A inauguração de um novo centro logístico permitiu à empresa alargar a autoprodução, com a instalação de mais 300 painéis fotovoltaicos, e o acordo assinado com a espanhola Audax Energia garante que a restante energia utilizada pela produtora de vestuário não produz gases com efeito de estufa nem contamina, de qualquer forma, o meio ambiente.
Um marco importante para a Twintex, que se orgulha também da sua política ambiental e social e está ainda, segundo Bruno e Mico Mineiro, CEO e COO da empresa, a preparar novos investimentos para manter o desígnio de ser a fábrica de confeções do futuro.
Como foi o percurso para que a Twintex chegasse, a este ano, a usar apenas energia produzida com métodos 100% renováveis?
Mico Mineiro – Começámos a fazer os primeiros estudos e a primeira investigação em 2011 e em 2014 conseguimos aproveitar uns estímulos que a Comunidade Europeia propôs para soluções de energia renovável e não quisemos perder a oportunidade. Nessa altura, instalamos cerca de 500 painéis fotovoltaicos para a produção de energia internamente. De seguida, e porque tínhamos conseguido uma posição em leilão que nos permitia vender à rede, instalámos mais 500 painéis solares, o que na altura nos permitiu ficar com uma autonomia anual média perto de 45% das nossas necessidades. Já este ano pusemos em funcionamento no edifício do centro logístico mais 300 painéis, o que eleva para cerca de 55% a nossa autonomia em energia elétrica. Por outro lado, toda a energia que compramos à rede fazemos questão que ela esteja de uma forma muito clara a ser obtida por fontes 100% renováveis e conseguimos um parceiro que o garante, o que quer dizer que a Twintex neste momento funciona a energia 100% renovável.
Qual é a previsão para o retorno do investimento?
Mico Mineiro – O primeiro investimento que fizemos, em 2014, foi muito mais elevado do que o que fizemos agora, mas o período de retorno mantém-se igual ao do primeiro investimento. No primeiro investimento, por exemplo, conseguíamos vender à rede a 15 cêntimos o quilowatt – isso é o que temos acordado em leilão. Embora o equipamento fosse caro, este preço de venda justificava-se. Atualmente vendemos a dois cêntimos o quilowatt à rede, isto é, o custo da tecnologia baixou muito, mas o preço de venda também. O período de retorno situa-se, por isso, em quatro anos e meio a cinco anos, pelo que temos que considerar que é financeiramente um bom negócio. Mas, na nossa forma de ver, mais importante do que o negócio financeiro adjacente é o facto das emissões de dióxido de carbono da fábrica serem diminuídas de uma forma muito drástica. Isso, sim, é o mais importante.
Que desafios, nomeadamente legais e burocráticos, enfrentaram na expansão de produção de energia?
Mico Mineiro – A lei prevê de uma forma muito clara, e para toda a gente, a percentagem que podemos produzir de energia elétrica, que está diretamente relacionada com o nosso consumo. Se tivéssemos um terreno grande à volta da fábrica, compreendo que quiséssemos produzir mais energia. No nosso caso, temos o telhado completamente coberto e não cabe nem mais um painel, pelo menos de uma forma que apanhe o sol para ser produtivo. Não é um problema que nos afete diretamente, mas compreendo que sim, não devia haver um limite para gerar energia de uma forma tão sustentável. A nível da burocracia, evitando falar nas instituições, é, de facto, altamente desmotivador estar meses à espera de um papel, tentarmos seguir o assunto de uma forma pessoal, consistente, com uma elevada pressão no tempo, várias vezes por semana tentar ter respostas e conseguimos comprovar que temos casos em que estivemos meio ano a perseguir uma resposta e ninguém respondeu a um e-mail sequer. Mas quando conseguimos, as coisas começam a funcionar e é altamente gratificante.
Que outros projetos têm a decorrer na área da sustentabilidade, para além da energia?
Mico Mineiro – A forma como vemos a sustentabilidade resume-se no conceito Life da Twintex, que prevê uma melhoria não só da sustentabilidade, mas também de todo o âmbito social em que, na realidade, uma empresa está inserida. Temos neste momento a certificação ISO 14001, da gestão ambiental, e a SA 8000, para a responsabilidade social, à parte da ISO 9001 para a qualidade, da SMETA, da RWS e mais algumas que são exigidas por clientes, isto é, para nós, a sustentabilidade é uma forma de estar. No conceito Life conseguimos ter, por exemplo, um programa de descontos para todos os funcionários e familiares diretos, em que abrangemos cerca de 1.500 pessoas que têm acesso ao cartão Life que dá descontos em inúmeros estabelecimentos: fisioterapia, dentista, bomba de gasolina, supermercado, aula de natação dos miúdos, talho,… É uma série de protocolos que a empresas desenvolveu com empresas locais para proporcionar acesso, às pessoas, aos melhores serviços disponíveis e ao preço mais justo. Isso faz parte da nossa visão de sustentabilidade. A sustentabilidade, para nós, é muito mais do que a proteção do meio ambiente, passa pelo bem estar de todos os nossos colaboradores, da nossa equipa e, claro, na parte sustentável diretamente.
A fábrica, ao dia de hoje, trabalha apenas com gás natural, todo o nosso desperdício é separado em papel, plástico e desperdícios de fibras e é reciclado de acordo com as necessidades e encaminhado para indústrias que podem gerar o início de uma economia circular – volta a ser reutilizado para outros fins. Temos também uma preocupação muito grande em reduzir o uso de tudo o que é ar condicionado e sistemas de ventilação que possam gerar químicos ou dióxido de carbono para a atmosfera, através do controlo da temperatura interior com sistemas de refrigeração natural, com o telhado com máxima eficiência térmica possível para que a temperatura seja controlada, todas as nossas janelas têm uma película que faz uma proteção para os raios ultravioleta e, num dos projetos futuros, porque a película já não atinge a eficiência de alguns vidros que estão disponíveis hoje em dia no mercado, faz parte fazer uma troca integral desses vidros, nomeadamente na zona de escritórios, para que o conforto e o bem-estar possa ser superior. Temos também, na área dos automatismos, que é uma área que nos é muito cara e querida a todos na fábrica, mais investimentos a fazer. Estamos a fazer, com os nossos parceiros de tecnologias, uma série de desenvolvimentos e de máquinas que serão únicas. E, claro, não podemos nunca perder o nosso mote de querermos ser a fábrica de confeções do futuro e, para isso, contamos com um apport permanente da nossa equipa. Temos o privilégio de estar rodeados por um grande número de bons profissionais que lideram, cada um com o seu departamento e com as suas equipas, e que têm de facto ajudado a elevar a Twintex em termos de qualidade e de serviço. Não podemos nunca esquecer que, no nosso caso, é também um privilégio a relação que temos de profunda amizade e profundo respeito com outros players no nosso ramo, que nos permitem que nos inspiremos, possamos beber da sua experiência e com a ajuda deles conseguirmos melhorar. Acho que nesta altura, e ao dia de hoje, poder haver uma relação tão saudável entre empresas é sempre um benefício para todos.
O que veio o novo centro de logística trazer em matéria de eficiência para a empresa?
Mico Mineiro – O centro logístico foi um passo natural no crescimento da Twintex. No início de 2018 começámos a sentir grandes constrangimentos de espaço físico. A falta de espaço era refletida não só para a colocação de matérias-primas e de produto acabado, mas também no conforto das pessoas durante o dia de trabalho, que era aliás o que mais nos preocupava. Ponderámos, de forma muito séria, construir uma fábrica de raiz que pudesse englobar todos os nossos serviços num único espaço, que seria de facto o ideal e sem dúvida o mais eficiente a nível industrial e a nível produtivo, mas seria uma solução que traria um risco de investimento muito acima daquele que gostávamos ou poderíamos assumir, e, sobretudo, não cumpria o requisito fundamental, que era o fator tempo. Tínhamos uma falta de espaço evidente que tínhamos que reduzir no máximo em 12 meses e no início de 2018 começámos a pensar no assunto, a desenhar o projeto. Conseguimos um espaço em setembro de 2018, que foi inaugurado não oficialmente, mas que começou a funcionar em março de 2019, por isso, em meio ano conseguimos aceder a um espaço e pô-lo a funcionar. Nesse espaço temos cerca de 60 pessoas, tudo o que é matérias-primas e acessórios está na sala de corte com cinco mesas de corte, três máquinas automáticas e uma máquina por medida e xadrez e tecidos de riscas, que servem a fábrica-mãe, a Twintex apenas, e também um armazém de produto acabado que recebe não só os produtos feitos na fábrica, mas também nos nossos satélites de produção. Entre a fábrica e o centro logístico há uma distância de cinco quilómetros, não é de facto ideal estarmos em espaços separados, mas conseguimos criar, de uma forma rápida, o espaço que precisávamos. Mais importante, na fábrica-mãe, ao retirarmos o armazém das matérias-primas, a sala de corte e o armazém de produto acabado, permitiu-nos desenhar um layout completamente novo, em que impera o conforto dos trabalhadores e também a criação de áreas especializadas por família de produto. Temos espaços industriais para as peças com manga, que vão desde os primeiros passos até ao acabamento, temos dentro do mesmo edifício, mas em área diferente, a solução para as partes de baixo, para as saias e para as calças, e também para os vestidos, o controlo de qualidade autónomo, o acabamento autónomo, tudo pronto até ao embarque. Revelou-se uma solução bastante produtiva.
Como correu 2020 para a Twintex?
Bruno Mineiro – Para a Twintex foi um ano particular, um ano nunca antes vivido. Penso que para todos, infelizmente é global. Chegámos ao início do ano com uma perspetiva de fecho muito boa, estávamos com um crescimento acima de 30% em forecast, um forecast já consistente – temos uma relação muito boa com os nossos clientes e, como tal, conseguimos estimar de forma mais ou menos precisa o que é que vai acontecer. Acabámos a perder mais de 20%, como tal foi um ano em que se foi trabalhando com algum improviso. Houve perda de encomendas, tivemos clientes a cair entre os 20% e os 50%, sendo que aquilo que mais nos assustou foi, em primeiro lugar, o estado de saúde dos nossos trabalhadores, porque quando isto chegou não sabíamos qual seria o impacto humano desta coisa, depois com os meses fomos percebendo o que é que efetivamente acontecia. Ou seja, aquele que era para ser um ano extraordinário acabou por ser um ano de improviso, tal como este é um ano de sobrevivência e retoma. 2021, para nós, continua a ser um ano de grande incerteza, mas no qual com a chegada da vacina e com o alargamento da imunidade de grupo, estamos em crer que vamos chegar ao fim do ano numa posição já muito mais confortável. Se bem que confortável num cenário destes pode parecer um adjetivo demasiado otimista, mas de qualquer forma é isto que desejamos. Como por natureza somos otimistas, o que desejamos é chegar ao fim do ano com o conforto para que 2022 seja já um ano vivido com uma retoma.
Os primeiros meses do ano justificam esse otimismo?
Bruno Mineiro – Na realidade, este otimismo tem mais a ver com o nosso ADN do que com o mercado. Temos um portefólio de clientes muito forte e temos consciência de que o seu potencial em breve brilhará. Resta apenas saber qual é o momento que vamos ter a inversão da tendência, que pensamos ser em julho. Acreditamos que é em julho que a tendência vai inverter, não só por nós, mas por todos, porque partilhamos os mercados com os nossos colegas, com os nossos concorrentes e acreditamos que essa será a altura-chave da inversão da tendência. Não quer dizer que seja de crescimento imediato nessa altura, mas a tendência a inverter sim.
Com o know-how que têm na empresa, a marca própria não é um objetivo?
Bruno Mineiro – Continua a não ser. Olhamos para essa possibilidade com muito respeito, muito interesse, contudo os desafios que temos enfrentado aqui na fábrica, do ponto de vista social, do ponto de vista ambiental, do ponto de vista tecnológico, têm consumido os nossos recursos completamente e não temos tido, até aqui, oportunidade para dedicar esforços a esse projeto com a importância que ele tem. Trata-se de um projeto de primeira importância, consideramo-lo como tal, mas temos que ter uma consciência muito clara dos recursos que temos atualmente e eles estão completamente lotados. Mas para o futuro, sobretudo, pensamos nisso.
Quais são atualmente os principais mercados da Twintex?
Bruno Mineiro – Continua a ser a Europa como um todo e os EUA também como um todo. Não há limitação e nesta fase tem acontecido alguma expansão dentro das mesmas zonas, ou melhor, não é ainda expansão, porque pelo facto de conquistar novos clientes, não quer dizer que haja crescimento – na verdade há um decrescimento –, mas há conquista de novos clientes por fecho de fábricas concorrentes nossas. Pensamos que dentro de um ou dois anos, essa questão que se fala da reindustrialização da Europa será um movimento que pode muito bem tomar alguma consistência.
A reindustrialização é um tema recorrente. Acredita que em termos da indústria da moda vai mesmo acontecer?
Bruno Mineiro – Acreditamos que sim, até pela sofisticação da nossa eficiência, ou seja, hoje, em Portugal, temos fábricas muito mais eficientes do que temos na Ásia ou no Leste Europeu. Como tal, somos procurados por isso. Hoje as pessoas vêm até com uma expectativa de preço que já não é tão distante quanto era há 10 anos – é um fenómeno interessante. Parecíamos muito mais caros há 10 anos em relação a esses destinos do que hoje. Como tal, esse movimento, que não é macroeconómico, neste momento converge no sentido da reindustrialização da Europa e, em particular, de Portugal, que, com a herança têxtil que tem, está numa posição privilegiada para crescer.
Além da Europa e dos EUA, há outros mercados que gostariam de explorar?
Bruno Mineiro – Entendemos que ainda temos por explorar o potencial total dos mercados onde estamos. Como tal, o nosso plano para os próximos cinco anos é extrair mais potencial desses mercados. Temos conquistado muito bom nome na Europa e também nos EUA. E estamos em crer que temos ainda muito potencial para explorar aí. Assim sendo, o primeiro foco é extrair todo o seu potencial e depois então alargar.
Que desafios anteveem para o futuro próximo?
Bruno Mineiro – Penso que é claro para todos que esta fase agora é marcada pela pandemia e pela saída da pandemia, como tal esse é o primeiro e, diria, o maior obstáculo, porque essa saída da pandemia vai marcar a retoma no consumo normal do mercado. Penso que nesta altura é preparar as empresas para o que vem a seguir, porque estamos em crer que, posta de parte esta fase, que é uma fase muito difícil para todos, para o sector, podemos aproveitar estes momentos de hesitação do mercado para tornarmos as empresas mais eficientes – estamos a trabalhar nesse sentido. No nosso caso, temos uma fábrica que normalmente trabalha de forma muito planificada, metódica, em cima de um sistema informático potentíssimo, onde se atingem níveis de profissionalismo já muito avançados. Esta fábrica hoje trabalha pelo improviso e isso deve-se ao facto de estarmos com deficiente chegada de decisão de clientes e de matérias-primas, o que implica que haja aqui um improviso que normalmente já não existia. Temos aproveitado esta fase para repensarmos a fábrica, hoje o layout tende a ser mais eficiente do que era há um ano. Como tal, usamos esta oportunidade para perceber como é que nos posicionamos, para repensar o mercado – sabemos que não vamos para além dos nossos mercados habituais, mas queremos explorá-los em rigor dentro de si próprios. A mesma coisa dentro da fábrica. Por norma temos séries mais pequenas, que implicam a permanência de diferentes modelos dentro da linha, e isso faz com que o layout mude recorrentemente. Agora muda ao dia porque faltam pessoas. Mas hoje aceitamos isso com gratidão. Até aqui tínhamos grande dificuldade em formar uma pessoa flexível, que designamos como pessoa volante, que é alguém que tanto faz uma operação como faz a outra. Fomos obrigados a caminhar nesse sentido e hoje temos muito mais pessoas volantes do que tínhamos – não teríamos se não fosse a pandemia. Nesse sentido estamos gratos à pandemia, temos hoje uma flexibilidade que até aqui não tínhamos. E revelámos desta forma que temos mais talento cá em casa do que pensávamos.
