O crescimento astronómico que se registou em alguns mercados emergentes parece ter ficado fora de moda para grande parte do sector do luxo. As vendas na China abrandaram em linha com o arrefecimento da economia, enquanto a procura estagnada na Rússia e no Brasil continua a fazer estragos.
Agora é a vez da Turquia – um país que física e culturalmente fica entre o Ocidente e o Oriente, com um dos mercados em mais rápido crescimento para a indústria e uma classe média jovem e em escalada –, com os pesos-pesados do luxo, que investiram recentemente no país, a poderem ser afetados.
Nos últimos quatro anos, Prada, Hermès, Louis Vuitton, Gucci, Chanel, Christian Louboutin, Tod’s, Ralph Lauren e Armani abriram pelo menos duas lojas monomarca em Istambul, enquanto a Ermenegildo Zegna e a Burberry têm agora três lojas cada uma na capital económica do país. Tory Burch, a rainha americana do luxo acessível, abriu a sua segunda loja no final do ano passado.
Muitos dos grandes nomes podem ser encontrados nos dois centros comerciais de estilo ocidental que abriram: o Akasya Mall e o Zorlu Center. E, em agosto, o Soho House, o clube de membros privados para pessoas ligadas às indústrias criativas sediado em Londres, aterrou no antigo consulado americano, um palácio do século XIX com cinco andares que foi restaurado para incluir banhos, um spa da marca Cowshed e uma piscina no telhado com vista sobre o Bósforo.
Mas com a desaceleração económica depois de anos de crescimento constante – juntamente com preocupações relacionadas com o caos que se vive na vizinha Síria e a agitação civil antes das eleições do mês passado –, a corrida das grandes marcas para se estabelecerem na Turquia parou. Após os ataques terroristas em Paris e dois bombistas suicidas que mataram 99 pessoas em Ancara, a capital do país, em outubro, a Turquia parece viver uma conjuntura volátil.
«Muitas marcas que anteriormente estavam apressadas para construir a sua presença estão agora a retrair-se um pouco», afirmou Claudia D’Arpizio, associada na Bain & Company e diretora da unidade de luxo ao New York Times. «A instabilidade política e económica na Turquia e em redor despoletou um certo declínio em termos de fluxos de turistas e consumo local», acrescentou. Além disso, referiu, num ano de volatilidade nas taxas de câmbio, a lira turca mostrou ser uma das moedas mais fracas.
As grandes marcas «sabem que os fundamentos do mercado são bons e que, no geral, o futuro é brilhante, mas por agora muitos parecem estar a adotar uma postura mais de esperar para ver», sustentou D’Arpizio.
A Bain prevê que o mercado mundial de artigos de luxo pessoal registe o ano com os valores mais baixos desde 2009, com as vendas deste ano a deverem aumentar para 280 mil milhões de dólares (262,4 mil milhões de euros), apenas mais 1% do que em 2014. Apesar da preocupação de alguns investidores e das incertezas políticas e económicas, a Turquia continua a ser um mercado fulcral, com muito produtores otimistas com as suas perspetivas.
Embora o país represente apenas 1% do consumo mundial de luxo, as vendas no mercado turco subiram 37% entre 2008 e 2012, segundo a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor. E, em 2013, aumentaram 12% em comparação com o ano anterior, para um valor estimado em 3 mil milhões de dólares.
Até 2018, adianta o Euromonitor, o mercado deverá quase que duplicar, atingindo 5,4 mil milhões de dólares. O principal motor financeiro que irá impulsionar este crescimento é a classe média turca.
A consultora McKinsey estima que, entre 2013 e 2017, o rendimento pessoal disponível na Turquia aumente de 652 mil milhões para 906 mil milhões de dólares, à medida que uma geração de millennials (jovens nascidos depois de 1980) atingem o seu pico de consumo. Em particular, a McKinsey refere que mulheres mais bem pagas na população ativa deverão despoletar um rápido crescimento no poder de compra dos agregados familiares.
«Istambul é uma cidade que marca as tendências, cheia de consumidores jovens, educados, tecnologicamente avançados, mas também se tornou num destino para os turistas internacionais», revelou Demet Sabanci, do Demsa Group, que levou marcas como a Tom Ford, Alexander McQueen, Salvatore Ferragamo, Lanvin, Michael Kors e Harvey Nichols para a Turquia. «A maior parte das marcas de luxo têm cá fortes parcerias locais e vemos que a elevada procura pela Turquia é ainda elevada junto dos investidores internacionais», acrescentou.
As marcas ocidentais que estão no retalho turco recorrem aos serviços de parceiros locais fortes ou fazem joint-ventures com operadores como o Demsa Group para ajudar a entender o mercado imobiliário e adaptar as lojas aos gostos locais. Contudo, como os impostos podem aumentar o custo dos bens de luxo na Turquia em mais de 20% em comparação com Milão e Paris, os mais ricos – os que ganham mais de um milhão de dólares por ano – optam, cada vez mais, por fazer compras no estrangeiro.
Mas, como prova a recente inauguração de hotéis de quatro e cinco estrelas em Istambul, a investida de marcas estrangeiras na Turquia tem tanto os consumidores locais como os turistas em mente. E a cidade de 14 milhões de habitantes tornou-se um destino popular, tendo atraído 10 milhões de visitantes em 2014, sobretudo da Europa e dos EUA.
As boutiques nos resorts da costa, que eram populares para a burguesia russa, foram severamente afetadas pela ausência de turistas da Rússia desde 2014, quando a UE e os EUA impuseram sanções à Rússia devido à sua intervenção na Ucrânia. No entanto, muitos retalhistas em Istambul afirmam que o tráfego da Ásia Central e do Golfo Pérsico nunca foi tão forte. Muito influenciados pelas telenovelas e pelas suas estações de rádio turcas, esses visitantes de regiões vizinhas são responsáveis por cerca de 20% do consumo total na cidade, segundo a plataforma online de luxo CPP Luxury.
As marcas de luxo locais, assim como as internacionais querem capitalizar o fluxo de turistas e de uma população turca com mais rendimentos. Muitos, que costumavam olhar para o Ocidente para se inspirarem criativamente, estão a perceber que há um apetite crescente por produtos que revelam a identidade e a herança no design da Turquia. E os designers locais afirmam que os produtos que incorporam materiais, cores e estilos tradicionais sentiram uma explosão da procura, tanto junto dos consumidores estrangeiros como dos locais.
«A moda turca também evoluiu imenso nos últimos 20 anos, desde a altura em que havia muito poucas casas de moda conhecidas internacionalmente», garantiu a designer de moda turca Ayse Ege, que trabalha em Istambul e em Paris. «A perceção das marcas de moda locais era completamente diferente do que é hoje», acrescentou.
Ayse Ege, juntamente com a irmã Ece, dirige a casa de moda turca Dice Kayek. Elas gerem uma linha de pronto-a-vestir mundial com o mesmo nome há mais de 20 anos. Uma das coleções que criaram – que conjuga design contemporâneo com uma homenagem à arquitetura de Istambul – recebeu um enorme aplauso da crítica e venceu um prémio no valor de 25 mil libras (35,1 milhões de euros), em 2013, do Victoria and Albert Museum, em Londres.
A designer afirmou ao New York Times que continua otimista em relação ao futuro das marcas de luxo no seu país. «As pessoas da classe média-alta querem saber mais e usar marcas de luxo que são agora acessíveis para elas. São inquisitivas, fazem a sua pesquisa e vão continuar a seguir as tendências e estilos de todo o mundo», explicou.