À procura de fechar o ciclo

De acordo com a H&M, uma das retalhistas envolvida na luta pela proteção do meio ambiente, apenas 0,1% de toda a roupa recolhida pelas instituições de solidariedade é reciclada. Mais do que isso, muitas destas instituições rejeitam peças com etiquetas de marcas de moda rápida, devido à sua fraca qualidade.

De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA na sigla original), em 2012, 84% das roupas “indesejadas” deu entrada em aterros sanitários ou incineradoras.

Quando as fibras naturais, como o algodão, o linho e a seda, ou as fibras artificiais criadas a partir da celulose, como o rayon, o liocel e o modal, são enterradas num aterro sanitário agem, de certa forma, como os desperdícios alimentares, à medida que vão degradando. Mas, ao contrário das cascas de banana, não é possível fazer a compostagem de roupas, mesmo que sejam feitas a partir de materiais naturais.

«As fibras naturais passam por uma série de processos não naturais no seu percurso para se transformarem em roupa», explica Jason Kibbey, CEO da Sustainable Apparel Coalition, em declarações à Newsweek. «Foram branqueadas, tingidas, estampadas, lavadas em banhos químicos», acrescenta, sublinhando que estes produtos químicos podem contaminar, em aterros inadequadamente selados, as águas subterrâneas. Já queimar os itens em incineradoras pode liberar toxinas.

As fibras sintéticas, como o poliéster ou a poliamida, apresentam os mesmos inconvenientes ambientais. E, porque são essencialmente um tipo de plástico feito a partir do petróleo, demoram centenas de anos, por vezes milhares, a degradar-se.

 

Os números

Apesar destas estatísticas, os americanos estão a desfazer-se, hoje mais do que nunca, das suas roupas. Nos EUA, em menos de 20 anos o volume de roupas deitado ao lixo por ano passou de 7 para 14 milhões de toneladas, cerca de 80 libras (36 quilos) por pessoa.

A EPA estima que afastar esta quantidade de têxteis das lixeiras através de um programa de reciclagem seja o equivalente ambiental a retirar 7,3 milhões de carros e respetivas emissões de dióxido de carbono da estrada.

Todavia, destruir as roupas é, também, um enorme desperdício de dinheiro. Cada município norte-americano paga, em média, 45 dólares (aproximadamente 40,31 euros) por tonelada de resíduos enviados para um aterro sanitário. Nova Iorque, por exemplo, gasta 20,6 milhões de dólares por ano para enviar têxteis para aterros e incineradoras – um dos motivos para a cidade estar tão interessada em afastar as roupas do lixo.

O programa Re-FashioNYC, por exemplo, disponibiliza caixas de recolha em edifícios com 10 ou mais apartamentos. A organização sem fins lucrativos Housing Works recebe a recolha e paga, por tonelada, à Re-FashioNYC, que por seu turno investe o dinheiro em mais caixas. Só na Big Apple, por ano, são contabilizadas 200 mil toneladas de lixo têxtil.

Os municípios mais pequenos têm tentado programas de recolha seletiva, mas a maioria é má publicitada e tem pouca adesão. Por isso, a melhor aposta na maioria dos casos é levar as roupas que já não são usadas para uma instituição de caridade, como a Goodwill, o Salvation Army ou lojas locais mais pequenas.

 

As instituições

Porém, de acordo com o Council for Textile Recycling, as instituições de caridade vendem apenas 20% das roupas doadas. Apesar de as grandes instituições de caridade contactadas pela Newsweek afirmarem vender mais – 30% na Goodwill, 45% a 75% no Salvation Army e 40% na Housing Works. Esta disparidade acontece, provavelmente, porque, ao contrário das pequenas lojas de caridade locais, estas organizações têm vindo a implementar sistemas para o processamento do vestuário.

Se os itens não vendem na loja de retalho principal, passam para os outlets.

«Quando não vendemos em loja, online ou nos outlets, temos que fazer algo com as roupas», afirma Michael Meyer, vice-presidente de retalho e marketing para os bens doados na Goodwill Industries International. Por isso, a Goodwill (e outras instituições) acabam por vender a roupa indesejada a recicladores têxteis.

Como seria de esperar, o modelo da fast fashion contribui, também, para todos estes números e força as instituições de caridade a processar grandes quantidades de peças de vestuário em menos tempo para obter o mesmo valor. «Precisamos de passar por mais donativos para encontrar peças boas», afirma David Raper, da Housing Works.

 

A segunda mão

Cerca de 40% das roupas recebidas nos armazéns da Secondary Materials and Recycled Textiles Association (SMART) são embaladas e enviadas para os quatro cantos do mundo para serem revendidas. O Japão recebe as melhores peças vintage, depois das lojas dos EUA; os países da América do Sul recebem as peças de qualidade mediana, os países da Europa de Leste as peças para o frio e os países africanos ficam com as roupas que mais ninguém quer.

Na década de 1980, as roupas em segunda mão começaram a fluir para os países africanos que tinham abandonado as políticas económicas protecionistas. E, porque era mais barato e de melhor qualidade do que o local, o vestuário em segunda mão dominou o mercado.

Em 2004, estimava-se que 81% das roupas compradas no Uganda eram em segunda mão. Em 2005, de acordo com um relatório da Oxfam, as roupas em segunda mão correspondiam a metade do volume das importações de vestuário na África Subsariana. Como resultado, na década de 1990, as indústrias têxteis em países africanos começaram a implodir.

No início do ano passado, alguns dos líderes regionais propuseram a proibição da importação de roupas em segunda mão e as manchetes de que a roupa velha vinda do Reino Unido e dos EUA estava a motivar uma querela económica pós-colonial proliferaram.

 

O ciclo fechado

Empresas internacionais como a Adidas, Levi’s, Nike e H&M não querem que os clientes deixem de comprar os seus produtos, mas também não querem desistir dos seus modelos de negócio fast fashion. «O Santo Graal para a sustentabilidade na moda é o aprovisionamento de ciclo fechado», acredita Marie-Claire Daveu, do grupo Kering. «Reutilizar materiais velhos. Fazer novas matérias-primas a partir de materiais usados. Recapturar as fibras», acrescenta.

A teoria do ciclo fechado é uma perspetiva tentadora para os defensores da sustentabilidade, porque essencialmente imita os processos naturais. A chuva cai, move-se no rio, flui para o mar, evapora para o céu e cai novamente. Não há desperdício.

Por isso, se a tecnologia de ciclo fechado conseguisse ser implementada na indústria da moda, os aterros seriam extintos, a cadeia estaria em loop: das fábricas têxteis para as de vestuário, dali para as lojas, depois para os guarda-roupas, daí para os retalhistas de segunda mão, para a reciclagem e de novo para as fábricas têxteis.

Contudo, em termos comerciais, o ciclo fechado ainda está entre cinco a 10 anos de distância, na melhor das hipóteses, aponta a Newsweek.

A tecnologia, de acordo com um relatório 2014 da Sustainable Apparel Coalition, é possível no algodão puro, mas uma vez tingido, tratado ou misturado com outros materiais, o processo não funciona.

Com 20% de algodão reutilizado, a linha de denim reciclado que a H&M lançou no verão passado superou quaisquer limites e, em maio, a Levi’s estreou um protótipo de jeans em parceria com a start-up de tecnologia têxtil Evrnu, feitos com 52% de algodão quimicamente reciclado a partir t-shirts velhas.

Indo ainda mais longe, a H&M distribuiu em fevereiro cerca de 1,1 milhões de dólares através da Conscious Foundation entre cinco “equipas de inovação”, que trabalham em tecnologias de reciclagem têxtil. Uma equipa estará a trabalhar num processo para dissolver roupas de algodão num material próximo do algodão que pode ser transformado em novas fibras. Outra a desenvolver um micróbio capaz de digerir poliéster, mesmo que seja misturado com uma fibra natural, e dividi-lo nos seus componentes básicos para revenda aos fabricantes.

Em última análise, resume a Newsweek, os esforços destas marcas em fechar o ciclo podem dar origem a um novo – e esperançosamente lucrativo – mercado para os têxteis usados.