Depois de inúmeros anos de promessas, o nearshoring – o aprovisionamento em mercados mais próximos – parece finalmente ter vindo para ficar, avança um artigo do Sourcing Journal. Num estudo da McKinsey & Co junto de 38 diretores de compras em empresas de vestuário, 71% afirmou que o plano é aumentar a quota de nearshoring, incluindo 13% que esperam subir em mais de 10% as compras em nearshoring. 24% planeiam aumentar o reshoring (produção no país de origem da empresa) na sua estratégia de sourcing.
Para as empresas americanas, a América Central apresenta-se no topo da lista para atividades futuras de nearshoring. Quase oito em cada 10 players de vestuário norte-americanos – quase um quarto dos inquiridos do estudo da McKinsey estão sediados na região – planeiam aumentar, em valor, a quota de sourcing na América Central.
Os resultados da McKinsey, que foram publicados em novembro, alinham-se com os dados mais recentes de importação denim do Otexa, o gabinete de têxteis e vestuário do Departamento de Comércio dos EUA. De acordo com o Otexa, as importações de denim dos EUA subiram 28% em termos anuais em outubro, enquanto as dos países do Hemisfério Ocidental aumentaram 40%. As importações provenientes do México registaram um crescimento de 43% em comparação com 2020 e as de países que fazem parte do CAFTA, o acordo de comércio livre com a América Central, subiram 29%.
O último destes fatores tornou-se particularmente pertinente em dezembro, quando o presidente Joe Biden assinou o chamado Uyghur Forced Labor Prevention Act, que proíbe as importações de Xinjiang. A legislação cria uma «presunção refutável» de que todos os produtos de Xinjiang foram feitos sob coação por minorias muçulmanas perseguidas – impedindo-os, por isso, de entrar nos EUA sob o Tariff Act de 1930 – a não ser que provas «claras e convincentes» mostrem o contrário. A legislação anterior, que estava voltada para os produtos de algodão, tomates e alguns produtos de silício policristalino, apenas bloqueava a entrada de bens se se suspeitasse de trabalho forçado.
«Acho que levou a que as marcas e os retalhistas começassem a fazer mais questões sobre a sua cadeia de aprovisionamento, como “de onde vem este algodão? E este fio?”», assevera Kim Glas. «Também diria que [o aprovisionamento na China] é uma estratégia de elevado risco porque o governo dos EUA está a tornar-se ainda mais vigilante em relação a este assunto. E não parece que os chineses estejam a recalibrar a sua abordagem. Na verdade, há um debate sobre mais medidas de retaliação que a China vai tomar como resultado desta proposta de legislação se tornar lei», sublinha a CEO da NCTO.
As ações do governo americano em relação a Xinjiang, se avançarem na totalidade, são uma oportunidade para as empresas «mudarem para mais perto de casa, onde conseguem compreender a transparência na sua cadeia de aprovisionamento», considera Kim Glas.
Investimentos na América Central
Entre os que defendem um aumento da produção na América Central está a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, que em dezembro anunciou novos compromissos para investir na região por parte de sete empresas, incluindo a Parkdale Mills. A empresa de fiação e produtos de algodão planeia investir 150 milhões de dólares (aproximadamente 131,2 milhões de euros) na construção de uma nova fiação nas Honduras e para apoiar uma unidade que tem na Virginia, revela a Casa Branca. O investimento dará emprego a cerca de 500 pessoas em cada uma das unidades. De acordo com a NCTO, a ação deverá levar a uma redução de cerca de meia tonelada de fio por semana das cadeias de aprovisionamento da Ásia.
Em 2021, as exportações dos países da América Central para os EUA aumentaram em comparação com o ano anterior. Os dados mais recentes para 2021 dão conta de uma subida de 33% das exportações da República Dominicana e de 56% das Honduras, segundo Kim Glas. Os aumentos das exportações de El Salvador, Nicarágua e Guatemala situam-se no meio desses valores. Em comparação, acrescenta a CEO da NCTO, as exportações provenientes da China e do Vietname subiram 25% e 15%, respetivamente. As expectativas é que os números do ano passado superem os de 2019.
Quanto ao futuro, Kim Glas acredita que é «totalmente fazível» duplicar as exportações da América Central e do Hemisfério Ocidental nos próximos três a cinco anos «se colocarmos os planos certos em curso para o fazer acontecer». Para a CEO da NCTO, «é tudo muito atingível e será necessário todos para que isto aconteça. E penso, pelo menos espero, que o covid nos tenha ensinado algumas lições críticas sobre cadeias de aprovisionamento, quer sejam EPIs ou têxteis e vestuário ou artigos para a casa, que não podemos ter todos os nossos ovos no cesto da China-Ásia, temos de reduzir o risco da nossa estratégia e assegurar que temos uma grande proximidade ao mercado para produtos que ou usamos no dia a dia ou que precisamos numa crise de saúde pública».
Pés no Brasil
A Savelli, uma empresa brasileira de calçado que tem marca própria e produz para terceiros, tem registado um aumento na procura, sobretudo por parte dos EUA. Bruna Machado de Moraes, diretora de exportação da Savelli, afirma que uma das razões é o desejo das empresas de não dependerem de um único produtor depois da pandemia. Os que produziam tudo na Ásia antes estão agora a tentar diversificar por múltiplas localizações, para não serem afetados caso aconteça algo semelhante.
Na Pegada, outra produtora brasileira de calçado, a produção desceu 20% em 2020 por causa das restrições implementadas devido à pandemia, mas em 2021 as encomendas aumentaram consideravelmente, colocando as fábricas perto da sua capacidade máxima, com a produção a regressar aos níveis de 2019, segundo o CEO Gabriel Ranft.
De acordo com os dados da Abicalçados – Associação Brasileira das Indústrias de Calçados citados pelo Sourcing Journal, o país exportou 110,77 milhões de pares de calçado entre janeiro e novembro do ano passado, equivalente a 805,7 milhões de dólares, valores que representam um aumento de 31% e 34,6%, respetivamente, em comparação com o mesmo período de 2020. Já na comparação com 2019, o volume exportado regista uma subida de 5,6%, enquanto em termos de valor evidencia uma descida de 9,6%.
«Há muitas marcas que costumavam produzir na Ásia a procurarem fábricas brasileiras para produzir», garante Masselli. «Está a crescer muito e as nossas fábricas estão a ter de se ajustar ainda mais do que antes da pandemia para responder a essa procura», sublinha.
Embora as questões relacionadas com a cadeia de aprovisionamento em 2021 tenham «definitivamente» ajudado a aumentar o interesse na produção brasileira, a diretora do programa Brazilian Footwear refere que a Abicalçados começou a ouvir falar de um aumento das encomendas no final de 2020.
«Há um grande movimento de pessoas que estão a falar de nearshoring. Claro que há algumas situações logísticas que têm impacto em todo o mundo, mas os problemas enormes são geríveis quando estamos mais próximos», afiança Letícia Sperb Masselli.
O peso da sustentabilidade
Com as preocupações ambientais a pesarem cada vez mais na estratégia das empresas, os negócios no Hemisfério Ocidental estão a voltar-se para práticas mais ecológicas para se diferenciarem da concorrência.
A Guatemala, por exemplo, tem 70% de energia renovável na rede, aponta Kim Glas. «Isso é fantástico, já que as pessoas continuam a tentar responder às emissões de carbono», destaca a CEO da NCTO.
«Quando começámos a ser abordados por compradores internacionais, sobretudo americanos e alguns compradores europeus, eles questionavam sobre a sustentabilidade. Já passou quase uma década em que temos trabalhado numa certificação de origem sustentável. Não certifica produtos, analisa os processos. Por isso, olhamos para a sustentabilidade de várias formas, não é apenas ambiental, mas também social, económica, olhamos para isso tudo… Não certificamos apenas fábricas de calçado, mas toda a cadeia de aprovisionamento», elucida Letícia Sperb Masselli.
O programa Origem Sustentável foi lançado internacionalmente em novembro, na Expo 2020. «É algo em que vamos trabalhar nos próximos anos, na comunicação disto internacionalmente», conclui Masselli.