Promovido pela ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, o webinar mostrou que a sustentabilidade faz parte – em alguns casos há décadas – da realidade do tecido industrial português. Contudo, há ainda trabalho a fazer. Segundo Mário Jorge Machado, presidente da ATP, há três componentes na sustentabilidade que têm de ser trabalhadas pelas empresas: «as práticas sustentáveis, ter a certificação dessas práticas sustentáveis e conseguir fazer chegar essa informação ao consumidor», enumerou, salientando que «em todas elas há muito trabalho a ser feito, principalmente do lado das empresas em termos de ter as práticas e de as conseguir comunicar aos seus clientes».
Neste sentido, a ATP, em conjunto com a Euratex, está a falar com a Comissão Europeia para permitir uma maior transparência para o consumidor sobre o local de produção e a sustentabilidade dos têxteis e vestuário. «O consumidor tem de ter a possibilidade de ter acesso a essa informação. Por outro lado, ter acesso a essa informação é muito importante se ele perceber o quão importante é a sua decisão de encontrar um produto feito de forma sustentável para dar o seu contributo na sustentabilidade do planeta», afirmou Mário Jorge Machado.
O presidente da ATP lembrou igualmente que a Comissão Europeia está a ultimar uma estratégia para o sector, pelo que «estamos perante uma enormidade de oportunidades e de alterações que vão acontecer, promovidas quer pelo consumidor, quer pela União Europeia».

Sublinhando que a produção sustentável «veio para ficar», o presidente da ATP ressalvou, no entanto, que «a grande responsabilidade vai para cada um de nós como consumidores», sendo que se o consumidor «decidir comprar produtos que são feitos só de forma sustentável e que permitem que a economia seja circular, toda a cadeia produtiva, a nível da Europa e a nível do globo, vai alterar para corresponder a essa situação».
Neste campeonato, Mário Jorge Machado revelou também que a ATP está em conversações com vários distribuidores de energia elétrica para estabelecer acordos preferenciais e conseguir energia verde para alimentar a indústria. «O nosso objetivo era, durante este ano, que todos os nossos associados, e já falei com outras associações para eles, com os seus associados, fazerem o mesmo, anunciar que a têxtil portuguesa é o primeiro sector industrial têxtil em que toda a energia elétrica que utiliza é proveniente de fontes renováveis», explicou.
Riopele “verde” desde 1927
Na Riopele, a sustentabilidade está presente desde sempre. «Eu digo que a Riopele já nasceu sustentável, porque o termo sustentabilidade tem uma abrangência muito grande», assegurou Albertina Reis, diretora de inovação na empresa fundada em 1927. «Quando ingressei na Riopele, e já são 32 anos, lembro-me que havia uma preocupação com a gestão dos recursos internos, um dos pontos-chave dentro da organização era mesmo a questão da utilização da água», apontou.

Sem o termo ainda no dicionário do comum mortal, a empresa procurou, através da inovação, «preparar-se para os desafios» e a sustentabilidade «faz parte da estratégia». Atualmente, exemplificou Albertina Reis, a Riopele tem equipamentos que permitem uma poupança de 40% em termos de consumo de água e recicla 55% da água utilizada. Além disso, tem analisado «aquilo que são os nossos desperdícios» e procurado fazer «o enquadramento daquilo que seria o conceito de economia circular dentro da empresa», tendo implementado «boas práticas no tratamento de desperdício de toda a linha de fabricação», para a qual tem inclusivamente, uma parceria com a Sasia. «A colaboração entre as empresas, os centros tecnológicos, as universidades, é fundamental», acredita.
Um processo que tem vindo a ser comunicado aos clientes. «Uma das coisas mais importantes em termos de abordagem comercial é trazer os clientes à fábrica, mostrar-lhes como somos, como é que trabalhamos e isso, por si só, já consegue efetivamente dar uma imagem de que somos transparentes e criar estabilidade, um ponto importante de referência para poder efetivamente dar seriedade a todo este processo. As certificações também são importantíssimas porque dão credibilidade, mas trazer os clientes, mostrar-lhes as nossas práticas é fundamental para que eles se sintam confortáveis», destacou a diretora de inovação da Riopele.
Proximidade ao consumidor na Tintex
Comunicar é também um pilar fundamental na estratégia da Tintex, que procura estar cada vez mais próxima do consumidor final. «Enquanto indústria têxtil tradicional, estivemos sempre muito afastados do consumidor e das pessoas, sempre muito focados no saber-fazer e saber criar e era difícil chegar às pessoas. Tínhamos informação muito tarde para melhorar, para produzir diferente e criar novos produtos e essas criações chegavam, e ainda chegam, muito tarde às pessoas. Acho que com esta questão da revolução digital que começou a acontecer com as redes sociais, a digitalização, o 3D, tornou tudo muito mais fácil e possível chegarmos a cada um de nós enquanto consumidores», acredita Ricardo Silva, administrador da empresa, que realçou que a questão da sustentabilidade «é muito mais do que os aspetos ambientais e sociais. É, realmente, a transparência e confiança na indústria, de que estamos a fazer algo bem feito».

Para ter esta interação e feedback do consumidor, a Tintex tem recorrido às redes sociais e, para facilitar a comunicação de forma a que seja entendida por todos, tem firmado parcerias com outros produtores na cadeia de valor. «Apresentar os produtos em forma de peça é o passo fácil para todos percebermos as tecnologias, percebermos produtos diferentes, como é que as coisas se reinventam e chegam ao mercado. Esse é um caminho que enquanto indústria temos que pensar. Nós, por exemplo, não somos confeção, portanto o que se pode fazer, e se faz entre empresas industriais, é explorar as sinergias possíveis, em que criamos valor conjunto para chegar às pessoas, porque o objetivo é passar confiança», assegurou.
Apesar de acreditar na digitalização, nem tudo funciona no mundo virtual, reconheceu Ricardo Silva. «Considero que foi um fracasso mundial passar aos eventos digitais em vez de físicos. As feiras físicas existem por alguma coisa, não é por ter lá toda a gente, porque também está toda a gente no digital, é por ter as pessoas perto uma das outras e esse contexto vai ser sempre essencial neste mundo», admitiu. «A questão do toque, do sentir, do experimentar, pôr a peça, tirar a peça, tem que passar ainda por momento físicos», garantiu.
Sete décadas de reciclagem na Sasia
Estabelecer parcerias é também um vetor importante na Sasia, que desde 1952 se dedica à reciclagem de têxteis. «Temos feito algumas parcerias interessantes com empresas para reciclar os seus produtos», asseverou Miguel Ribeiro da Silva, administrador da empresa. Contudo, sublinhou, apesar de haver um interesse crescente em reintegrar os produtos reciclados no processo produtivo, nem sempre é possível, «porque depois de reciclados os produtos, muitas vezes, não têm a qualidade que essa própria empresa precisa».
O importante, todavia, é reciclar, «a preocupação deve ser essa», até porque, após o processo de reciclagem, o resultado «pode ser aplicado para diversos mercados diferenciados», referiu o administrador da Sasia. Para isso, os produtos devem ser pensados já com o fim de vida em mente. «Tem de começar desde a conceção e design até ao produto final e à produção, para as peças que vão ser fabricadas serem passíveis de reciclar no final», esclereceu.

«Esse papel de reciclagem tem que ser feito pelas grandes marcas. Tem que ser feita uma grande campanha de marketing a nível nacional e internacional para fomentar a própria reciclagem», apelou, citando exemplos de grandes retalhistas que já aceitam que os consumidores entreguem peças de vestuário nas suas lojas em troca de um vale de compras.
Até chegarmos ao ponto em que tudo seja reciclado será «um processo demorado», afiançou Miguel Ribeiro da Silva, adiantando que os dados mostram que cerca de 80% da roupa acaba em aterro. Contudo, «todo o produto têxtil acabará por ser reciclável. O que é preciso é estudar as suas aplicações e ter mecanismos e know-how suficiente para concretizar os objetivos – é isso que propomos na Sasia», concluiu.