Algodão e clima de relações cortadas

O Paquistão está entre os cinco maiores produtores mundiais de algodão, uma matéria-prima usada em cerca de 70% dos artigos têxteis. Contudo, as condições climáticas adversas ao longo do último ano poderão ter custado ao país mais de 2,7 mil milhões de euros em receitas e emprego.

As chuvas fortes e as temperaturas elevadas que se fizerem sentir no Paquistão durante a época de cultivo de algodão, entre abril e setembro, prejudicaram gravemente a colheita, pressionando toda a indústria têxtil e vestuário (ITV), revela Khalid Abdullah, comissário do algodão e vice-presidente do Comité de Algodão Central do Paquistão. Vários especialistas indicam que os danos resultaram na perda de receita e emprego, que poderão custar à economia do país mais de 3 mil milhões de dólares (2,69 mil milhões de euros) até ao final do ano fiscal, em junho de 2020.

A maior parte do algodão paquistanês provém da província de Punjab – que experienciou temperaturas inesperadamente elevadas durante os meses de agosto e setembro – e o restante é cultivado principalmente em Sind. De acordo com o Instituto de Investigação de Algodão Central (CCRI, na sigla original), as condições climáticas extremas provocaram a destruição de mais de um terço da colheita prevista para o país. Este tipo de prejuízo já não é uma novidade para os produtores de algodão, que, no ano passado, assistiram à seca das lavouras e dos rios nas duas regiões, causadas pelas ondas de calor extremo. Abdullah admite, aliás, que «os agricultores estão continuamente a ser impactados pelas alterações das condições climáticas».

Segundo o Gabinete de Estatística do Paquistão, o algodão é o maior impulsionador da economia do país, contribuindo para quase 1% do PIB e colocando-o entre os cinco maiores produtores desta matéria-prima, a nível mundial – em 2019, desceu a posição no ranking para o quinto lugar, atrás do Brasil, EUA, China e Índia. Por outro lado, no final deste ano fiscal, estima-se que os produtores fiquem aquém da meta estabelecida pelo governo de 15 milhões de fardos.

Para atender às necessidades da ITV, o Paquistão recorre frequentemente às importações de algodão, que provêm na sua maioria do Turquemenistão, Uzbequistão e EUA, indica o CCRI. Até junho, o país terá de importar pelo menos 6 milhões de fardos – quase o dobro do registado no ano passado – para atingir os objetivos governamentais propostos, explica Shahid Sattar, diretor-executivo da All Pakistan Textile Mills Association (APTMA). Estas importações irão refletir-se num aumento do custo total da produção têxtil, agravando o resultado líquido da economia paquistanesa. «O fracasso da colheita de algodão traduz-se em danos para a economia do país», reconhece Sattar.

Bola de neve apanha emprego

O Estudo Económico do Paquistão 2018-2019, publicado em junho, aponta que as alterações climáticas representam «um desafio sério» à agricultura. Ao longo da última década, a indústria do algodão nacional tem vindo a fazer um esforço de adaptação às novas exigências do mercado, que não parece estar de acordo com as condições atmosféricas, já que, entre 2011 e 2019, a produção caiu mais de 25%, revela o CCRI.

Por sua vez, uma queda da produção arrasta consigo todas as outras variáveis económicas, resultando «num peso para a economia frágil» do Paquistão, afirma Abid Qaiyum Suleri, diretor executivo do Instituto de Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Entre estas variáveis está o emprego. Aproximadamente 2% dos 25 milhões de trabalhadores, cujos meios de subsistência estão associados ao algodão e ao sector têxtil correm o risco de perder o emprego até ao fim do ano fiscal.

Daqui origina-se um efeito “bola de neve”, dado que os agricultores dependem das receitas do algodão para obter os recursos necessários ao cultivo das próximas colheitas. «Se uma colheita é prejudicada, afeta as outras, porque os produtores precisam de comprar sementes, fertilizantes e água», garante Suleri.

Incentivar com mais recursos

No sentido de ajudar os agricultores a lidar com as condições climáticas extremas, o Comité Central de Algodão do Paquistão estabeleceu o seu próprio programa nacional de melhoria das sementes para lhes oferecer novas variedades mais resistentes ao clima.

Um outro grande desafio prende-se com a falta de acesso às previsões meteorológicas por parte da maioria dos agricultores rurais. Num país onde convergem mais de 70 dialetos, a disponibilização da informação em apenas cinco (onde se incluem o inglês e o urdu) torna-se insuficiente para a compreensão geral.

Neste contexto, o comité lançou, em 2016, o TeleCotton, um serviço de mensagem de texto que garante informação clara e simples sobre as previsões meteorológicas e alerta os agricultores no seu idioma corrente. Até ao momento, o serviço tem apenas cerca de 25 mil assinantes. No entanto, o comité já anunciou um esforço redobrado para registar mais utilizadores e aumentar a frequência das mensagens.

Ahmad, agricultor em Khanewal, defende que é necessária a participação mais ativa do governo para continuar a apoiar o cultivo de algodão, instalando, por exemplo, estações de teste de sementes e pesticidas em todas as aldeias. «O algodão é não só a nossa salvação, como também a da economia do país», assume o agricultor, acrescentando que este é um sector que «precisa da atenção dos legisladores».