Algodão para dar e vender

Apesar da queda significativa da produção mundial de algodão prevista para o período de 2015/2016, correspondida por um aumento do consumo desta fibra, a quantidade de matéria-prima em stock assegura a improbabilidade de situações de escassez.

«Têm sido uns anos muito interessantes, com o pico dos preços do algodão em 2010/2011», afirmou Marsha Powell, diretora do programa da Turquia para o Cotton Council International (CCI) e o Cotton Incorporated. «Tivemos cinco anos em que a produção de algodão mundial excedeu o consumo. Apenas este ano estimamos que a produção de algodão será inferior ao consumo», acrescentou.

No âmbito da convenção anual da Federação Internacional de Vestuário (IAF, na sigla original), que decorreu em Istambul, Powell disse aos delegados que a diminuição da produção mundial de algodão parece «bastante significativa» para o período de 2015/2016. As maiores diminuições, apontou, terão lugar na China, EUA, Índia, África Ocidental e Paquistão.

Com efeito, a produção mundial de algodão deverá cair 9%, para 23,9 milhões de toneladas, em consequência da significativa redução dos preços do algodão na temporada 2014/2015, que conduziram à diminuição da área mundial de cultivo de algodão em 7%, num momento em que os agricultores privilegiam culturas mais lucrativas.

«No entanto, não representa um problema», acredita Marsha Powell. «Em resultado da grande produção assinalada nos últimos cinco anos, teremos excesso de stocks, pelo que não ocorrerão problemas de aprovisionamento. O nosso défice de produção em 2015/2016 deverá ser relativamente pequeno e facilmente suprido pela diferença de stocks mundial, nos EUA, na China e noutros países. Desta forma, antecipamos preços estáveis, talvez um pouco mais baixos do que o normal».

Powell revelou ainda que o consumo de algodão tem vindo a aumentar «de forma constante» ao longo dos últimos anos, e deverá aumentar novamente este ano, a nível mundial.

China: panorama em transformação

A China permanece o maior importador de algodão, de acordo com o CCI, respondendo por 42% das importações mundiais desta fibra e por mais de um terço do algodão utilizado em fiação. Paralelamente, detém mais de 60% dos stocks mundiais, em resultado do programa de reservas governamental.

«É um cenário muito instável, ano após ano», reconheceu Marsha Powell sobre a oferta e procura de algodão. «O aumento da produção significou a acumulação de stocks em todo o mundo, mas uma parte significativa das reservas é detida pela China. O montante detido em stock, atualmente, poderia abastecer o mercado mundial durante um ano e a China durante dois anos», explicou.

«A utilização por parte das fábricas à escala global é afetada pelo que a China faz», admitiu. «O uso por parte das fábricas chinesas é muito menor – o que implica uma debilidade na procura global, mas isso, mais uma vez, deve-se às políticas chinesas. Pelo que as observamos de perto».

Nos últimos anos, a China tem restringido significativamente o acesso ao mercado mundial para as suas fábricas. O país dispõe de uma quota tarifária, no âmbito dos regulamentos da Organização Mundial do Comércio (OMC), que permite a importação de menos de 900.000 toneladas de fibra por ano. Tem igualmente opções do governo para importar mais algodão.

Desde a temporada 2010/2011, o algodão produzido na China tem sido comprado aos agricultores pelo governo a um preço garantido, muito superior ao do mercado mundial, e colocado em reservas estratégicas nacionais. Nos dois anos seguintes, mais de 90% do algodão produzido na China foi reencaminhado para o sistema de reserva.

O diferencial de preços entre o algodão chinês e aquele existente no mercado mundial significou que o preço interno do algodão na China estava a ser vendido a um preço muito superior ao preço de compra, superando o valor de um dólar por quilo no seu pico, o que dificulta o eficiente desempenho da sua indústria têxtil. De acordo com o CCI, a indústria têxtil chinesa caiu, durante esse período de tempo, de 12 milhões para 7 milhões de toneladas. «Contraiu significativamente porque era mais barato para as fábricas chinesas importar fio do que produzi-lo internamente», explicou Powell.

No ano passado, porém, a política chinesa mudou. «Já não garantem o preço aos agricultores chineses e os preços do algodão caíram no país. Mantêm a sua quota de importação, mas as fábricas têm, atualmente, mais liberdade para encontrarem algodão a um preço competitivo. Pelo que, uma quantidade cada vez menor de algodão tem como destino as reservas do governo e o mercado mundial tem consumindo mais algodão chinês. O facto de importarem em menor quantidade, significa também que existe mais algodão disponível no resto do mundo», acrescentou Marsha Powell.

Algodão americano

Atualmente, a produção de algodão estende-se a mais de 70 países, com o comércio global estimado em mais de 12 mil milhões de dólares, de acordo com o CCI. Em termos de exportação, os EUA lideram o ranking, sendo responsável por um terço do comércio mundial de algodão, seguidos pela Índia, Austrália e região da Ásia Central.

A China é o principal cliente dos EUA, representando 41% das compras desta fibra, seguida pela Turquia, com 15%. No entanto, a indústria do algodão americana tem mudado nos últimos anos, indicou Powell. «Tivemos vários anos durante os quais a produção foi maior e outros em que foi menor. Os nossos stocks nos EUA, durante esse período muito tumultuoso, diminuíram. Mas este ano, a procura excederá a oferta pela primeira vez em vários anos, pelo que usaremos todos os recursos disponíveis», acrescentou.

Cerca de metade do algodão produzido nos EUA provém do estado do Texas, pelo que as colheitas estão dependentes das condições meteorológicas. «Se o Texas não registar uma grande quantidade de chuva, os agricultores tendem a abandonar a sua produção e não efetuam a colheita. Por esse motivo, observamos de perto o tempo no Texas e consideramos a taxa de abandono por área cultivada. Há alguns anos atrás, tivemos períodos difíceis, com condições de seca severa, mas este ano beneficiamos de uma quantidade satisfatória de água», explicou Marsha Powell. «Este ano, assinalamos um aumento de 80% nos stocks finais americanos, pelo que, tendo por base um histórico que sugere que os preços do algodão americano deverão diminuir, isto são boas notícia para as fábricas».