«A nossa estratégia agora passará muito mais por apoiar a indústria nacional»

Apesar dos desafios que se antecipam para 2023, incluindo a continuação dos preços inflacionados das matérias-primas, a inovação que está no ADN, e até no nome, da Inovafil deverá manter-se como linha orientadora da empresa de fiação, revela, em entrevista, o CEO Rui Martins.

Rui Martins

Depois de um ano difícil em 2022, a Inovafil prepara-se para ultrapassar novos desafios em 2023, associados a um abrandamento das encomendas provocado pela incerteza no mercado e pelo peso da inflação nos orçamentos dos consumidores. A inovação que está no ADN da empresa de fiação, contudo, deverá continuar a ser um trunfo, segundo o CEO Rui Martins, que revela que, a par com os projetos internacionais voltados para a sustentabilidade e a reciclagem, a Inovafil pretende também apoiar o cluster têxtil português com novas soluções disruptivas.

Como sentiu o mercado das matérias-primas ao longo de 2022?

A questão das matérias-primas, ao longo do ano, foi sempre desafiante mais na questão do preço do que, propriamente, de uma escassez de que às vezes se falava. Houve uma incerteza muito grande tanto no preço na origem, como nos preços dos transportes, que também oscilaram muito, nomeadamente os custos dos fretes marítimos, que agora retomaram alguns valores lógicos. Portanto, mais um início do ano muito turbulento a nível de preços, e preços muito altos e, depois, agora no final do ano, os preços corrigem em baixa já por vários fatores. Estabilidade é uma coisa que não nos assiste, nem nos vai assistir, portanto, o momento é mesmo de gestão de curto prazo, de gestão de necessidades. A incerteza cria na economia, efetivamente, um planeamento a curto prazo e isso coloca muitos destes problemas que temos hoje em dia, de falta de encomendas ou de redução de encomendas, porque a cadeia toda vai optar por esta estratégia, que é uma estratégia mais de gestão a curto prazo, de colocar encomendas não tanto à la longue, cortar nas previsões e ver o que é que isto vai dar.

Tivemos outros fatores que desempenharam um papel-chave também na instabilidade, nomeadamente a energia e os transportes. Quais registaram mais impacto no negócio da Inovafil?

Foi, sem dúvida, o preço das matérias-primas e o custo energético. A empresa reagiu, obviamente, até um limite em que teve de aumentar preços. Uma estratégia de aumento de preços é sempre uma estratégia limite. Não queríamos fazê-lo, mas tivemos de o fazer, porque era insuportável, nomeadamente o aumento dos custos energéticos – a fatura energética pesava 8% a 9% no custo industrial e passou quase para 20%. Tentámos, ao máximo, estar ao lado dos nossos clientes, apoiando-os e fazendo tudo o que estivesse ao nosso alcance para minimizar o impacto nas encomendas deles, que depois, obviamente, se iriam verificar nas nossas encomendas. Reagimos com a instalação de painéis fotovoltaicos, o mais rapidamente possível, que já estão a funcionar.

Qual é o benefício esperado dos painéis fotovoltaicos na fatura energética?

Vai, obviamente, depender, o seu impacto é tanto maior quanto maior for o custo energético. Portanto, se o custo corrigir em baixa, esse impacto vai diluir-se. Estamos sempre a falar à volta dos 15%, em média geral, o que é muito significativo para uma empresa que é altamente consumidora de energia elétrica como é a fiação.

Em termos de procura por parte do mercado, como correu 2022?

2022 teve um primeiro quadrimestre excelente, na linha de 2021, com o mercado sempre com uma procura muito alta. Estávamos numa dinâmica muito forte. A partir de maio, o impacto daquilo que foi a guerra no aumento de custos e de preços, e começando a haver um cenário mais prolongado em que a economia fosse afetada, começou a haver um impacto sobre as encomendas e, a partir de junho, efetivamente, sentimos uma redução significativa na procura. Depois há uma retoma, em julho/setembro e no final, em outubro, curiosamente baixa novamente, não sei exatamente porquê. Penso que, quando começou a ser uma realidade o aumento da taxa de juro e que o poder de compra das pessoas iria ser, inevitavelmente, mais castigado, há aqui outra retração dos clientes nas encomendas. No cômputo geral, não podemos dizer que é dramático. A Inovafil não vai ter um impacto muito forte, mas há uma quebra efetiva de produção em 2022, portanto, há menos quilos vendidos. Há alguma compensação por via do preço. Na parte de fio produzido, estamos a falar à volta de 12 milhões de euros de volume de negócios, que representa um ligeiro crescimento, apesar de menos quantidade vendida. O mais preocupante, neste momento, é aquilo que se poderá avizinhar e é, efetivamente, o que está muito apático neste final de ano, o que não augura nada de bom para 2023, mas vamos ter de o percorrer.

Que papel tem desempenhado a inovação dentro da empresa na última década?

Se posicionarmos a Inovafil no mundo, esta fiação não tem outra opção senão seguir esse caminho. Foi um caminho que foi delineado quando foi concebida, ou seja, uma empresa inovadora e diferenciadora. A Inovafil está ligada à Mundifios, que é por excelência a maior trader da Europa, se considerarmos só fio, e, por isso, não fazia sentido o grupo ter uma fiação para fazer fios que a trader tem em qualidade, quantidade e preço competitivo. Obviamente, é um caminho que não se consegue iniciar não sendo inovador e tendo toda a produção nessa vertente. É um caminho que se vai percorrendo, etapa após etapa, com um objetivo: a Inovafil desenvolver produtos, substituir aqueles que já são existentes, ou seja, que depois passam a ser commodities, que passam a ter um volume tão grande que, provavelmente, outro país o vai fazer de igual forma, mas a um preço mais competitivo. A Inovafil irá produzir e apresentar ao mercado outras soluções e outro tipo de produtos. A nossa estratégia tem dado frutos. Não estamos onde queremos, nem nunca vamos estar, porque esta coisa da inovação tende para o infinito. Temos de estar eternamente insatisfeitos com os nossos resultados e temos de estar numa procura constante de novas soluções, novas propostas e novas parcerias e tudo novo para que possamos substituir aquilo que fazemos. Portanto, o objetivo, e aquilo que também tem ajudado a empresa nestes últimos anos, é substituir a produção que fazíamos há dois, três ou quatro anos pelos mesmos quilos, eventualmente, mas com maior valor acrescentado e mais diferenciadores, em que possamos ter uma margem porventura superior. Ou seja, apresentar soluções diferenciadoras e diferentes ao mercado, estabelecer parcerias tanto com clientes, como com fornecedores e apoiar o que temos feito nestes últimos anos, apoiar, inclusivamente, o desenvolvimento de novas fibras, dando origem a novos produtos.

O que destacaria nesse domínio?

Nestes dois últimos anos, na área técnica, roupa de trabalho, algum mercado que tem surgido na área da performance que temos conquistado, numa área dita dos têxteis técnicos, temos efetivamente já algum negócio e estamos a desenvolver muito nessa área, com muitas solicitações e com muita expectativa também. Estamos a falar de fios termorreguladores, de fios com retardância de chama, gestão de humidade, antiestáticos e, agora, também muito uma parte para forças de segurança, algo em que vai haver um investimento muito grande na Europa, tanto em polícias, como nos bombeiros e nos próprios exércitos, como é lógico. Os orçamentos militares vão, provavelmente, mais do que duplicar e vai haver uma necessidade de um produto mais técnico e feito à medida. A reciclagem é uma área muito importante, em que estamos muito focados com a presença no New Cotton Project – é algo que nos deixa com muito orgulho, que nos tem aberto muitas portas, e estamos integrados não só neste projeto, mas noutros projetos de reciclagem química que vão permitir dissolver, provavelmente, o nosso vestuário no futuro. O projeto com a Infinited Fiber já tem dois anos, está a meio, já foi apresentada a coleção da Adidas, os fatos de treino desenhado pela Stella McCartney com a fibra Infinna e algodão orgânico, em que o fio foi fiado pela Inovafil. Para nós, esse projeto, além de ser um marco, abre-nos muitas portas e hoje temos não só esse projeto, como temos mais alguns nesta área, que estamos a ser solicitados para desenvolver, algo que apresentaremos também agora na Première Vision como projetos para o médio prazo. Cada vez mais teremos de estar a trabalhar no médio prazo. O longo prazo é mais difícil, mas projetos de médio prazo que possam dar frutos e podemos trabalhar neles daqui a dois anos ou três, portanto, nunca serem coisas de tão curto prazo, como fizemos até agora, que foi descobrir novas fibras, o que é que existe, o estado da arte, o que é que podemos fazer com o que existe de diferente, mas agora estar já a trabalhar mais naquilo que está a ser desenvolvido a nível de fibras que vão aparecer.

O que vão trazer de inovador esses projetos?

São projetos na área de fibras celulósicas, com parcerias internacionais. Na minha ótica, a par da reciclagem mecânica – temos o projeto InovafilRecicla, com empresas portuguesas – e reciclagem química, a inovação está a passar muito por arranjar soluções sustentáveis. Não é só reciclar, mas é também olhar para aquilo que fazemos hoje e fazê-lo de uma forma mais sustentável. Estamos a falar da energia – por exemplo, no caso da Inovafil, para além dos fotovoltaicos, 100% da energia comprada é proveniente de fontes renováveis, temos um protocolo assinado nesse sentido –, temos políticas de aproveitamento energético no seio da empresa, diminuição de desperdício, tudo isto à escala mundial é uma tendência que vai ajudar na parte da sustentabilidade. Para além disso, na parte dos materiais mais técnicos, esses estarão no final, porque a indústria da moda puxa muito por estes temas, a moda está muito no foco do “problema”, portanto, será a primeira a ser visada e a ser, até legalmente, obrigada a incorporar desperdício, a incorporar reciclados nos seus produtos. Mas o resto da fileira vem a seguir. Quando queremos performance, esse é o foco, mas o elemento diferenciador, a seguir, vai ser a sustentabilidade. Ter a mesma performance, mas substituir ou, no limite, reciclar aqueles materiais e reutilizá-los. Portanto, algo vai ter de acontecer mesmo nessas áreas. Os sectores da moda e do desporto são os que vão à frente, mas o resto vai seguir – provavelmente, um bocadinho mais desfasado no tempo, mas está a seguir.

Quando fala de sustentabilidade e de inovação, este binómio junto dos clientes já tem relevância?

Acreditamos que sim e temos sentido isso. Temos de ser competitivos, não podemos deixar de o ser, portanto, temos de continuar a desenvolver formas de ser mais eficientes, porque, independentemente do produto que estamos a falar, há sempre concorrência. Agora, quando estas crises económicas surgem, o preço é, obviamente, um fator importante. Vimos, na questão energética, que toda a parte de sustentabilidade ficou um bocado em suspenso, algumas iniciativas até regrediram, algumas centrais a carvão que estavam paradas tiveram de ser reativadas. Mas isto tem de ser considerado como um percalço, um percurso é feito caminhando. Esta guerra é um percalço, um percalço muito forte que, possivelmente, obriga a atrasar, a regredir algumas coisas, mas se há uma coisa que esta guerra vai ter de positivo, se é que se pode dizer desta forma, é acelerar a transição energética, principalmente na Europa, a uma velocidade, diria eu, 20 ou 30 vezes superior àquilo que iria acontecer em condições normais.

Atualmente, qual é a quota de exportação da Inovafil?

Na parte produtiva, estamos a falar entre os 40% e os 50%, quase metade, essencialmente para a Europa (à volta de 80%) e para os EUA.

Há novos mercados em vista?

Temos sempre de estar atentos e estamos presentes em feiras internacionais para ver a evolução dos mercados. Mas temos uma estratégia muito clara. Há sempre um foco muito grande naquilo que é a exportação direta, mas a nossa estratégia agora passará muito mais por apoiar a indústria nacional e o cluster têxtil português. Portanto, estamos mais focados em desenvolver parcerias, desenvolver projetos aqui e colocar força na têxtil portuguesa do que muitas vezes na Europa. Acreditamos, e estas crises também aceleram esse aspeto, que a indústria têxtil nacional vai necessitar muito mais de fios diferenciadores e vai necessitar de fugir, cada vez mais, da questão preço, porque há uma escala global e necessitará muito mais do apoio de uma Inovafil. E a Inovafil está muito interessada e focada em parcerias com empresas nacionais. Porque se reconhecemos que temos o melhor cluster têxtil da Europa, para quê estar só focados lá fora? Porquê exportação, exportação? Por que não estaremos focados em puxar, em apoiar, em estar ao lado de quem, aqui na indústria nacional, tem os canais de distribuição, conhece as marcas e, efetivamente, tem know-how têxtil muito superior, digamos, ao que existe lá fora. Portanto, a nossa estratégia passará muito pelo mercado nacional.

Além dos painéis fotovoltaicos, foram efetuados outros investimentos em 2022?

Sim. O mais significativo foi, efetivamente, na área energética, não só nos fotovoltaicos, como na redução de consumo interno – estamos a falar à volta de 800.000 euros na parte energética. Depois, temos feito algumas alterações de layout e de adaptabilidade àquilo que são as nossas necessidades. Somos uma empresa relativamente recente, portanto, realizámos um investimento muito grande, temos de o adaptar, porque temos de ajustar a empresa àquilo que são as necessidades e a corrente do mercado. Mas, para já, não estão em linha investimentos de vulto. No curto prazo, faremos aquilo que seja necessário para nos adaptarmos, investimentos cirúrgicos e pontuais, que temos feito e que vamos continuar a fazer.

Que desafios e oportunidades antevê em 2023?

Temos de olhar para 2023 de uma forma cética, de uma forma fria, mas preocupada. É inevitável estarmos confiantes de que vamos conseguir ultrapassá-lo, mas vai ser um ano desafiante.

Que fatores terão mais influência no negócio no curto, médio e longo prazo?

O impacto da inflação e da perda do poder de compra e, se houver uma recessão na Europa, qual é que vai ser o impacto? Em que é que isso se vai traduzir, digamos, na diminuição de encomendas para a fileira têxtil.

Que análise faz do negócio da fiação em Portugal?

A nível mundial, Portugal tem um peso muito residual. Mas existiu no país, nesta última década, não só na fiação, mas em toda a fileira têxtil, muito investimento. A fiação muito vocacionada para algumas empresas verticais que querem ter algum domínio sobre algum tipo de produto para consumo interno, ou seja, a nível de qualidade ou especificidades próprias, portanto, consideram estratégico para o negócio. No restante, quem está como a Inovafil no mercado, tem de estar nos elementos diferenciadores, nos segmentos mais médio-alto ou de especificidades. Mas a nível mundial, o peso da fiação portuguesa vai continuar a ser pequeno.