensão de contratos de trabalho (ou a redução a 100% do tempo de trabalho, para utilizarmos a terminologia do DL 90/2020) para qualquer dos escalões da quebra de faturação», enumera.
Para a ANIT-LAR há ainda uma questão mais importante, que está «no topo da agenda» e tem sido abordada recorrentemente em reuniões com o Executivo: os seguros de crédito. «A linha “Facilidade Curto Prazo OCDE 2020” não responde [a esse problema], quer porque não considera as operações no mercado interno, quer porque não incluiu as apólices cujas coberturas de risco foram passadas a zero, sem que tivesse ocorrido qualquer incidente», explica o secretário-geral da associação, sublinhando que estes «outros desafios [onde se incluem os custos de contexto] podem ter um desfecho nefasto para as empresas se o Governo as não reconhecer na devida dimensão».