A pandemia levou ao cancelamento e adiamento de feiras e praticamente parou a atividade da Messe Frankfurt nos últimos meses, tendo um impacto significativo do qual só deverá recuperar em 2023.
A responsável pela organização de certames como a Heimtextil ou a Techtextil está, contudo, empenhada em continuar a ser um dos pontos de encontro privilegiados para os profissionais de várias indústrias, nomeadamente a têxtil, e além de estar a preparar o regresso dos grandes eventos físicos a Frankfurt, encontra-se igualmente a desenvolver as suas plataformas digitais para ligar expositores e visitantes.
Um modelo híbrido que, afirma Cristina Terra Motta, representante da Messe Frankfurt em Portugal, traz mais-valias para os negócios e afirma-se como o caminho para um futuro em que o digital deverá complementar as insubstituíveis interações pessoais e concentradas que só as feiras permitem.
Que impacto tem tido a pandemia na Messe Frankfurt?
Tendo em conta que trabalha com diferentes áreas de negócio, sente que esta crise provocada pelo Covid-19 foi mais intensa nuns sectores do que noutros?
O impacto foi mais ou menos generalizado, mas diria que na indústria portuguesa, que é uma indústria que fabrica para terceiros, de private label, em praticamente todos os sectores, nota-se que embora o impacto tenha sido muito grande, a expectativa em relação às feiras que se vão realizar também é muito grande e as empresas aderem bastante bem.
Em termos de regiões, contudo, a Ásia, especialmente a China, já está a recuperar, pelo menos a nível de feiras.
Sim, mas é também muito graças ao mercado local, porque não temos empresas europeias a viajar neste momento para a China.
Algumas feiras da Messe Frankfurt, como a Texworld USA e a Apparel Sourcing USA, lançaram edições digitais. Que feedback tem dessas iniciativas?
Nos EUA, durante os dias previstos para a feira física, portanto não é nada que funcione para além daquilo que seria uma feira física, os fornecedores e compradores tiveram a possibilidade de fazer chats em direto, assistir a workshops e seminários e o feedback que eu tenho é bastante bom, tanto que em janeiro se prevê a realização da feira física acompanhada de uma plataforma virtual.
A feira de moda sustentável Neonyt também apostou num certame online. Como correu?
A Neonyt on Air foi diferente, não foi uma feira virtual. A Neonyt considerou que não tinha condições para fazer uma feira online mas não quis deixar de marcar a sua presença e então fez uma série de seminários livres, nos quais os interessados podiam participar gratuitamente, em que discutiram as questões da sustentabilidade e as questões pertinentes para esta feira. Foi uma maneira de marcar presença e acho que foi bom e muito interessante.
Como sente os expositores portugueses que participam habitualmente na feira?
Há uma apreensão muito grande que tem a ver com o facto de estarmos a viver nesta incógnita. Se por um lado querem estar presentes, por outro lado também ainda há muitas empresas que têm receio das viagens, de como funciona se alguém fica doente. Tudo isto são coisas novas que as empresas vão ter que lidar agora e se precaver em termos de seguros, de assistência à saúde. etc. Uma das mensagens que a Messe Frankfurt está a passar é que se as pessoas cumprirem a questão de usar a máscara, o distanciamento social e lavarem as mãos, não há razão para ter receios.
Esta situação poderá mudar os pressupostos da organização e preparação de uma feira?
Na minha forma de trabalhar não houve mudanças, exceto a necessidade de dar mais explicações, mas quando as coisas normalizarem, também essas explicações já não serão tão necessárias. Portanto, diria que no nosso modo de operar não vai haver alterações. Na forma como as feiras se vão realizar, estou convencida que sim, porque acho que a feira híbrida veio mostrar que o digital é um aporte fantástico e a possibilidade de fazermos um matchmaking, que até agora nunca era feito e que permite às empresas encontrarem as pessoas certas sem terem que ter um stand maior ou mais bem localizado, é uma mais-valia.
Acredita que o papel da feira sai reforçado?
Neste momento é cedo para dizer, porque estamos ainda no meio da pandemia, mas se me atrevesse a fazer futurologia, diria que sim, sai reforçado, não só porque permite uma grande economia de viagens mas porque com o desenvolvimento das plataformas digitais em pleno andamento, não sabemos ainda bem o que aquilo vai dar – embora esteja convencida que vai ser um aporte fundamental para as feiras.
Quais são os principais desafios que antecipa?
Do ponto de vista da organização, é sem dúvida desenvolver boas plataformas digitais. Do ponto de vista da feira física vai ser passar por estes anos difíceis, um ou dois anos, para depois voltarmos a respirar de alívio. Agora é um bocadinho aguentar o barco.
E do lado dos expositores, o que vão eles ter de alterar?
Tem a ver também com a questão tecnológica. Parece-me que as empresas apostam cada vez mais no digital e no comércio online e estou convencida que para as próprias empresas isso também vai ser fundamental.
Esses eventos virtuais podem ser uma oportunidade para as empresas testarem mercados?
Ainda é muito recente e não tenho uma amostra que me permita tirar conclusões quanto a isso, mas eventualmente admito que, em certos mercados, isso possa acontecer, sobretudo poupando muito dinheiro.
O futuro das feiras passará, então, também pelo canal online?
De que forma está a Messe Frankfurt a trabalhar nessa oferta digital?
O primeiro passo importante já demos. Temos o catálogo online há muito tempo, onde as empresas podem fazer o upload dos produtos – muitas vezes, as empresas nem aproveitam devidamente aquilo que pagam. E uma das coisas que está a acontecer é que essa plataforma já permite fazer mais do que se conseguia anteriormente. Existe um prolongamento e desenvolvimento de ferramentas que ajudem os expositores e os visitantes, mas isso também está a ser feito neste momento.
Considera que as empresas portuguesas estão preparadas para este novo futuro?
Noto que as empresas estão a investir mais e também a ter mais noção da questão do marketing. As empresas portuguesas, provavelmente porque produzem para terceiros, descuram um bocadinho a questão do marketing e uma participação numa feira é, em grande medida, uma ação de marketing, mesmo, por exemplo, com estas plataformas digitais. Quando há um encontro e há uma reunião agendada, o cliente que apareça pela primeira vez tem que encontrar uma empresa que ofereça confiança e isso faz-se através da imagem – na Heimtextil, as empresas perceberam claramente isso. Do ponto de vista físico estão a fazer isso, agora falta a questão de apostar mais também na possibilidade de promoção nos meios que existem, nas ferramentas que existem.
Vamos num caminho em que o físico e o digital têm de estar lado a lado?
Acho que sim. Neste caso estamos a falar de feiras industriais e de feiras B2B, não estamos a falar para o consumidor final, porque aí as coisas são diferentes: assistimos há relativamente pouco tempo a Farfetch a fazer uma venda de um milhão de dólares numa sessão, portanto as pessoas perderam o medo de fazer compras online.

E muitas empresas têxteis aguentaram-se precisamente por causa do online, as pessoas passaram a comprar têxteis-lar e tudo isso através da internet – também porque muitas vezes compram o que já viram numa loja. Agora no B2B é preciso haver plataformas digitais, mas é importante conhecer a empresa e conhecer os produtos. O digital acrescenta valor e quando as empresas perceberem que acrescenta valor, vão investir.
Se tudo correr como planeado, as feiras para o ano vão mostrar o mesmo vigor que na pré- pandemia?
Não, para o ano ainda não. A Messe Frankfurt prevê dois a três anos até as coisas voltarem a ter alguma pujança. Os próximos dois anos vão ser ainda um bocadinho difíceis.
Está otimista para o futuro?
Estou otimista – é mesmo suster a respiração até as coisas retomarem. A história está cheia de dramas: a Messe Frankfurt tem mais de 800 anos, sobreviveu à peste bubónica, sobreviveu às guerras mundiais, à guerra dos 30 anos e sempre foi necessária, porque sempre que há uma crise económica as feiras são importantes para o relançamento da economia. Portanto, obviamente, estou muito positiva em relação ao futuro.